Por Maria do Carmo Marino Schneider*
Ingressei na Academia Feminina Espírito-santense de Letras em 1992 e, ao assumir a cadeira de no 17, cuja patrona é Maria Magdalena Pisa, emérita educadora capixaba, refleti muito sobre a responsabilidade que me era atribuída, principalmente em virtude de um dos seus maiores atributos: a lealdade aos compromissos assumidos, dignamente cumpridos até o fim de seus dias e em cuja virtude me espelhei para conduzir minha função de educadora e cidadã.
O ser humano é o resultado de tudo aquilo que elabora, cultiva e realiza.
Os ininterruptos avanços da ciência e da tecnologia a cada dia abrem perspectivas fascinantes para a vida, e para cada ser humano, em todos os campos do conhecimento e áreas de atuação profissional. Cada vez mais amplos, os horizontes do pensamento humano alcançam dimensões jamais concebidas.
Não obstante esses valores que enriquecem o mundo, existem ainda muitas pessoas que, ao lado daquelas preocupadas com os desafios do momento, a exigirem maturidade emocional, competência cognitiva, competência técnica e competência humana, apresentam condutas que ameaçam a ética e o amor, trazendo transtornos ao ambiente em que vivem, levando muitas vezes ao caos tudo e todos de uma só vez, destruindo as mais belas construções erigidas e ameaçando a consecução de projetos que foram criados visando o sucesso e não o fracasso.
Conhecimento e sentimento quando unidos harmonizam-se na sabedoria, que é a conquista superior que o homem tenta alcançar, isto é, plenitude intelecto - moral, e essa plenitude exige o cultivo de um atributo indispensável: a lealdade. O homem que cultiva a lealdade demonstra sobretudo firmeza de caráter e maturidade emocional. E o que é "lealdade"? Não seria o mesmo que "fidelidade"? Apesar desses termos serem utilizados como sinônimos, esses atributos inerentes ao homem apresentam sutis e imperceptíveis diferenças.
O primeiro diz respeito à qualidade, ação ou procedimento de quem é sincero, franco, fiel aos compromissos assumidos. O segundo refere-se à qualidade ou caráter de fiel, firmeza, constância nas afeições, nos sentimentos, perseverança. No estrictu sensu a fidelidade é contingencial (eventual, incerta, depende das circunstâncias e está ligada a interesses pessoais). Veja-se como exemplos a "fidelidade" nas relações amorosas, no partidarismo político, nas relações empresariais e de trabalho, onde os indivíduos se comportam de conformidade com suas expectativas e interesses pessoais imediatistas, daí a promiscuidade das relações conjugais, a alternância inesperada das siglas partidárias exemplificadas por muitos políticos, a mudança contínua de profissionais que não se fixam no emprego. Já a lealdade é um atributo atemporal, característico da personalidade madura, que implica vínculo afetivo, compromisso com valores considerados prioritários e assumidos espontaneamente pelo indivíduo. Comparando-se ao primeiro, a lealdade persiste nas relações amorosas mesmo quando os parceiros não mais estejam juntos; nas relações partidárias, mesmo quando surjam conflitos que são discutidos abertamente e com franqueza, todos se unindo para resolvê-los; nas relações de trabalho, quando, apesar das discordâncias pessoais, os membros de uma empresa ou instituição empenham-se para dirimir os conflitos e resolver os problemas que ameaçam o sucesso dos projetos em andamento.
Ninguém vive no mundo sem desafios, particularmente na área dos relacionamentos interpessoais, no campo profissional e das aspirações pessoais, que exigem, de cada ser, processos de crescimento íntimo. São esses desafios que promovem os homens, seres em processo de "devir" (vir a ser), desenvolvendo sua capacidade de luta, seu aprimoramento, auxiliando-os sempre a alcançar novos patamares evolutivos tanto no campo material como no espiritual.
Tornar nossa existência a mais agradável possível, mais enriquecedora e pródiga de conquistas é atitude inteligente que deve assumir todos aqueles que se conscientizam da transitoriedade de tudo o que existe, não importa o contexto em que vivamos, a função que exerçamos, o nível sócio - econômico que tenhamos, pois o importante é o que somos e não o que temos. É aí que a lealdade aparece como atributo indispensável a qualquer profissional.
