Por Ricardo Coelho dos Santos
Uma das tarefas mais difíceis, ingratas e inglórias de um crítico de cinema é declarar se um filme é bom ou é ruim. Há filmes ruins que merecem ser assistidos, pois, mesmo sem atributos interessantes que compõem uma obra fílmica, o conjunto se torna agradável em ver. Alguns se tornam até filmes cults, aqueles que atraem um grupo de fãs que são capazes de assistí-los repetidamente, sem se enjoarem.
Mas quais os atributos que tornam um filme interessante para receber uma boa classificação? Ouso dizer que em primeiro lugar é o roteiro. Depois, a interpretação dos atores, a direção segura e o conjunto composto por música, fotografia, efeitos visuais, efeitos especiais e seguem alguns outros que formam a salada que acompanha o prato principal: figurino, locação, beleza dos atores e mais alguns que podem ou não compor um bom filme. Dou exemplo até de algo que gosto de ver quando assisto uma boa fita: a apresentação inicial — uma especialidade dos filmes de 007.
Porém, o roteiro, é, para mim, o que mais chama a atenção em um filme. Pode ser tanto original, feito na maioria das vezes para atender a uma inspiração do diretor ou do produtor, ou adaptado de alguma obra já escrita. Neste caso, há um complicador: espremer um livro dentro do espaço de tempo normal de um filme, mantendo a magia e a beleza da obra original, não é uma tarefa para amadores. Um bom roteirista é imprescindível numa obra cinematográfica. Assim, não cabe a nós, pobres mortais, julgarmos o roteirista dos filmes de Harry Potter, Steve Kloves, de ter suprimido o personagem Pirraça, um poltergeist indisciplinado, nem criticar o trio de roteirista de “O Senhor dos Anéis”, que são Peter Jackson (que dirigiu a trilogia), Fran Walsh (esposa de Jackson), e Philippa Boyens, de terem omitido dos seus filmes Tom Bombadil. Se esses personagens fossem colocados dentro dos filmes, o tempo de filmagem seria muito longo.
Um bom roteiro, original ou adaptado, parece ser responsável pela metade do sucesso de um filme. Porém, eis que esse paradigma foi quebrado.
Trato aqui de “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos”. Eis um filme bom com um roteiro fraco, digno de seções vespertinas da televisão aberta. É meio complicado dizer que tudo no filme é bom, com exceção do roteiro de Ashleigh Powell. É declarado, e tudo realmente leva a crer, que a obra é inspirada no livro do alemão Ernst Theodor Amadeus Wilhelm Hoffmann, “O Quebra-Nozes e o Camundongo Rei”. Pois digo que a inspiração ficou somente no título. Tirasse o título, os nomes dos personagens e a bela música de Pyotr Ilyich Tchaikovsky, do seu balé “O Quebra-Nozes”, em nada da história mudaria e o roteiro continuaria tão fraco como antes. Então, o uso das obras originais foi somente um jogo de marketing da Disney para atrair os aficionados por histórias natalinas ao cinema. Nada mais que isso. Se fizesse referência ao maravilhoso “Crônicas de Nárnia”, faria mais sentido.
Expurgando-se o roteiro, como afirmei, o resto do filme é tão bom que vale a pena assistí-lo com toda a família.
A direção é de dois diretores de primeira linha: o sueco Lasse Hallström, que já nos presenteou com pérolas magníficas como “Minha Vida de Cachorro”, “Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador” e “Chocolate”, mais o texano Joe Johnston, que esteve à frente de alguns filmes repletos de efeitos especiais como “Querida, Encolhi as Crianças”, “Rocketeer”, “Jumanji”, “Jurassic Park III” e “Capitão América – O Primeiro Vingador”.
Aliás, em se tratando de efeitos especiais e visuais mais fotografia, o filme é um primor. Possivelmente uma referência nesses assuntos.
Quanto aos atores, o elenco foi impecável. Começando por Keira Knightley, que é uma atriz sempre bem referenciada, mas que, até antes do filme em questão, ainda não tinha convencido de que tinha algo além da beleza. Nesse filme, em particular, ela deu um banho de talento. Nos outros em que ela atuara, como “Star Wars – Episódio I: A Ameaça Fantasma” (numa ponta), a série “Piratas do Caribe”, “Rei Arthur”, “Orgulho e Preconceito” e “Anna Karenina”, em papéis principais, ela só se mostrou esforçada. Nada mais!
Passamos para a jovem Mackenzie Foy, uma atriz que promete. Começou na esquecível (e já esquecida) saga “Crepúsculo”, como a filha do casal principal, e deu um show de talento no clássico de ficção científica “Interestelar”, no papel da futura cientista. O papel do seu pai coube a Matthew Macfadyen, que já trabalhou com Keira Knightley em “Anna Karenina” e já foi o Athos, de “Os Três Mosqueteiros”, na versão lamentável de 2010.
E temos as cerejas do bolo: Morgan Freeman e a russa Helen Mirren, que nem precisam se esforçar para darem um brilho mágico na tela.
Chamo a atenção para os dançarinos. Há uma apresentação de balé, executada por Misty Copeland, que dançou aquém do seu talento, mas acompanhada pelo corpo masculino de balé que realizou execuções fantásticas. No final do filme, um presente a mais: dançarinos executando as melodias da Suíte Quebra-Nozes em ritmo de hip-hop, enquanto se passa aquela apresentação final que os apressados logo se levantam e vão embora. Vale a pena ficar mais alguns minutos.
Portanto, em resumo, assistam o filme e esqueçam do roteiro.