Não se vê mais políticos falando de plano de governo como até pouco tempo atrás. Eles, hoje, desavergonhadamente estão preocupados com as “articulações partidárias necessárias à governabilidade.” Esta expressão sempre significou cooptação de parlamentares e outros grupos de interesse marcada por um misto de entrega de cargos no governo e de convencimento sobre um certo projeto para a sociedade. Houve tempo em que o segundo elemento era mais importante e mesmo quando se negociava um cargo evitava-se a todo custo que a comunicação tivesse tal foco. Sempre se dizia que era em nome do projeto de governo e da capacidade técnica do indicado.
Aos poucos esse cuidado foi se dissolvendo e atualmente fala-se com desenvoltura, sem nenhum constrangimento, que o nomeado é para atender a esse ou aquele partido ou conveniência de imagem para o governador, prefeito ou presidente. Competências técnicas e currículos deixaram de ser a matéria de fundo nesse debate. Olhem para o Dória em São Paulo que convidou para o secretariado nomes de presença nacional que, na visão dele, lhe permite visibilidade global. Se há conhecimento adequado sobre a realidade paulista e experiência para o desafio específico, pouco importa. Para alguns governadores, no conjunto dos demais estados, é perceptível o efeito da grande imprensa estar situada no eixo Rio-São Paulo quando buscam nomear auxiliares, que de alguma maneira poderão incluir comentários positivos nos grandes veículos sobre o seu governo. Também há o caso de trazer correligionários que perderam a eleição por lá, mas para população o argumento é de que por cá serão bem sucedidos, em uma metamorfose sonhada como possível com a simples mudança de lugar.
Em paralelo, o debate sobre o projeto de desenvolvimento que o governante briga por ele não cabe mais, atrapalhará a montagem de governo e além disso o orçamento é para atender no varejo a demanda de categorias ou comunidades mais mobilizadas. Parece que, para a população, esse triste estágio de nossa evolução política vai levando para a completa falta de interesse pelos governos, deixa para lá, qualquer coisa serve. Olha aí esse debate eleitoral ninguém tem proposta para nada, apenas um bate boca desorganizado e quando há exposição de alguns projetos, é difícil enxergar uma diferença substantiva ou um fio condutor configurando um plano de verdade. As eleições estão progressivamente mostrando elevação do nível de mediocridade e o eleitor ampliando sua passividade, sei lá para onde iremos, logo qualquer coisa serve. O mais mentiroso e capaz de desconstruir até com “fakes” é que tende a levar vantagem neste ambiente depressivo.
O tema do déficit público foi o mais utilizado nas conversas e redes sociais para descontruir o adversário e ele expressa o desastre que foi o governo de Temer. Os zumbis filosóficos que andam por aí e que lutaram a favor da instalação daquele governo têm horror em admitir a aceleração do déficit público durante o período. No entanto, isso ficou muito claro em um documento elaborado pelo Ministério do Planejamento para a equipe do novo Governo sob o título de “Transição de Governo 2018 2019 – Informações Estratégicas – Ministério do Planejamento “ nele está registrado com toda a clareza que a dívida pública saiu de 51,5% do para 77,2% do PIB como resultado do crescimento do déficit, por sua vez consequência de um governo irresponsável que precisou negociar com um congresso corrupto por duas vezes sua própria cabeça. Vejam nas figuras a seguir o comportamento das variáveis déficit e dívida como percentual do PIB conforme o citado relatório.
Dívida Pública como % do PIB Déficit Público como % do PIB
Há também muitos mitos sobre uma componente forte do déficit. Um deles é sobre o peso dos gastos com a previdência. Há um discurso muitas vezes repetido para se tornar verdade virtual de que a economia voltará a crescer assim que a dita reforma for aprovada. Ora é óbvio que não é bem assim.
Se há algo que é unanimidade entre os economistas é de que o crescimento depende de investimento e este tem duas pernas uma pública e outra privada. A parte privada depende de perspectivas de lucros futuros para acontecer. No período histórico em que vivemos essa perspectiva está ancorada nas oportunidades de incorporação de novas tecnologias, inovação, etc e de investimentos públicos em infraestrutura logística e de pesquisas.
A recomendação clássica para sair da crise é o governo puxar os investimentos ofertando a infraestrutura necessária para vir o investimento privado e ambos provocarem o crescimento cuja derivada é o aumento da receita que corrigirá o déficit.
Isso não quer dizer que não haja despesa para ser cortada, basta ver os privilégios das classes predominantes nas decisões, o judiciário, o legislativo e agora com força os setores militares.
* Professor, Doutor em Ciências Econômicas.