Aylê-Salassié F. Quintão*
As reformas política e trabalhista ficaram pela metade e a da Previdência não chegou sequer a ser votada. Nesse vácuo surgiu, requentado, um pacote de projetos de lei em tramitação há anos no Congresso e a ideia da intervenção das Forças Armadas no Rio de Janeiro. Para variar o ministro da Fazenda ainda acrescentou a possibilidade de um aumento de impostos.
Tudo isso visaria contornar o suposto fracasso do Governo, em fazer aprovar a reforma da Previdência no Parlamento. Casuisticamente falando, já que não existe um Plano Estratégico de Governo, Temer teria pulado rapidamente de um galho para o outro para se proteger das críticas, dando, de fato, uma guinada do reformismo para o populismo, sem deixar de restituir aos militares a chefia do Ministério da Defesa.
É bem provável que a verdade passe perto daí. Mas esses 15 projetos de leis que dormitavam inocentes nas gavetas dos relatores envolvem problemas que sempre emperraram a gestão da coisa pública. Estão encravados nas estruturas, e deixam os governos a mercê de interesses não confessos nas áreas pública e privada. Expõem também um Congresso desinteressado em facilitar soluções para as políticas públicas e controversas, como a desobediência ao teto dos salários de servidores do Estado, às artimanhas nas licitações e contratos com o governo, a convivência com intrigante fundo soberano do Brasil, a multiplicidade de tributos ou a subordinação do Banco Central ao Planalto .
Aparentemente, tudo se deu de maneira improvisada . É provável que o reforço à segurança no Rio de Janeiro não viesse com uma intervenção. Mas a omissão do governador e a falta de compromisso do prefeito, evidenciados no carnaval, contribuíram para acelerar uma providência mais radical, e que, aventou-se, poderia ter vindo com a suspensão dos mandados de ambos. Pezão tem um processo desses tramitando na Justiça. As rebeliões de presidiários, a morte seguida de policiais e de inocentes em plena luz do dia, banaliza gradualmente o sentido da vida, os direitos de cidadania e até a necessidade do Estado. A busca de solução para a violência desenvolvia-se silenciosamente, e teria desdobramentos em outros estados. Viria, sim, em seguida à reforma da Previdência, sobretudo em razão das eleições.
Previdência e segurança são duas heranças malditas. Brizola, quando governador do Rio, desautorizou, por duas vezes, a polícia subir os morros para prender traficantes, abrindo ainda as ruas do Rio de Janeiro para o livre trânsito da transgressão. O consumo de drogas veio no vácuo da prisão dos bicheiros, prática que alimentava esperança dos mais humildes. Como a aparência de um grande negócio e de uma aventura lúdica, o tráfico ocupou o espaço deixado pelo bicho. O uso dessas substâncias proibidas tornou-se um hábito da pequena burguesia instalada em Ipanema, Leblon e outros bairros sofisticados do Rio e de São Paulo. Cínicas, como consumidoras, as classes médias altas inflacionaram o preço das drogas e alimentaram o crescimento da marginalidade inspirada nelas. O desemprego ajudou a ampliar o seu espaço de influencia. Generalizando-se como negócio e contravenção, fez com que a violência entre traficantes em disputa por territórios, transpusesse o “Rubicão” em direção ao cidadão comum. Contribuiu para isso, a omissão dos governos populistas e as sucessivas interpretações jurídicas quase permissivas, libertando traficantes, dando a legitimidade que faltava ao mundo do tráfico.
A prioridade para a intervenção militar na guerra contra traficantes no Rio de Janeiro e a criação do Ministério da Segurança, como reconhecimento do caráter nacional do problema, revelam, por outro lado, o fracasso das ações sociais, conduzidas também por ministérios. Para agravar, Henrique Meirelles, da Fazenda, insiste em não acreditar que o tema segurança vá sepultar a proposta de reforma da Previdência. “É prioridade”. Para ele, sem as mudanças na Previdência, o país vai enfrentar “aumentos brutais” nos impostos. “O buraco aumenta a cada ano. Segundo ele, daqui 10 anos, a despesa com as previdências deve chegar a 80% do orçamento da União”. Sem ela para 2019, já se projeta um déficit de R$ 29 bilhões para os gastos públicos.
Entende Meirelles que não se trata, portanto, de questionar se a reforma será realizada, e sim de definir quando ela deve acontecer. Aqueles que resistem em votar a previdência argumentam que ela não seria necessária se o governo recuperasse os mais de R$ 500 bilhões de reais sonegados em impostos anualmente, cobrasse e suspendessem as isenções, que beiram R$ 1 trilhão, franqueados às petroleiras estrangeiras para os próximos 20 anos. Lembram ainda a tolerância de uma dívida de R$ 900 bilhões dos proprietários rurais com o Estado? Cobram também o fim das regalias de ministros, juízes, deputados, vereadores e funcionários públicos, e limites claros para ação de advogados bem como a contratação de comissionados sem a devida capacitação. Exige-se, finalmente, transparência do Judiciário.
Mas, novos impostos não. Assusta as empresas, irrita a população e sepulta, de fato, a candidatura de Meirelles. Pode servir de bandeira para aprofundar as críticas ao governo Temer durante a campanha eleitoral. A questão teve, e terá sempre, uma unânime reação agressiva. Um comentarista no Yahoo, de nome Carlos, respondeu, às advertências do ministro com um perigoso apelo público: ”Vamos sonegar pessoal!” É recomendável torcer e até mesmo rezar para que seja apenas mais um boquirroto no pedaço.
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