Gustavo M. de C. Mello*
A cada pesquisa de intenção de voto, a cada fato (ou factóide) relativo ao processo eleitoral, vemos o câmbio brasileiro flutuar de modo mais ou menos violento. E logo o noticiário econômico abunda de "especialistas" buscando atribuir esse movimento às preferências e aos temores do "mercado" em relação ao pleito de outubro. Se essa conjuntura imediata sem dúvida abre brechas para movimentos especulativos, que repercutem sobre as taxas de câmbio, não se pode ignorar que existem outros fatores que devem ser aqui considerados, e esta nota limitar-se-á a chamar a atenção para alguns deles, colocando as vicissitudes do Real numa perspectiva mais ampla.
De saída, convém destacar que a desvalorização do Real ante o dólar, no ano de 2018, que já acumula mais de 20% e que tende a se intensificar até o final do ano, não é uma "jabuticaba", para usar um jargão da moda. Ao contrário, o peso argentino já se desvalorizou em mais de 50% no mesmo período, e a lira turca não fica atrás, tendo perdido mais de 20% de seu valor ante o dólar apenas no mês de agosto. A essa lista seria possível acrescentar a moeda de outros países, como a África do Sul, a Ucrânia, que se mostram também bastante vulneráveis.
À guisa de exemplo, ainda sobre o caso argentino, com o fito de conter o colapso cambial, acompanhado pela derrocada dos títulos estatais, a taxa básica de juros doméstica, que em abril fora elevada a 27%, e que saltou para 40% em maio, quando o governo Macri recorreu a empréstimos do FMI, hoje já atinge os 60%. Por outro lado, a meta da inflação para 2019, determinada pelo Banco Central Argentino, é de 19%, mas a inflação acumulada no ano de 2018 deve superar os 40% (só em agosto ela foi de 3,9%, com um viés de aceleração). Diga-se de passagem, tudo isso sob uma gestão que foi aclamada por liberais de diversas estirpes, e que implementou uma ferrenha política de austeridade fiscal e um conjunto de medidas pró-mercado que, segundo alardeado, atrairia capitais e permitiria reconduzir a Argentina pelas sendas da prosperidade.
Cada um dos países mencionados possui suas singularidades e uma forma de inserção específica no mercado mundial, porém existem alguns pontos em comum dignos de menção: possuem um balanço de pagamentos deficitário, uma forte dependência da atração de capital de curto prazo, e uma inflação relativamente alta. São, portanto, particularmente vulneráveis a fugas de capital e a ataques especulativos, em particular no contexto global de reversão das políticas monetárias expansionistas e de elevação das taxas reais de juros nos países capitalistas centrais. Como agravante, tem-se ainda os abalos oriundos da guerra comercial deflagrada pelo governo Trump e da elevação dos custos do petróleo e seus derivados.
Ora, fuga de capitais, ataques cambiais especulativos, espiral de endividamento, políticas de austeridade, apelos ao FMI... aqueles que viveram a década de 1990 não deixam de ter uma sensação de déjà vu. Não poderia ser diferente, já que tais fenômenos encontram-se inscritos em tendências elementares da economia mundial contemporânea, que na última década foi particularmente marcada pela concatenação de taxas relativamente baixas de crescimento e o acúmulo de recordes de endividamento estatal e sobretudo privado. Diante dessa combinação explosiva, as perspectivas econômicas não são nada alvissareiras, em particular para um país como o Brasil, com uma economia expressiva, mas tão pouco dinâmica e plena de entraves estruturais, e com uma tão precária inserção mundial. Nesse contexto, não seria temerário prever para um futuro próximo a manutenção de um desempenho econômico pífio, e o agravamento dos problemas e dos antagonismos sociais, adubando esse solo já tão fértil para a produção de explicações simplistas e de saídas messiânicas, plenas de obscurantismo, de autoritarismo e de intolerância, e fadadas ao mais perverso fracasso.
*Economista, Professor e pesquisador do Grupo de Conjuntura/Economia/UFES.
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