Quando alguém se dispõe a lutar pela edificação de qualquer ideal, passa, necessariamente, por três fases específicas, indispensáveis ao êxito que lhe deve coroar o esforço: o sonho, construção do programa ambicionado e sua habitação. Assim acontece com o homem, individualmente, e com as empresas e instituições.
O sonho é o grande passo definidor de qualquer projeto, porque pode ser renovado a cada momento, alterando contornos, ampliando traçados, recompondo páginas e remodelando-o quantas vezes aprouver, exigindo visão prospectiva de quem o administra. Vivenciando essa primeira fase, arrebatado pelo projeto de realização idealista, passa-se à segunda, a construção do programa. Materializar a idéia é enfrentar as dificuldades de encontrar o material hábil para sua concretização, os recursos necessários (financeiros e humanos), identificar as circunstâncias e propiciar-se valores morais indispensáveis à vivência, na sua hora específica. Esse estágio torna-se delicado porque é nessa fase que surgem as expressões de egoísmo de alguns, a vaidade de outros, de acomodação de uns tantos outros, de exibicionismo e de arrogância, etc.
Surge, finalmente, o momento de "habitar" os sonhos tornados realidade. O ritmo de trabalho, as fadigas incontáveis e noites intermináveis de insônia, a necessidade de administrar os múltiplos conflitos que se transformam em instrumento de perturbação e de mal desempenho, pela falta de possibilidade de muitos colaboradores que não querem repartir com os demais o sonho, que deveria ser comum a todos que abraçaram o mesmo ideal.
Da mesma forma que os pais são co-criadores, os profissionais, os obreiros de toda e qualquer empresa, devem conscientizar- se de que são co-construtores, cujo desempenho se coroa de alegria quando terminada a tarefa que lhes foi dada realizar. Sonhar com os ideais perseguidos pela empresa, empenhar-se na sua edificação e habitar os resultados com lealdade, carinho e gratidão, constituem os passos concretos que todos os indivíduos devem promover em favor de si mesmos, da empresa onde trabalham e cujo projeto abraçaram, e da sociedade, da qual participam como cidadãos conscientes e não meros espectadores passivos.
As organizações são feitas de pessoas movidas por sonhos, paixões e esperanças, porém, para algumas dessas pessoas, a esperança de renovação e melhora se esvai, os sonhos se desvanecem com muita rapidez. Quando entram nas empresas ou instituições chegam a perceber o grande potencial do negócio e o quanto podem melhorar. Porém, com o passar do tempo se rendem á mesmice e ao continuísmo tradicional, se acomodam, não "vestindo a camisa" da casa que representam, não lutando por seus objetivos, e o que é pior, tomando atitudes de reprovação por vezes sem sequer analisar o impacto positivo ou não das mudanças propostas pelo novo método ou projeto apresentado (ou seja, reprogramação do sonho). Entretanto, o pior não é reprovarem um projeto ou proposta de mudança, é reprovarem seu autor, de forma profissional e até pessoal, normalmente ameaçando suas carreiras na organização.
O que se pode fazer para não sucumbir e não ser contaminado pelo vírus da mesmice? Uma vez contaminados, há algum antídoto contra essa "doença"? Certamente que sim, desde que seja resgatado o sentimento de lealdade dos membros da instituição. É imprescindível ter-se em mente o trabalho em equipe, valorizar e reconhecer que as vitórias não são individuais. Para facilitar a viabilização de novas idéias, faz-se mister a busca de aliados que ajudem e influenciem as pessoas.
Importante também é o resgate da motivação, daquela mesma motivação que o membro tinha quando pela primeira vez adentrou na instituição, manifestando vontade de crescer junto com ela em todos os sentidos.
É imprescindível resgatar o sentimento ético em relação aos compromissos assumidos, não o dispensando nunca, porque uma vez respeitado o direito dos outros, temos maior chance, por exemplo, de que nossos direitos não sejam vilipendiados.
Se assim fizermos, estaremos compartilhando filosofias, vitórias (e até mesmo insucessos), assim como instrumentos de suporte organizacional, passíveis de beneficiamento para todos, em clima de harmonia e valorização pessoal.
À guisa de conclusão fica a palavra de Paulo aos Coríntíos (4:2): "Além disso requer-se aos despenseiros que cada um se ache leal."
*Professora aposentada da Ufes, e membro da ACADEMIA FEMININA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS