Por Ricardo Coelho dos Santos
Parece impossível dissociar o cinema da música. Mesmo na época dos filmes mudos, as salas de projeção contratavam um pianista que dava tudo de si para tocar no mesmo ritmo da trama passada.
Música de fundo não é um atributo exclusivo do cinema. O teatro já usava isso, a ponto de alguns autores colocar o que se chama de leitmotiv em cenas específicas de suas peças, alguns até escolhendo que música deve ser tocada.
A associação entre cinema e música é algo poderoso! Quem não associa o tema de Indiana Jones ou de Darth Vader aos personagens? Quem não cantarolava o tema de “O Poderoso Chefão” quando esse filme surgiu, explodindo de sucesso? Quem, da velha guarda, não se lembra do tema de “Love Story”, mesmo não se recordando da sua trama?
Nem todos grandes filmes tiveram músicas inesquecíveis. Mas o importante é que a associação dessa, incidental ou não, com o momento da trama ou com o personagem ressalta a mensagem apresentada, fixa a história nas mentes dos espectadores e aumenta a atratividade da película, sendo até objeto de promoção e divulgação da obra. Dessa maneira, a música e a trama estão tão bem casados que a ausência de uma melodia incidental pode ser usada também, principalmente em passagens tensas de suspense. Quem não se recorda da apavorante cena do filme “Alien, o Oitavo Passageiro”, quando Brett, interpretado por Harry Dean Stanton, num momento de dar nos nervos, procura seu gato sob silêncio total, cortado somente pelo seu sussurro chamando o animal.
Bons filmes exigem boas músicas! E é assim que grandes compositores se especializaram em filmes, como John Williams, Hans Zimmer, Max Steiner e Howard Shore.
Mas o nosso assunto é outro: se bons filmes são acompanhados de boas músicas, o inverso não é verdadeiro: muitas vezes, melodias e canções magníficas foram temas de filmes horríveis! Há até quem não associe uma coisa à outra, pois o filme foi colocado no abismo do esquecimento enquanto a música muitas vezes é interpretada por artistas novos ou reprisada em rádios ou regravadas.
Vamos, portanto. A alguns exemplos.
“Suplício de uma Saudade” — o título brasileiro é bem apropriado, com a palavra “suplício”. O filme de 1955, dirigido por Henry King e interpretado pelos excelentes William Holden e Jennifer Jones, venceu o Oscar de Melhor Figurino, de Canção Original e de Trilha Sonora. Prêmios merecidos, mas o roteiro é de uma pieguice de enjoar! Na época, fez até algum sucesso, mas não chegou aos pés da música, com o mesmo nome original da fita: “Love is a Many Splendored Thing”, de Alfred Newman. É uma canção belíssima e melodiosa que encanta quem a ouve, seja na voz de Frank Sinatra, seja na de Nat King Cole, seja no vocal ou seja apenas no instrumental. Até o organista brasileiro Waldir Calmon fez sua versão no órgão eletrônico tocado na Boate Arpège. É das músicas em que se cala para escutar. Já o filme, mesmo tendo mais tarde gerado uma novela norte-americana, dispenso, por mais que eu seja fã do ator de “A Ponte do Rio Kwai”.
“O Candelabro Italiano” — no original, “Rome Adventure”. Dirigido por Delmer Daves em 1962, fez enorme sucesso na época. Caro leitor: se eu disser que assisti essa película, eu minto. Eu vi somente cinco minutos dela e não suportei. Queria saber qual a mentalidade de algumas conhecidas que adoraram o filme! Ou será que eu sou tão preconceituoso para determinados temas ou tipos de apresentações? Olha que eu consegui assistir as três horas e meia de Anna Karenina, russo, dirigido por Aleksandr Zarkhi com Tatiana Samoilova e Vasili Lanovoy, e gostei! No cinema, só quatro heróis (eu era um deles) que contemplaram atentamente a paciente velocidade de um filme da extinta União Soviética, que faz um discurso dos nossos ministros do STJ parecer andar a galope! E não suportei “O Candelabro Italiano” por mais de cinco minutos! Entretanto, essa película traz uma das mais belas canções conhecidas, “Al di là”, que atingiu um enorme sucesso mundial. Não era originária do filme, tendo sido apresentada um ano antes no Festival Eurovisão da Canção. Nesse filme, com o galã Troy Donahue e os maravilhosos Rossano Brazzi, Angie Dickinson e Suzanne Pleshette, a canção de Carlo Donida e Mogol foi internacionalmente divulgada. Ela já encontrou grandes vozes; Connie Francis talvez tenha sido a mais famosa entre as não italianas, mas é difícil superar o cantor Emilio Pericoli, que a interpreta no filme.
