Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*
- Que autoridade tem esses senhores para invadir os cofres do Estado e gastar o dinheiro do povo, como bem entendem”, indagou Pedro II, antes de embarcar para o exílio, ao receber o representante do pequeno grupo de golpistas republicanos com uma valise contendo cinco mil contos de reis, enviada como “indenização”: um suborno da consciência. Recusou. Queria apenas um travesseiro com terras do Brasil, onde pudesse depositar sua cabeça. Confinado na residência em Petrópolis, teve 24 horas para deixar o Brasil. D. Maria Tereza, a consorte, “morreria de desgosto”, em Lisboa, meses depois.
Desde a tal proclamação da República, há 130 anos, tivemos no País sete golpes de Estado, dois presidentes presos, quatro sendo julgados por corrupção, dois exilados, dois mortos em pleno exercício do cargo, quatro renúncias e, o pior: com os republicanos nasceu, na política, a prática da traição e do suborno. D. Pedro II governou sozinho o Brasil por 58 anos, enfrentando guerras, pacificando conflitos regionais, demarcando fronteiras, configurando uma identidade nacional e tentando manter a moralidade pública.
Ele, no dia 9 de dezembro de 1891: “Que deus conceda paz e prosperidade ao Brasil...” foram as últimas palavras do imperador no leito de morte em um modesto hotel, em Paris. Evidentemente que, no cenário que aí está, não há lugar na imaginação para projetar a imagem de 300 mil pessoas acompanhando a cerimônia fúnebre do imperador do Brasil pela rue de L´Arcade, do Hotel Bedford até à Èglise de La Madeleine, em Paris. Mais de uma centena de personalidades compareceu a cerimônia na Madeleine.
Embora pouco tenha restado de sua herança moral e desejos cívicos, D. Pedro II era bastante conhecido. Falava várias das línguas europeias e o nhengatu - a língua brasileira. Conhecia o latim, o grego, o sânscrito e o árabe. Foi um dos poucos monarcas convidados para visitar a famosa exposição de ciências e artes da Filadélfia (1876), nos Estados Unidos, acompanhado pelo Presidente Grant, e, no mesmo ano, pelo calendário ortodoxo, do Congresso de Sábios Orientalistas, em São Peterburgo, na Rússia.
Reis, rainhas e membros das realezas europeias estiveram presentes ao ato fúnebre do Imperador. O presidente francês Sadi Carnot, que estava fora, designou um general para representá-lo . Estavam lá também os presidentes do Senado e da Câmara francesa, senadores, deputados, diplomatas e outra figuras expressivas do governo; todos os membros da Academia Francesa, do Instituto de França, da Academia de Ciências Morais e da Academia de Belas-Artes; bem como escritores do status de Eça de Queiroz, Alexandre Dumas, Gabriel Auguste Daubrée, Jules Arsène Arnaud Claretie, Marcellin Berthelot, Jean Louis Armand de Quatrefages de Bréau, Edmond Jurien de la Gravière, Julius Oppert, Camille Doucet. . Comparecerm ainda representantes governos americanos e de países longínquos como Turquia, China, Japão e Pérsia.
As qualidades e virtudes de D.Pedro II eram reconhecidas amplamente pela imprensa estrangeira . O jornal New York Times proclamou ter sido O mais ilustrado monarca do século. O The Herald tratava-o como D.Pedro, o Bom . Seu reinado, disse o The Tribune, foi sereno, pacífico e próspero. Caminhava pelas ruas do Rio de Janeiro e cativava a todos com a sua audiência e cortesia, observou o The Times. Foi o modelo de soberano que todos os países monárquicos desejavam ter. O The Globe descreveu-o como culto, patriota, gentil e indulgente.
À busca da estabilidade e prestígio, o governo republicano tentou, em vão, impedir que a França fizesse o funeral do D. Pedro II como Chefe de Estado. Escreveu uma versão própria sobre a morte do imperador. A França ignorou. O povo brasileiro que assistira “abestalhado” ao golpe da República, não ficou indiferente à morte D. Pedro II. Noticiada pela agência Havas foi reproduzida imediatamente pelos jornais da rua do Ouvidor. Houve manifestações de pesar em todo o Brasil: comércio fechado, bandeiras a meio pau, toques de finados, tarjas pretas nas roupas, ofícios religiosos; centenas de missas solenes foram realizadas, seguidas de falas fúnebres. Um dos jornalistas e escritor dos mais conhecido naquele momento, João Mendes de Almeida, escreveu que a morte de D. Pedro II vinha por à prova os sentimentos da Nação. A República calou.
Concretizada traiçoeiramente com a participação de pessoas próximas a Pedro II, a República deu ao Brasil, até hoje, 34 presidentes. Pelos menos dez desses chefes do Estado tem nos envergonhado perante a História. A imagem do Brasil mudou para pior, mas para muito pior mesmo. Dois presidentes presos e quatro sendo processados por corrupção. É um saldo pesado para a República, e até para a democracia.
* Jornalista e professor
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!