Por Vandeler Ferreira*
A lei 8.666/93, que regula as licitações, deve ser revista e ajustada aos novos tempos, sem que perca a sua essência, que é contratar o melhor para atender ao serviço público, dentro do menor custo possível.
Os serviços denominados públicos, mesmo que seja evidente, devem atender à sociedade, que efetivamente é quem contribui para que existam recursos necessários à movimentação da máquina pública.
Nos diversos níveis federativos, a partir da lei de licitações, conjugada as leis de terceirização e das legislações de controle das atividades, inicialmente de âmbito exclusivo da esfera pública, os serviços foram gradativamente transferidos a terceiros privados, sejam empresas com interesses essencialmente lucrativos, organizações sociais ou entidades de gerenciamento de mão de obra.
Nesse cenário, na medida que são terceirizadas as atividades, em regra pelo crivo da lei de licitações, se persegue um serviço de melhor técnica e de melhor preço.
E nesse momento já existe um risco de engano abissal, quando se estabelece o que é menor preço conjugado a qualidade que deve ser oferecida na prestação dos serviços pela empresa privada que assumirá as atividades, anteriormente mantidas pelo setor público diretamente, com seus próprios quadros de profissionais específicos.
Ocorre que, ao invés de criar mecanismos de controle social das atividades e serviços públicos, se faz discursos de desqualificação do servidor público e se vende a ideia de que tudo que é público é ruim, e somente o caminho da privatização é que pode trazer solução para melhoria dos serviços a serem prestados.
Nesse sentido, se os cargos das agências reguladoras fossem exclusivamente técnicos e tivessem como meta única atender a população, o efetivo consumidor dos serviços públicos, talvez as decisões fossem mais consentâneas com a melhor qualidade e eficiência em todos os setores, sejam prestados por empresas públicas ou terceirizadas.
Noutro aspecto, o controle dos gastos das despesas dos municípios, estados, distrito federal e união, que devem ser controlados pelos órgãos de fiscalização, que são os tribunais de contas municipais, estaduais, distrital e da união, também tem na sua direção não técnicos, não concursados, alçados ao poder de fiscalizar através de indicações políticas, que por sua vez podem contaminar e dificultar a isenção na análise das contas públicas.
Entretanto, o fator mais preponderante, que até se assemelha a um projeto de destruição do sistema previdenciário dos servidores públicos em todas as esferas de governo, se viabiliza de forma brutal e indecente, que somente trazendo alguns exemplos práticos, torna claro para o mais leigo, do quanto de pernicioso se construiu para existência de uma rede de destruição do sistema previdenciário dos servidores públicos (Regime Próprio de Previdência Social - RPPS).
No estado do Rio de Janeiro, onde hoje se declama a falência do sistema previdenciário dos servidores públicos, existem vários exemplos desse processo de destruição.
Exemplo: Foram autorizadas as terceirizações para serviços de saúde, e assim foram criadas as Organizações Sociais, para terceirizar serviços de atendimento médico, que anteriormente era prestado pelo servidor público concursado, que pagava, e ainda paga mensalmente, a contribuição previdenciária para o antigo IPERJ - Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro, atualmente denominado RioPrevidência.
Ocorre que, com a contratação das Organizações Sociais ou empresas terceirizadas, e com a gradativa aposentadoria dos quadros dos profissionais de saúde concursados, gradualmente o número de servidores ativos contribuintes se foi reduzindo.
Em paralelo, foram mantidos os vencimentos dos servidores em patamares irrisórios, o que também resulta em contribuições menores, em comparação com vencimentos do mercado.
Vencimentos baixos, logicamente, que o percentual incidente de contribuição, qualquer que seja, será um tanto menor proporcionalmente, se comparados com a iniciativa privada.
Noutra ponta, o denominado custo menor da iniciativa privada para vencer a licitação, não é mesmo custo baixo do serviço público.
Isto é, enquanto o vencimento máximo do médico no serviço público estadual no Rio de Janeiro é de aproximadamente R$2.700,00 (dois mil e setecentos reais), o salário pago aos médicos do serviço terceirizado é mais que o dobro.
Assim, já se tem ideia que o custo menor da contratação e do dinheiro público que o estado necessita destinar as empresas terceirizadas é, no mínimo, o dobro do valor que pagaria ao profissional concursado.
Como se não bastasse, esse profissional terceirizado ainda possui encargos trabalhistas mensais, inclusive a contribuição para o INSS, quase dobrando novamente o custo geral da contratação, e naturalmente, o quanto o Estado deverá repassar a empresa terceirizada.
E não é somente isso. A empresa terceirizada necessita cobrar uma sobretaxa para sua própria operação, administração e sobrevivência, o que encarece mais ainda o custo total desse tipo de caminho. Preço total bancado pelo Estado em somas estratosféricas.
E a cereja do bolo é justamente a progressiva deterioração do sistema previdenciário dos servidores públicos. Exatamente porque, nesse contexto, o Estado além de bancar altos valores para viabilizar o sistema de saúde terceirizado, também não recebe nos cofres públicos, os valores de contribuição porque se reduz o quadro, sem renovação com concursos públicos para reposição da quantidade de contribuintes.
Ora, sem reposição do quadro de servidores públicos também decai o número de contribuintes para a previdência, enquanto o Estado gasta mais nas contratações terceirizadas.
Reação em cadeia que ocorre ao longo dos anos, seja pela terceirização dos serviços, quanto pelo descuidado de reformatação e restruturação do equilíbrio atuarial.
Aqui, trazemos à tona, grande parte do problema, que tem solução, se houver vontade política. É um processo lento e gradual, que corrói as finanças previdenciárias dos entes federativos, que agora são taxados e inoperantes e ingovernáveis, notadamente quanto a calamitosa situação de caixa, sendo alegado, pelos arautos do infortúnio, de que não haveria solução.
Solução há. Basta encerrar as terceirizações absurdamente custosas, que sangram os cofres públicos, e que se faça concursos públicos com salários dignos aos profissionais, que já no primeiro momento começariam a contribuir para os sistemas previdenciários.
A população, os sindicatos, os eleitores, os órgãos de controle financeiro e orçamentário das diversas esferas, e o próprio MP, necessitam estar atentos para cobrar dos governantes e legisladores mudanças que tragam a redução de gastos e a estabilidade do sistema.
*Advogado e Prof. de Direito e Legislação do Estado do Rio de Janeiro
; Especialista em Processo Civil e Direito Civil
; Ex- Juiz Leigo do Tribunal de Justiça do RJ
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