Por Guilherme Lacerda*
As previsões mais recentes para a economia brasileira em 2019, já após o resultado da eleição presidencial, mostram os seguintes indicadores:
- Crescimento do PIB/2019
Pesquisa Focus de 05.11.2018 aponta para 2,5%. O Banco Central na semana passada fez sua 1ª previsão apontando para 2,4%
Nos comentários de analistas prestigiados pela mídia há registros de um desempenho menor, algo em torno de 2,0% a 2,2% e outros para cima, de que o crescimento pode chegar a 3,0% ou para alguns otimistas até além, dependendo da realização da reforma previdenciária e a colocação em prática das privatizações.
- Inflação 2019
Os prognósticos ficam em torno de 3,8%/4%, ou seja, muito em linha com o que se tem para este ano, quando a previsão predominante é de uma inflação entre 4,2% e 4,4%.
Taxa básica de Juros - Selic
Atualmente ela está em 6,5% e a estimativa é que em 2019 a SELIC termine em 8%. Como não há no horizonte indicações de pressões altistas de preços há que se questionar as argumentações para explicar uma elevação da SELIC em 2019.
O elemento que pode conturbar a equação vem do cenário externo, com a continuidade da elevação da taxa de juros norte-americana e a intensificação de eventos sinalizadores da reincidência de uma complicada crise financeira global.
- Câmbio
A estimativa mais recente é de terminar 2018 em um câmbio de 1 USS$ = R$3,75 e mantendo esta faixa (R$3,70 a R$3,80) em fim de 2019.
Este cenário de calmaria pode se alterar caso se amplifique os sinais de crise financeira internacional, tal como alguns analistas do exterior apontam. Neste caso, o câmbio se desloca deste patamar, com uma desvalorização abrupta, sem condições de se prever o tamanho do movimento. Este sinal de ventos fortes na economia internacional deverá restringir o desejo inicial dos novos czares da economia em se desfazer de parte das reservas internacionais do País.
COMENTÁRIOS GERAIS SOBRE O CENÁRIO ECONÔMICO EM 2019
Em 2019 o mais provável é que a economia brasileira continue a andar de lado, seguindo com restritas flutuações para cima. Uma estimativa realista é ter um resultado da ordem de 2% de crescimento do PIB.
Registre-se que no corrente ano as estimativas no início do ano apontavam para 2,5/3,0% e agora, já no final do ano as previsões confluem para algo em torno de 1,3% apenas.
Tal previsão de se fechar 2019 em 2% apoia-se na baixa probabilidade de se ter eventos que alavanquem fortemente o crescimento da economia nacional. Os estímulos existirão, mas em doses limitadas e com impactos maiores para 2020 em diante (e mesmo assim, a depender de vários condicionantes que terão de ser administrados em 2019). Nestes termos, vejamos os elementos que favorecem a expansão e os fatores que a ameaçam:
- Confiança dos investidores com a inauguração de uma gestão política liberal
Essa é, sem dúvida, a principal referência que vem à mente quando se olha para a economia nos anos seguintes. Há uma forte identidade do “mercado” (contemplando aqui tudo o que se queira incluir) para com o grupo que assume o controle da economia nacional. E há uma promessa de se fazer ações deliberadas de redução da intervenção estatal para soltar as amarras da economia. Este é o discurso.
- Os condicionantes para execução do liberalismo prometido
O projeto de executar um liberalismo ultra radical, como jamais visto por aqui, será colocado à prova; terá apoios bem definidos mas também terá que vencer muitas resistências, derivadas da institucionalidade existente, de grupos sociais atingidos e dos seus impactos na sociedade.
Na prática, o que se pode fazer já no 1º ano? Talvez, menos que se imagine em termos de um desmonte geral e acelerado como se apregoou. Em termos de privatização, o mais provável é dar continuidade ao PPI – Programa de Parcerias de Investimentos (Lei nº 13.334, de 2016). Já houve comentários neste sentido e o novo governo se beneficia de uma condição institucional já aprovada e com equipe montada.
Outra continuidade será no segmento de petróleo e gás com a realização dos leilões de áreas de exploração (especialmente pré-sal). É provável que haja uma aceleração da transferência de refinarias inconclusas, ou mesmo a alienação de empresas coligadas para a iniciativa privada.
