Por Eduardo Selga*
Como a vida política no Brasil foi globalizada, ou seja, virou melodrama da Rede Globo com cenas dos próximos capítulos e redução da complexidade humana a estereótipos de vilania e heroísmo, agora volta ao picadeiro do Circo Brasil a FIESP, a atiradora de facas. Agora não com seus patinhos amarelos, e sim com sapinhos verdes. Em comum entre as duas alegorias, um detalhe: o “x” nos olhos, que pode sugerir uma cruz suástica incompleta porque sem os braços, e estilizada porque noutra posição. Ou, ainda, e até ironicamente, a representação de algo morto. Quem morreu? Várias abstrações muito concretas porque fundamentais vieram a óbito, como Estado democrático de direito e nação soberana.
É mais um exemplo do quão carnavalizado está (ou sempre foi?) o exercício da política em terras brasileiras, a ponto de o grande marco de protesto neste ano ter sido iniciativa de uma escola de samba, ao invés da passeata, da greve geral ou da desobediência civil. Aliás, diga-se, a escola a que me refiro fez o que todas as outras da rede formal deveriam fazer: ensinar e tornar o aprendizado um ato de prazer.
O espetáculo da Tuiuti foi o protesto. Com alta visibilidade na telinha global, do mesmo modo que o tiveram, mas por motivos distintos, as passeatas arrumadinhas da classe média organizadas para derrubar a Dilma, as coreografias, o pato amarelo e, agora, um batráquio esverdeado (verde-oliva?), símbolo de uma campanha lançada em 13/03, em sua aparência contra os juros altos cobrados pelos bancos das empresas e cidadãos sem CNPJ.
Ou seja, mais uma vez a FIESP planeja nos fazer de patos. Pretende que acreditemos em sua preocupação com o sujeito comum. Diz o slogan: “chega de engolir sapos”. Realmente. Chega de engolir não o que a FIESP chama de sapos, e sim os sapos de uma sociedade atirada ao brejo pelos patinhos amarelos, dentre outros deletérios agentes.
O Globo publicou uma imagem muito sintomática da carnavalização do tal protesto e da política: os manifestantes da FIESP uniformizados de verde e carregando amarrado à cintura o mais novo “mascote”. Individualmente, o anfíbio anuro é um adereço; em conjunto, é uma alegoria. Quando escrevo este artigo, não sei dizer se eles saíram em desfile pela Avenida Paulista (acho que não, falta-lhes um bom samba-enredo), mas se o fizeram terá sido um prato cheio apara os analistas de carnaval da TV Globo comentarem o “bom gosto” e o “capricho” da alegoria. Quase vejo a Fátima Bernardes se dizendo emocionada com o desfile.
O processo de carnavalização engendra uma explosão semiótica, uma multiplicidade entrelaçada de significados, inclusive antagônicos entre si, na medida em que rompem com a linearidade e com o didatismo racional com os quais os eventos nos são explicados pelos jornalões, revistinhas, na escola e no cotidiano.
Ora, somos um país em que a congênita falta de um projeto de nação a longo prazo sempre nos legou uma escolarização de baixa qualidade. Portanto, nos falta o hábito do raciocínio metódico, desapaixonado, que deveria ser apreendido pelo exercício de pesar e comparar ideias, na sala de aula e fora delas. Daí a carnavalização encontrar no Brasil tanto argumento para desenvolver seus enredos. A ponto de termos na presidência um personagem de carro alegórico, conforme tão bem demonstrou a paródia da Tuiuti.
Eis a questão: estamos vivendo em um país parodístico.
O recurso da paródia estabelece no texto uma interpretação em mão dupla, que simultaneamente reafirma e nega o que é parodiado. Diz algo para imediatamente desdizê-lo e dizer outra coisa, oposta. Ou nem tanto. O presidente do Brasil, por exemplo, o é formalmente, mas não de fato. É a triste paródia de um governante, com a tristeza de um palhaço sem graça no picadeiro.
O patinho da FIESP, lembrando muito um inofensivo brinquedo de criança, parodiava a própria mentalidade média dos manifestoches (ops! Quis dizer manifestantes), embora, claro, a intenção tenha sido dizer que a classe média não queria “pagar o pato” dos impostos altos.
Agora, como o grotesco parece desconhecer limites no Circo Brasil contemporâneo, o sapinho esverdeado e cheio de bossa será um modo de reavivar no imaginário coletivo a aversão ao “sapo barbudo” das eleições de 1989? Ou, ainda vasculhando o imaginário, será o inaceitável (o sapo é verde-oliva?), que eventualmente se transforma na desejada figura do príncipe?
Num país circense, em tempos parodísticos com grande manipulação do simbólico e do imaginário popular, o desfile de sapos verdes, verdadeira “sapaiaçada”, não é apenas o que parece ser à primeira vista. Que o digam os patos amarelos.
*Professor e Escritor.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!