“Exodus” — seu diretor, Otto Preminger, é um dos mais burocráticos do cinema. Conseguiu transformar o excelente livro de Leon Uris num filme arrastado e monótono, que nem seu elenco maravilhoso conseguiu salvar. Eis que vemos aqui Paul Newman, Eva Marie Saint, Ralph Richardson, Peter Lawford, Lee J. Cobb, Sal Mineo e John Derek desperdiçando seus talentos numa película que seria esquecível, se não fosse a maravilhosa trilha sonora de Ernest Gold que lhe deu o Oscar, o Globo de Ouro e o Grammy de 1961, ano seguinte do lançamento. Aqui, eu justifico minha crítica. Se você ler o livro, contemplará passagens cinematográficas, algumas cômicas, como os integrantes de uma tribo atrasada, que num resgate aéreo, acenderam uma fogueira dentro do avião para se aquecerem. Ou, então, o resgate sensacional das crianças de um orfanato pelo exército israelense. Nada disso apareceu no filme, perdas de grandes oportunidades, mostrando uma das raras ocasiões que o livro é mais tenso que o filme. O que Otto Preminger fez foi somente uma propaganda do novo Estado de Israel. Propaganda monótona, diga-se de passagem!
“Flash Gordon” — é ruim com força. Mas eu, quando sinto a necessidade de desligar meu cérebro, o assisto. O filme de 1980 de Mike Hodges foi lançado primeiramente na Turquia e é sobre um dos personagens de histórias em quadrinhos mais icônicos de todos os tempos, desenhado e roteirizado por Alex Raymond. A importância de Flash Gordon é imensa. Suas histórias inspiraram ou anteviram invenções e descobertas importantes, como o foguete e o traje espaciais, o raio laser, o radar e o interferon. Suas revistas, ao serem lançadas no Brasil, eram grossas, o que fez alguns jornaleiros as apelidarem de “frango gordo”. Quando o produtor Dino de Laurentiis anunciou sua filmagem, havia dito que faria calar o sucesso de “Guerra nas Estrelas”. Logicamente, não conseguiu, e o ridículo figurino de Danilo Donati contribuiu muito para isso! Claro, o filme sendo ruim, não quer dizer que se deixa de gostar dele. Há cenas impressionantes, como o ataque dos homens alados, filmado num hangar da Goodyear, em que os atores ficaram pendurados a cinquenta metros de altura! Mas o filme continua sendo ruim, com dois atores horríveis, que formam o casal Flash e Dale: Sam J. Jones e Melody Anderson, com ainda um caricato e esquecível Brian Blessed, no papel do alado Príncipe Vultan. Entretanto, há muitos atores que se salvam como Max von Sydow, na pele do Imperador Ming, Topol no papel de Hans Zarkov, Ornella Muti, representando a Princesa Aura e o fantástico Timothy Dalton, como o galante Príncipe Barin. Ainda, podemos ver Richard O’Brian, o genial autor de “The Rocky Horror Show”, num papel pequeno, e Robbie Coltrane, o Hagrid de Harry Potter, numa ponta. A canção-tema, Flash, nas vozes do Queen é… bem, mais um sucesso do Queen!
Percebam que, a exemplo do fato de eu gostar de Flash Gordon, o leitor há de gostar dos demais filmes. Garanto que suas músicas são boas, mas os filmes, agradem ou não, são esquecíveis!