Por Daniel P. Sampaio*
Ao revisitar os clássicos da economia nos deparamos com gratas surpresas para pensar a contemporaneidade. Um destes clássicos, escrito na forma de artigo, nos remete a pensar sobre os desafios à atual e as próximas gerações que se organizam sob a lógica do capitalismo. O nosso destaque vai para o texto escrito por Keynes intitulado Possibilidades econômicas para nossos netos, publicado em 1930.
O destaque a este texto nos ocorreu porque daqui a 12 anos, ou seja, menos de uma geração, ele completará seu centenário e, quando chegar esse tempo, poderemos fazer um balanço mais preciso daquilo que Keynes pensava sobre o capitalismo e seus desdobramentos em termos econômicos e sociais. Certamente os economistas e historiadores não esquecerão dessa data, levantando novas descobertas sobre o autor, o contexto histórico e social da obra e a atualidade de suas ideias.
O texto de Keynes foi escrito em um momento particular da histórica econômica mundial, ou seja, uma época de transição econômica e geopolítica. Economista do entreguerras, Keynes revolucionou a teoria econômica ao contestar princípios do pensamento dominante, tendo entre seus mestres economistas de destaque tais como Marshall e Pigou. Dentre suas contribuições, encontrava lugar a ideia que a sociedade se organizava por uma economia empresarial e uma economia monetária da produção.
A conjuntura dos tempos de Keynes foi fundamental para o desenvolvimento de sua teoria econômica. Ao final da primeira guerra mundial, os Estados Unidos já se encontravam como maior potência econômica, mas a hegemonia permanecia com a Inglaterra. A importância inglesa nessa época pode ser explicada, dentre outros, pelo seu poderio militar, influência de sua moeda (libra), bem como a influência de seu sistema financeiro, localizado na city londrina, com impactos em todo o globo.
Além dos acontecimentos supracitados, cabe mencionar que a revolução russa de 1917 e a criação da União Soviética buscou trazer uma alternativa à forma de organização social dominante. Ademais, a grande crise financeira que estourou em 1929, com origem nos Estados Unidos, teve repercussões globais, com tremendos impactos sobre a economia e sociedade, marcando uma crise não só do capitalismo, mas também da teoria econômica predominante. Esses dois fatores abalaram a sua época, porém, a história mostrou que esse sistema pode superar seus limites e encontrar novas formas de crescimento, tal qual se observou na “era de ouro do capitalismo”, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Em Possibilidades econômicas para nossos netos Keynes defendia a ideia de que em um século, ou seja, em 2030, os avanços do progresso técnico e das forças produtivas libertariam a sociedade, no capitalismo, do problema da carga de trabalho para a luta pela sobrevivência. Nessa perspectiva de futuro a sociedade viveria próxima à ideia mito de Sísifo, em que a tecnologia seria capaz de poupar uma elevada quantidade de gasto com a força de trabalho, liberando o tempo do homem para outros fins. Assim, a humanidade superaria o problema econômico da produção de mercadorias. O problema que poderia surgir seria de outra natureza, qual seja, de ordem moral, na medida em que questionava o nível de desigualdade que a sociedade iria aceitar conviver no futuro.
Em que pese o período por vir, e cujos fatos da conjuntura são permeados de incertezas (tipicamente keynesianas), já é possível verificar aspectos atuais e levantar questionamentos que podem auxiliar na compreensão de como será a sociedade em 2030. Por exemplo, sobre os desdobramentos da crise financeira internacional de 2008, da “guerra comercial” entre Estados Unidos e China, do movimento das migrações internacionais, do crescimento da concentração de renda, da difusão de informações com base fake news, entre outros problemas enfrentados pela sociedade contemporânea.
Mesmo com avanços significativos, nos mais variados aspectos, como aquelas que estão penetrando pela indústria 4.0, ainda persistem uma série de questões sociais. Por esta razão, o texto de Keynes, autor clássico da economia, ainda permanece atual para se pensar questões relevantes para o desenvolvimento capitalista, bem como pensar nas heranças que serão deixadas para as próximas gerações.
* Professor do Departamento de Economia da UFES. Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP.
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