Também é provável que haja a oferta ao mercado das relevantes participações em empresas de diversos setores mantidas hoje pelo BNDES. Há várias participações diretas e muitas através de fundos de participação. Esta orientação política de vender participações deverá, inclusive, chegar àquelas empresas em que os grandes fundos de pensão têm presença. Ou seja, haverá uma ordem de cima para vender.
Tal processo implicará na abertura de muitas oportunidades de investimentos atraentes para grupos de investidores nacionais ou do estrangeiro.
Assim, haverá uma dinamização do mercado de capitais, repercutindo nos índices bursáteis e nos volumes de emissões de papeis privados de dívida ou de participações societárias.
Este processo levará inexoravelmente a uma ampliação da perda de participação das empresas brasileiras nos diferentes setores, acentuando ainda mais o processo de desnacionalização que já vem ocorrendo.
A alienação de ativos será um fator de geração de receita adicional para o Governo e vai contribuir para reduzir o ritmo de expansão da dívida pública (ou mesmo o seu valor em termos absolutos, dependendo do que se consiga). É até possível que se reduza ou elimine o déficit primário, como anunciam, tal como já ocorreu em vários anos dos dois governos Lula e no 1º. Dilma. Mas para 2019 é muito difícil, dado o tamanho do déficit atual. O resultado das contas públicas vai depender mesmo é do ritmo de crescimento da economia e seu rebatimento nas receitas.
As prometidas alterações da política tributária encontrarão muitas resistências dos estados e municípios. Aqui, a briga política vai ser boa.
Em termos de crescimento econômico o Estado terá limitada capacidade. Este é o grande desafio a ser enfrentado. O Brasil AINDA não tem uma dinâmica econômica pouco dependente das políticas públicas, tal como é o caso em países maduros que alguns insistem em tomar como exemplo. O déficit nominal (incluindo juros) continuando alto implica em restrição de poupança nacional para investimentos. Neste ponto, é indispensável olhar os números com mais precisão para se ter mais clareza como evolui a capacidade dos governos (nos três níveis) nos anos seguintes (2020 para frente).
Já em termos de alienação de “empresas estatais de controle” (não obrigatoriamente 100%) o resultado efetivo ficará aquém do apregoado, pelo menos no 1º ano. O mais provável é ocorrer rapidamente a transferência das empresas distribuidoras de energia, nos leilões que estão meio parados por resistências políticas ou pendências judiciais e dar continuidade aos leilões de transmissão, os quais não tem resistências a vencer.
É possível que no 2º semestre seja efetivado algumas licitações de concessões já elencadas no rol de investimentos listados no PPI. Destaco aqui os setores que ganharão destaque: aeroportos nacionais/regionais e a própria INFRAERO; portos (novos ou já existentes) e as próprias empresas (docas); rodovias e ferrovias (alguns projetos parados e outros ainda nas pranchetas) e os ativos de energia acima elencados.
Mas o lançamento de um programa pesado de alienação, na linha prometida (“vender tudo” e gerar R$ 700 bi!!!) não é simples de ocorrer, ou melhor, não vai ocorrer. Em muitos casos, há necessidade de passar pelo congresso e os recuos da retórica já aconteceram. Mesmo com hegemonia política há um rito próprio que demanda tempo. Portanto, algumas alienações de empresas estatais consagradas podem até ocorrer, mas serão de 2020 em diante.
ENFIM, o início de um novo governo com o ideário apresentado e as suas ações em 2019 estimularão a economia a se mover, mas com nítidos limites. A questão que se coloca é quão forte será o impacto destas medidas. A meu ver, em termos de avanço do PIB, nem tanto. Haverá alterações nas composições societárias (de estatal para privado), mas isso, em si, não assegura a retomada imediata de investimentos, que é de fato o que empurra a economia.
