Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Recentemente o Brasil votou contra uma resolução da ONU que critica medidas de austeridade e que aponta como determinadas reformas econômicas podem conduzir ao desmantelamento de serviços sociais e direitos básicos da população. Mesmo sem o voto do Brasil, a resolução foi aprovada no Conselho de Direitos Humanos por 27 votos contra 16, com quatro países se abstendo de votar.
A posição do Brasil sobre essa matéria não constitui nenhuma novidade. Desde que se rendeu ao pensamento econômico neoliberal, a partir da década de 1990, o país tem sido um aluno exemplar e aplicado na prática de implementar políticas para agradar o mercado, mesmo sacrificando a economia e a população. A única exceção, em todo este período, teria ocorrido, em parte, nos governos Lula e Dilma, mas com as condições para o crescimento econômico, indispensável para dar consistência e sustentabilidade às políticas redistributivas, sendo negligenciado, o que enfraqueceu as intenções de se beneficiar sustentadamente principalmente a população mais pobre do país.
O que chama a atenção é a explicação dada pela embaixadora na ONU, Maria Nazareth Faram Azevedo para o voto que foi dado. Sem especificar a que reformas se refere e nem aos seus resultados, a embaixadora manifestou sua oposição à ideia-chave do documento de que as políticas de austeridade são prejudiciais para as camadas mais desfavorecidas da sociedade e, em defesa do governo Temer, justificou as que foram realizadas para retirar a economia da recessão e, com isso, garantir a sustentabilidade dos programas sociais. E, para não deixar nenhuma dúvida sobre as conquistas do atual governo, afirmaria que “[...] a inflação está sob controle, o desemprego cai e a economia cresce de novo. [...] sem responsabilidade fiscal, políticas sociais não passam de promessas vazias”.
Como funcionária do governo, a embaixadora está no seu papel de defendê-lo, mas não precisa exagerar. Depois da década de 1980, considerada uma década perdida, o Brasil praticamente renunciou ao crescimento econômico, implementando várias políticas de cunho neoliberal e comprometeu-se com a geração de robustos superávits primários: cresceu magros 1,6% ao ano na década de 1990, 3,6% na década seguinte, ajudado pelo boom da economia internacional, e corre o risco de fechar a atual década com um crescimento novamente rastejante por causa das reformas ortodoxas que vêm sendo realizadas desde 2015. Apesar dessas reformas, em nenhum destes momentos, o sol do crescimento sustentado fez sua aparição de forma luminosa no país.
Para usar uma expressão que ouvi outro dia, o Brasil “micou” e, nem de longe, lembra o país que ainda há pouco tempo encantou o mundo econômico e foi colocado no rol das economias emergentes – os Brics – que caminhavam para se tornar grandes potências. Isso teria ocorrido não por falta de políticas e reformas ortodoxas, exageradamente implementadas durante todo este período, mas por falta de um projeto consistente de crescimento apoiado em reformas progressistas voltadas para essa finalidade. Reformas dessa natureza foram ignoradas por todos os governos, de centro, direita e esquerda, que governaram o país no período pós-redemocratização. E continuam sendo ignoradas solenemente pelo atual governo, que segue o mesmo script de agradar o mercado, acreditando que o ajuste fiscal será suficiente para trazer de volta os investimentos, o crescimento e a melhoria das condições sociais, como também parece acreditar a embaixadora.
A embaixadora erra, em sua justificativa, em pelo menos dois pontos: o primeiro, ao apontar conquistas do governo Temer no campo macroeconômico decorrentes das reformas que realizou. Não foi por causa da aprovação do corte de gastos primários determinado pela Emenda Constitucional n. 95/2016 e nem pela reforma trabalhista, que o PIB avançou magros 1% em 2017, a inflação caiu para menos de 3% e o desemprego diminuiu. Um cenário de recessão, que esbarrou em um patamar mínimo, combinado com medidas de interrupção da correção dos preços e tarifas de serviços monitorados e com outras que deram alento à demanda agregada, mas que não mais se repetirão, caso da liberação de recursos do FGTS e do PIS, explicam estes resultados. O pequeno aumento do emprego, por outro lado, tem ocorrido como consequência deste reensaio de recuperação, mas apenas no mercado informal, em condições precárias, com baixos rendimentos e sem garantias trabalhistas. As reformas realizadas por Temer, ao contrário, operam como forças anticrescimento, antiequidade e antissocial, ao enfraquecer a rede de proteção social, com o corte dos gastos primários e minar bases da demanda efetiva e dos investimentos públicos.
O segundo, ao confundir reformas ortodoxas com reformas progressistas. Enquanto as primeiras se preocupam apenas em limpar o caminho para o capital e as camadas mais ricas se apropriarem de maiores nacos do orçamento do Estado, sacrificando a economia e a população mais pobre, as reformas progressistas, que mesmo a esquerda tem se esquivado de enfrentar, objetivam orientá-lo para a promoção do bem-estar coletivo. São essas as reformas que de fato interessam se se pretende modificar a imagem de que o país “micou” e de ser possível, além de retomada do crescimento mais sustentado, torná-lo mais justo e democrático. Mas essas passam ao largo do discurso da embaixadora. Lamentável.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, e autor, dentre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”
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