Por Guilherme Henrique Pereira*
Os economistas com mais presença nos grandes veículos de comunicação acreditam que as reformas em curso e em debate de corte das despesas públicas, notadamente as relacionadas ao gasto social, e a redução do setor público reequilibrarão o orçamento fiscal. E, ainda, isso será suficiente para a retomada do desenvolvimento nacional. São bem convincentes pela simplicidade da tese e, sobretudo porque a grande maioria da população, naturalmente, não domina conceitos econômicos.
Um outro grupo expressivo de economistas, apesar de menor presença nos noticiários, defendem que, ao contrário, o reequilíbrio só acontecerá se a economia voltar a crescer. Defendem, ainda, que as políticas atuais aprofundarão a crise, embora possa ocorrer curtos períodos de taxas de variação do PIB positivas. A pergunta seguinte é sobre as possibilidades de promoção desse crescimento. É neste cenário que reaparece o debate sobre o potencial da industrialização, da política industrial e dos serviços (“servicização”).
Durante a segunda metade do século passado a proposta da industrialização se confundia com meta do desenvolvimento, ou da redução da distância (do nível de bem estar, produtividade, competitividade, etc.) que separava os países subdesenvolvidos dos demais. Os argumentos em defesa da manufatura como portadora dessa capacidade de transformação, passavam pela constatação de que os países produtores de bens primários experimentavam uma trajetória de relações de trocas desfavoráveis no comércio internacional. Outra argumentação ia na direção de demonstrar que a produtividade no setor primário era muito menor que no setor secundário, nessa etapa da tecnologia, passível de receber mão de obra pouco qualificada. Assim, a simples transferência de mão de obra de um setor para outro, impulsionaria a produtividade média da economia.
Já no século XXI, o que mudou? Primeiro lugar, há outras condicionantes que se tornaram de incorporação obrigatória nos debates e nas formulações de políticas. Não é mais possível pretender apenas melhorar o nível de produtividade ou as relações de trocas com o mercado externo, ou ainda, diminuir a distância dos indicadores do desenvolvimento entre países. É preciso buscar a igualdade entre gerações no uso dos recursos naturais, bem como na distribuição da renda e riqueza no presente. O objetivo agora é o desenvolvimento sustentável. Mudou também o padrão tecnológico, mais intensivo em conhecimento, portanto, mais exigente em qualificação de mão de obra. Redução de custos e produção em escala, cedem lugar como instrumentos da concorrência. Processos de produção inovadores gerando novos bens ou bens antigos com cara de novidade, ou com novas funcionalidades, são as armas atualizadas para conquista dos mercados. Pesquisa, desenvolvimento tecnológico, alta qualificação dos trabalhadores ganham centralidade no sistema de produção e explicam o crescimento dos serviços. São os negócios intensivos em conhecimento que atendem a manufatura, e outros produtores de serviços e bens requeridos pelo consumidor contemporâneo, ávido por inovação.
Nesse mundo ainda tem lugar para a política industrial (PI)? Certamente não, se ela for entendida no formato distorcido que os liberais utilizam na elaboração de suas críticas à esse tipo de intervenção nos mercados. Isto é, política de apoio aos setores da economia, ou política de fortalecimento de “campeões nacionais”. Aliás, esse nunca foi o bom modelo, tampouco parece encontrar justificativa na teoria econômica.
O que podemos garimpar mais facilmente em apoio a um política governamental de desenvolvimento (além do campo monetário e fiscal) vem principalmente de Keynes e Kalecki. É a defesa do investimento como variável chave da dinâmica econômica. Por aí é possível justificar ações de políticas para regular (bem do Keynes) ou promover os investimentos. Isto é, facilitar ou retirar obstáculos ao fluxo de investimentos privados, de sorte que se mantenham em níveis estáveis, se possível elevados. Aqui aparece como o mais adequado, entender que o “Industrial Policy” nos memorandos do Keynes quer dizer “política dos negócios”. Ou seja, as medidas que o governo pode implementar em apoio ao fluxo de investimentos em geral.
Qual o conceito de PI para autores alinhados com esse pensamento e com larga tradição no debate sobre PI? O professor Johnson(1) pode ser um exemplar representante desse grupo: “PI é um termo síntese para as atividades dos governos que tencionam desenvolver ou restringir várias indústrias em uma economia nacional, à fim de manter a competitividade global.” É, antes de tudo, um atitude e somente depois uma tema para a técnica. Para este autor, a PI pode ser negativa ou positiva. Negativa quando gera distorções, desestímulos, desigualdades entre setores. Em seu sentido positivo, significa a iniciativa e coordenação de atividades governamentais voltadas para alavancar a produtividade e a competitividade da economia como um todo. Um “locus” privilegiado de articulação de diversas políticas e instrumentos em favor de objetivos e metas estabelecidas para o desenvolvimento sustentável, com seus recortes regionais e setoriais.
Para brasileiros, aqui e agora, o grande desafio, na verdade, é a retomada do desenvolvimento sustentável no Brasil da segunda década do século XXI. É muito provável, (deixando de lado, por enquanto, o viés de forças políticas que orientam o atual governo) que haja significativa concordância que a solução passa pelo aumento dos investimentos. Seguramente, juros baixos, câmbio adequado e estabilidade de preços são questões básicas no horizonte de curto prazo. No longo prazo, a capacidade para inovar é, hoje, um fator preponderante. Os serviços intensivos em conhecimento que darão o suporte necessário para a manufatura, para a agricultura e outros serviços são protagonistas decisivos. O desenvolvimento de recursos humanos, a pesquisa científica, o P & D, o design, a comunicação, a eletrônica e tantos outros que se impuseram com o novo padrão produtivo, se tornaram imprescindíveis aos negócios da atualidade. Desse modo, é plausível propor que se coloque em pauta, como prioridade absoluta, a Política de Inovação (Innovation Policy), elegendo-a como locus de coordenação das demais políticas de Governo.
O objetivo geral de alavancar o desenvolvimento sustentável será perseguido via o destravamento do fluxo de investimentos. Metologicamente, o planejamento indicado deve levar em conta as políticas com abrangência nacional. Por exemplo, além das políticas macro, as políticas de comércio exterior, educação, infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento, de comunicação e transportes, todas subordinadas à coordenação ditada pelos propósitos de dinamizar o sistema nacional de inovação, bem como, facilitar os investimentos privados que realizarão a produção dos bens e serviços decorrentes das fronteiras abertas ou renovadas. Também importante, estabelecer os recortes regionais/estaduais e por complexos produtivos, eleitos por períodos de planejamento, obedecendo a critérios relacionados a contribuição de cada um para o objetivo geral e, principalmente, para o alcance dos objetivos da sustentabilidade.
Relembrando o conceito de PI, acima citado: “PI é um termo síntese para as atividades dos governos que tencionam desenvolver ou restringir várias indústrias em uma economia nacional, à fim de manter a competitividade global.” Mas, o quê surge agora como possibilidade mais direta é a Política de Inovação nessa funcionalidade de coordenação.
No Brasil de hoje (início do século XXI) parece distante a possibilidade de apoio político para o planejamento de longo prazo e, pior ainda, para as políticas de Governo com os fundamentos aqui alinhavados. Por isso, é tão necessário o debate sobre esse tema. É preciso convencer eleitores e candidatos nesse ano eleitoral. Que venham muitas outras contribuições.
* Professor, Doutor em Ciências Econômicas.
(1) JOHNSON, Chalmers, The Industrial Policy Debate, ICS Press, 1984. Portanto, um pensamento que já vem de longe.
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