- Variáveis macroeconômicas / Determinantes de expansão
No que tange aos fundamentos macroeconômicos há variáveis favoráveis e outras nem tanto, que travam o ritmo de expansão. Vejamos:
Juros - Há uma previsão de manutenção da taxa de juros básica em patamar relativamente baixo. Porém, na ponta, para os tomadores, as taxas de juros ainda são muito altas (juros reais acima de 12% a.a. ou mesmo 15% a.a. para capital de giro ou mesmo para ampliações/reestruturações produtivas!!!). E nesta seara não haverá interferência, pelo que tudo indica. Ou seja, não haverá crédito barato para atender necessidades de empresas pequenas e médias. Já as grandes corporações poderão se favorecer da dinamização do mercado de capitais. Pode ser que se amplie o número de IPO’s (aberturas de capital).
Inflação - A previsão de inflação é de estabilidade. Óbvio, pois não há no horizonte indicação de expansão da demanda, nem de custos e nem de pressão de câmbio, embora quanto a este último, o cenário externo inspire alertas. Neste particular, como a inflação está lá em baixo, ela não influencia a expansão da atividade econômica.
Demanda interna (nas contas nacionais, a rubrica “consumo das famílias”)– Continuará reprimida. A massa salarial pode até crescer, mas será a passos de cágado. Os salários estão deprimidos e há um desemprego muito elevado e os fatores autônomos de crescimento (investimentos e mercado externo têm restrições, como se registra mais adiante). Ampliar o consumo por meio do crédito não vai acontecer. O endividamento das famílias é altíssimo. A não ser que seja lançado um programa, tal como foi apregoado pelo candidato Ciro. É possível que isso ocorra, com um programa de “alongamento de dívida dos consumidores”. A ver.
Gastos do governo – A legislação restringiu os aumentos de gastos. Porém, há uma inércia de expansão de gastos correntes que é muito difícil de cortar para valer. Demissões em massa? Suspensão de ajustes salariais e de inclusão de benefícios por tempo de serviço em dezenas de carreiras dentro do Executivo? Pode ser, mas são ações com capacidades limitadas. Suspensão de ajustes para grupos corporativos fora do Executivo? Ainda mais difícil.
Reforma da Previdência – Este é o ponto central de todo o debate no inicio de governo. É bem provável que se consiga aprovar alguma coisa. Porém, haverá uma avalanche de ações judiciais questionando direitos adquiridos e o resultado é imprevisível. Se ocorrer a reforma nos moldes indicados o que vai prevalecer como vetor favorável é o seu simbolismo.
Os impacto de fato nas contas nacionais só ocorrerão no médio prazo. A não ser que se faça uma reforma violenta, de cima para baixo, desrespeitando direitos e prazos. Isso pode ocorrer? Acho que sim. Mas paga-se um preço caro. É difícil de prever os desdobramentos...
- Investimentos Públicos. Já foi comentado o que se pode ter no 1º ano em termos de avanços com a privatização; primeiro, transfere-se propriedade e só depois há realização de novos projetos pelos adquirentes. Ou seja, os impactos sobre o ritmo da economia podem ocorrer com as privatizações, mas serão limitados. Mais provável que engrenem de 2020 em diante.
Como já avaliado, os limites são ainda maiores para elevar os investimentos governamentais. O governo federal tem as travas bem conhecidas e por parte dos Estados e Municípios as realidades são feias, com raras exceções.
Alguns Estados e grandes municípios também entrarão no ritmo de alienarem ativos, dado o perfil ideológico dos novos governadores que assumem. É provável que ganhe força as concessões de estradas e vendas de empresas de energia (neste caso, os litígios serão intensos, como p.ex. em MG com a CEMIG).
Investimentos privados. Este é o elemento chave que sinalizará o ritmo da retomada de 2020 em diante. Para 2019, acho que o impacto é limitado. Mas depois, pode se soltar. Na medida em que haja a concessão de projetos e caso o governo mantenha um ambiente social e político favorável é muito possível que os investimentos privados sejam retomados. Aí sim, teríamos uma “roda virtuosa” da economia. Portanto, este ponto é o que mais necessita ser aprofundado e acompanhado, como é o caso da construção civil, abordado a seguir.
- Construção civil. É bastante conhecida a capacidade da construção civil de mover a economia. Ela gera muito emprego e tem restrita pressão sobre importações. Assim, é possível que o novo governo crie algum estímulo adicional para este segmento. Mas fazer o que? Retomar um programa popular, na linha do “Minha Casa Minha Vida”?; pouco provável pelo perfil político predominante. Ou seja, não é simples fazer este setor se mover, pois se há carência de demanda, tem-se um circuito vicioso, que não se rompe apenas por meio dele mesmo. O fator crédito, importantíssimo, já foi acionado; o atual governo ampliou recentemente o limite de financiamento para imóveis (até R$ 1,5 milhão) e a taxa de juros está baixa (8,5%/9,5%). O ambiente de confiança ajuda a mover a demanda, sem dúvida, mas é um empurrão limitado. Ir além por ora, é especular; há que se acompanhar e ver se o vento inicial do ambiente favorável repercute de forma sustentada no segmento. Tenho cá minhas dúvidas.
- Mercado Externo. Neste front os sinais não são bons. É pouco provável que o comércio exterior brasileiro cresça muito nos três próximos anos. Explico.
Há sinais de fumaça de um repique da crise financeira internacional. Há um tensionamento nas relações comerciais entre EUA e China (e também com outros países). O estilo agressivo e belicoso do Presidente norte-americano leva a aumento de incertezas. Os impactos já se fazem presentes em diversos segmentos da economia daquele país, com destaque para o agronegócio.
O alinhamento do Brasil com os EUA, tal como anunciado pode trazer para nossas paragens vários complicadores que repercutirão em reduções de exportações. China, América Latina, Países árabes são mercados muito relevantes que podem ser atingidos, a partir das manifestas posições de política externa, como é o caso da mudança da embaixada brasileira para Jerusalém.
Nossa pauta de exportações tem uma concentração alta em um grupo de produtos do agronegócio ou semi-elaborados. Não há pendências de políticas internas favoráveis a tais setores. Por exemplo, no caso do agronegócio o que pode de fato favorecer são melhorias na infraestrutura, que só virá no médio prazo. Por ora, os anúncios de ações jogam na contra-mão do setor ( exemplo: junção dos Ministérios da Agricultura com o do Meio ambiente). Aliás, vale a pena acompanhar os acontecimentos nesta área, os quais podem impor ao correspondente grupo social (agronegócio) problemas novos ainda não vivenciados por eles. Como reagirão a uma suspensão de importações por grandes compradores? Portanto, não será o vetor comercial externo que dinamizará a economia brasileira em 2019 ( e nem mesmo nos anos seguintes).
Por sua vez, o vetor financeiro externo – entrada de investimentos diretos – pode crescer com o programa de alienações do governo federal. Porém, esta entrada de capitais não possui o condão de acicatar o ritmo de crescimento da economia brasileira de imediato; o seu impacto é no controle acionário, seja em empresas do mercado aberto, seja naquelas que serão disponibilizadas pelo governo federal.
Comentário de arremate
Foram listadas e comentadas as principais variáveis que demarcam o futuro da economia brasileira em 2019.
Não restam dúvidas de que o discurso vencedor terá condições políticas favoráveis para levar a efeito as medidas propostas. Porém, a realidade imporá limites pesados.
Como descrito, há muitas limitações para a economia brasileira alcançar um desempenho vigoroso já em 2019. O mais provável é o crescimento do PIB ficar ali por volta de 2%.
São muitos os entraves. Listando-os: a) dificuldades das finanças públicas do governo central e governos subnacionais expressas no déficit público estrutural que restringe expansão do investimento público; b) consumo interno acanhado e sob pressão, com alto nível de endividamento das famílias, salários e rendas baixas e modesta expansão de emprego no 1º ano; c) investimento privado expandirá, mas na margem, e só crescerá à medida em que houver sinais alentadores de reorganização econômica geral; d) front externo com ameaças que podem incomodar muito, mais que o previsto hoje: litígio com países importantes para nossas exportações e reincidência da crise financeira internacional.
Estes comentários se apoiam em reflexões sobre os movimentos da conjuntura e olham a dinâmica das variáveis que se entrelaçam. O refinamento do diagnóstico passa por uma aferição quantitativa das dimensões e relevâncias dos diversos fatores aqui tratados.
05 de Novembro, 2018
* Professor do Departamento de Economia da Ufes e Doutor em Ciências Econômicas pela UNICAMP.