Por Helder Gomes*
As máquinas televisivas das fábricas de idiotas procuram mostrar que a grave crise Argentina é uma anomalia do sistema provocado pela má gestão populista dos governos anteriores. Até ai, nada de novo, pois esse tem sido o papel primordial da mídia proprietária teleguiada a partir das chamadas grandes agências de notícias sediadas nos EUA: mostrar a aparência nebulosa dos fenômenos históricos recentes e legitimar as políticas traçadas desde Washington, em seu desespero ante a crise sistêmica mundial. O nosso desafio tem sido, portanto, driblar a falsificação planejada da realidade e buscar entender o que de fato está acontecendo no país vizinho, tentando, ainda, responder se há muitas diferenças e/ou semelhanças com o que se passa, também, no Brasil.
Para além da propaganda organizada, em nível internacional, o que se observa na Argentina difere pouco do que se desenvolve no Brasil. Nas últimas décadas, a Argentina foi incorporada às orientações do Consenso de Washington, dolarizando sua economia, privatizando empresas e serviços públicos, desregulando os fluxos e influxos de capital estrangeiro e desnacionalizando seu parque produtivo. Em particular, isso significou, inclusive, a transferência dos centros de decisão das principais empresas para fora do país. Um saldo negativo expressivo das políticas de estabilização monetária, cujo principal indicador tem sido a perda de sua soberania sobre as decisões fundamentais sobre as políticas internas de desenvolvimento, o que implica, na prática, a abdicação de decidir acerca de seu futuro.
A versão portenha do modelo responde pelo nome de governo Macri. No afã de garantir uma agenda política favorável à manutenção da capacidade nacional de transferir riquezas, na forma de juros e encargos da dívida, lucros, dividendos etc., para os novos donos estrangeiros da Argentina, o governo acabou de assinar um acordo com o FMI, buscando uma linha de crédito, cujas parcelas somadas podem ultrapassar a US$ 50 bilhões, até o final do mandato. Em contrapartida, elevou a taxa de câmbio para mais de 40 pesos para cada dólar, facilitando a lógica do exportar ou morrer, lançada aqui após o Plano Real (lembram?), o que se refle imediatamente na elevação dos preços internos, cujos índices de inflação são projetados fechar este ano acima de 45%. O remédio do FMI vem a galope: austeridade fiscal mais rígida e mais impiedosa, pero, seletiva, óbvio. Afinal, o ajuste fiscal não pode afetar as condições para a administração dos acordos empresariais, particularmente no que se refere à garantia de grandes lucros especulativos via gestão compartilhada das operações de compra e venda de dólares e da emissão de títulos da dívida pública galopante.
A grande diferença em relação ao Brasil parece estar na refração das classes populares diretamente atingidas pelo plano de Macri de entreguismo do que resta. Parece que, por lá, o neopeleguismo sindical e dos movimentos populares não conseguiu o sucesso que tem aqui no Brasil, e los hermanos e hermanas conseguiram organizar uma greve geral há poucas semanas, programada inicialmente para 36 horas, de tão grande êxito, que os aviões que teriam como destino a Argentina não decolaram naqueles dias. As repercussões dessa greve, certamente, terão muito mais impactos políticos do que notícias na mídia proprietária, que continua escondendo de vocês o que não a interessa. ¡A la lucha! Siempre!
*Helder Gomes é economista e doutor em Política Social
** Publicado também em Boletim do Grupo de Estudos e Pesquisas em Conjuntura/Economia/UFES.
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