Por Ester Abreu Vieira de Oliveira
Os mistérios sobrenaturais, os fenômenos que não podem ser explicados pela ciência, como aparições, lugares mal-assombrados e espectros falando ou movendo-se, costumam provocar um fascínio e certo temor nas pessoas. Mas sempre há alguém com quem aconteceu alguma história de sustos e visões ou que ouviu falar de casos assombrosos. O Ser humano tem, em suas histórias, procurado questionar o sobrenatural e documentá-lo na literatura oral ou escrita, em prosa ou verso, com baladas, canções, romances, lendas e em numerosos “causos”, cuja veracidade o narrador procura confirmar. As histórias de assombração sempre exerceram um grande fascínio, porque elas abrem uma janela para um mundo fantástico que às vezes está muito próximo de nós e podem surgir até no escuro do nosso quarto de dormir...
Em minha infância, como sói acontecer com todos, ouvi muitas histórias fantásticas narradas por parentes, serviçais, amigos e vizinhos. Os causos, narrados pelo meu avô Cornélio, por exemplo, eram a princípio impactantes, mas terminavam sempre em riso, pois era ele o protagonista do medo, que depois revertia em ato de coragem. Uma dessas histórias trata de uma viagem que em Minas teria feito, montado em uma mula, acho que de Muriaé a Manhumirim, ou por aquelas bandas, atravessando uma floresta. Esses animais são fortes, mas extremamente teimosos, quando assustados. No caminho por onde passava meu avô, havia só uma réstia de luar e, em determinado momento, a mula empacou e ele não conseguia movê-la. Aí viu um esquife atravessado no caminho, com as bordas brilhantes das fitas que o contornavam. Ficou apreensivo, mas como a mula não prosseguia, voltou para casa. De manhãzinha, assim que clareou, voltou ao local do acontecido e descobriu o porquê de um caixão estar abandonado na estrada. Quando lá chegou, verificou que o esquife era um a tora iluminada pelo fogo fátuo. Com essas histórias e outras ele nos acalmava o medo. Pois sempre há uma justificativa científica, segundo ele, para o que se vê, e nos atormenta, devido à nossa fantasia.
Nas tardes de nossa infância, no Entre Morros, saíamos com nossos pais caminhando pela estrada de rodagem ou pela estrada de ferro até que aparecessem as primeiras estrelas e pudéssemos ver as estrelas cadentes, contá-las sem apontá-las para não nascessem berrugas em nossos dedos. De algumas estrelas ou constelações aprendíamos os nomes. Corríamos, ríamos e conversávamos. Depois brincávamos de roda, de pique, de escravos de Jó, de anel e de cobra cega. Também podíamos escorregar pelos declives da beira linha, nos pastos que ladeavam a estrada, em uma folha de palmeira enquanto os meninos se dedicavam a soltar pipas. Eram todos como uma só família..
O limite de nossas brincadeiras para nós era a casa do Seu Salvador que ficava na confluência do rio Muqui, como numa ponta de um triângulo, ficando o lado direito, dentro de nosso conhecimento geográfico local da época, em direção à estrada que ia até Conceição de Muqui e para as fazendas da Gironda, da Aliança, entre outras. Podíamos, às vezes, chegar até o monte de palha de café do moinho do papai (brincadeira proibida), para a fazenda do Entre Morros, na época, propriedade do tio César, onde podíamos ver uma variedade de pássaros no viveiro e comer frutas diversas, e ou seguir para a casa do seu Gaspar, já que depois estava o cemitério familiar e o açude da fazenda do Rio Claro, os mais temíveis lugares. O lado esquerdo desse triângulo era o caminho que levava a Mimoso e às fazendas da Cachoeirinha e Santa Rita, as mais frequentemente visitadas por nós, aos domingos.
Assim, o término mais comum de nossos passeios vespertinos era a casa da Loló, por onde passávamos para ouvir música ou cantarolar, enquanto ela tocava piano e a casa dos Berilli, onde dona Iolanda e seu Elisio, mesmo em sua lida no mercado, mostravam alegria e atenção. Quando podiam nos contavam casos de sua terra, a Itália. Seus filhos eram nossos companheiros de folguedos. Foi em uma brincadeira de pique que fiquei presa em uma corrente elétrica, por ter posto meu dedinho dentro da tela do galinheiro eletrificado. E todos os que me foram tirar ficaram presos. Foi uma risada só de dona Iolanda quando viu a meninada presa. Nesse dia mamãe havia ido ao cinema e eu fui deitar-me em sua cama, toda dengosa, com meu dedo machucado, até que ela chegou. Mas ela não riu nada...
Em frente de nossa casa se concentrava a maior folia das crianças: pulando corda, brincando de peteca, de pique, de Tomic, de perseguição de índios, de tei..tei.. e de roda. Mas depois, cansados, íamos para a casa de dona Maria, conhecida como Maria de seu Fernando. Ali ouvíamos histórias de mula sem cabeça, do lobisomem e de outros temas sobrenaturais.
Mas depois que seu Mino Lugon veio morar na casa central, à beira linha, uma das construções dos Rambalducci, que servia de entroncamento entre ruas, ouvíamos narrações assombrosas, “verídicas”, sempre vividas por ele.
Seu Mino, antes de abrir o seu comércio nessa casa, tinha um estabelecimento, em frente à fazenda do Entre Morros e tinha sido tropeiro. Logo, tinha viajado bastante pelo interior de Muqui e tinha visto muitas coisas estranhas. Contava-nos das vezes que pela madrugada ouvia o assobio do Saci e das tretas que ele fazia com a tropa: trançava a crina e os rabos dos cavalos, espantava as mulas, dando-lhes muito trabalho para acalmar os animais. Eram muitas e variadas as tretas que o Saci pregava nos tropeiros.
Seu Mino nos falava dos enterros que via e de pessoas acompanhando o esquife chorando e depois desaparecendo em uma curva; de grupos de pessoas que passavam rezando e sumiam em seguida; de avisos de uma morte súbita que alguém recebia, de janelas batendo, de tilintar de um sino badalando por si mesmo, de pancadas que alguém ouvia três vezes antes de morrer, entre outros relatos fantásticos ocorridos com alguém de seu conhecimento ou com ele mesmo. Tinha medo, mas me perguntava: “Será verdade?. Como duvidar de uma forma de narrar tão séria, de um homem sério, pai de família exemplar e trabalhador?”
Com as histórias de mortos que vinham assustar os vivos e/ ou avisá-los de um perigo ou de morte na família, ou conversar com o vivo, arregalávamos os olhos e nossa voz paralisava e depois, quando íamos para casa, íamos como pintinhos quando vão dormir, bem juntinhos um dando coragem ao outro... Se o medo ao fantástico paralisa e faz fugir, os causos, que saem da boca desses singelos contadores, estimulam a nossa curiosidade para ouvi-los novamente.