O governo central conseguiu mais do que cumprir a Emenda do teto em 2017, ao fazer com que a despesa primária (que exclui as despesas com juros) caísse 1% em termos reais. O resultado aparentemente favorável, não obstante, está longe de ter as consequências que sustentaram a aprovação da emenda. Observar como isso ocorreu mostra sem rodeios exatamente qual é, de fato, a lógica que orienta os gastos públicos neste país.
Antes da aprovação dessa iniciativa os seus defensores evidenciavam que ter um teto, uma restrição orçamentária, faria com que o supérfluo fosse cortado, levando ao estabelecimento de prioridades pelo governo federal, com beneficio para a maioria. O aprofundamento da iniciativa ao longo dos seus 20 anos de vigência também permitiria um enquadramento das contas públicas, tornando, a médio prazo, a dívida pública sustentável. A base de congelamento de gastos primários seria as contas de 2016 sendo que em 2017 Educação e Saúde seriam preservados.
Agora vamos aos fatos e aos números. O estoque da dívida líquida do Governo Federal subiu de 35,9% do PIB (R$ 2,25 trilhões) para 41,4% do PIB (R$ 2,71 trilhões), de fins de 2016 até fins de 2017. A dívida bruta do Governo Federal, agregando-se o Banco Central, mostrou também um significativo crescimento: 65,9% do PIB, em dezembro 2016, 69,5% do PIB, em dezembro de 2017, e 71,1% do PIB, em março 2018.
Pode-se ponderar que ninguém espera uma estabilização da dívida do dia para a noite. Não obstante, se ela é de fato viável, o processo precisa ter correspondência com as projeções construídas pelo governo. Nada disso parece ocorrer. Na apresentação da proposta da LDO 2018, o governo indicava suas expectativas em projeções que colocavam o ano de 2020 como sendo o momento em que a dívida bruta e líquida começariam a declinar, a partir da geração de um pequeno superávit primário. Essa expectativa parece ter se revertido tendo em vista que a proposta de LDO para 2019, apresentada em abril último, projeta um déficit primário tanto para 2020 quanto para 2021. Ou seja, o horizonte para que aquelas promessas se cumpram se alargou para um momento indefinido, conhecido apenas pelos oráculos da Secretaria do Tesouro.
O leitor pode indagar que os processos de ajuste fiscal são complicados e que o governo Temer não aprovou a reforma da previdência e por isso não alcançou o prometido. Mas a reforma da previdência não traria grandes impactos fiscais no curto prazo e sim num horizonte maior. Daí é importante observar o que houve com os gastos do governo federal em 2017.
Iniciemos pela maior de todas: as despesas com juros do governo central. Ao invés de cair elevou-se dos já estratosféricos R$ 318 bilhões, em 2016, para R$ 340,9 bilhões, em 2017. Consumimos com essa despesa cerca de 5% da riqueza anual gerada no país, medida pelo PIB. Inflexível a baixas significativas, mesmo em contextos de política fiscal mais enquadrada às exigências do mercado financeiro (que não é o caso na atualidade), essa despesa tende a se tornar explosiva em contextos de muita incerteza. Como o governo federal mais é controlado do que controla essa despesa ele tende a orientar seus cortes para o que interessa a maioria: as despesas primárias.
A mão do governo pesou forte no corte dos investimentos públicos em 2017, contribuindo para dificultar uma retomada mais relevante do crescimento da economia. Dentre outras, as despesas com o “Minha Casa Minha Vida” tiveram cortes de quase 55%; o PAC continuou sendo desidratado em cerca de 30% dos recursos, sempre na comparação com 2016.
Por outro lado, o combatido gasto com pessoal, envolvendo recursos da ordem de R$ 284 bilhões, em 2017, cresceu 10,1% em termos nominais frente 2016, 7,2p.p. acima da inflação medida pelo IPCA para aquele ano. Além do Judiciário e do Legislativo algumas categorias no Executivo foram privilegiadas pelo governo Temer com decisões de aumentos entre 2016 e 2017. Dentre elas estão médicos peritos do INSS, policiais federais e rodoviários federais, auditores fiscais da Receita Federal e servidores que integram as carreiras da Diplomacia.
Por onde quer que se olhe não se vislumbra a olho nu qualquer processo de uso mais racional de recursos públicos ou de prioridades definidas por critérios mais atinentes ao interesse da maioria. O que ocorre é um salve-se quem puder com aqueles de maior poder de pressão garantindo o seu quinhão, frente a um governo politicamente fraco.
Foi forçando o aumento da carga tributária e parcelando dívidas tributárias que a equipe econômica de Temer garantiu que a situação não ficasse tão dramática. Em julho de 2017 o governo ampliou as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de gasolina, óleo diesel, GLP, querosene de aviação e álcool. Isso contribuiu para a elevação de 4,6% da receita de contribuições sociais.
Pode-se concluir que, de fato, a emenda do teto foi uma camisa de força precipitada e excessiva auto-imposta pelo governo Temer. Ela visava criar uma necessidade imperiosa para que toda a prioridade do gasto público fosse revista. Tal revisão exigiria uma reforma radical na previdência social, a saída drástica do setor público de muitas frentes de atuação, notadamente do setor produtivo e da infraestrutura mas também da Educação, Saúde e Assistência Social. O capital político de Temer lhe permitiu aprovar uma emenda como essa, feita a toque de caixa, sem incorporar que sejam as válvulas de escape e prazos menores, típicos de regras semelhantes em âmbito mundial. Não lhe brindou, todavia, com a joia da coroa, a reforma da previdência.
Submetido às pressões políticas de segmentos econômicos de peso bem como de parcela privilegiada do funcionalismo federal, restou-lhe apenas um ajuste fiscal seletivo. Efetua cortes exagerados nos investimentos públicos e impõe pesadas restrições de gastos apenas às áreas de menor peso político. O pior é exatamente nessas áreas que se encontram os gastos que interessam a maioria.
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