Como o governo Bolsonaro gosta de se apoiar no terreno bíblico para justificar suas ações, mesmo distorcendo as palavras de Cristo, eu, que pouco entendo do assunto, vou me arriscar a ir pelo mesmo caminho, mesmo sabendo dos riscos de cometer equívocos em alguma interpretação.
Na minha modesta opinião, ao contrário da imagem do Messias que veio para salvar o mundo e que Bolsonaro insiste em vender para a população como sendo o próprio (um engano que traz no nome), o que ele está de fato fazendo é empurrar mais rapidamente o país para o mundo das trevas, ou procurando fechar as frestas que ainda permitem a passagem de algum raio de sol para reacender as chamas da esperança de seu reencontro com o futuro e a solidariedade.
Para isso, não somente abriu as portas para os quatro cavaleiros do apocalipse – a peste, a guerra, a fome e a morte – como cuidou de fortalecer suas posições, com novos auxiliares, ao mesmo tempo em que adicionou novas desgraças para a população brasileira provavelmente com o objetivo de apressar a chegada do Armagedon.
O cavalo branco que carrega o cavaleiro da peste e que sugere paz e inocência, esconde a face verdadeira do anticristo e nem é preciso gastar tempo para saber ser o astrólogo da Virgínia, que se autointitula “filósofo”, que está no seu comando, tal a influência que exerce sobre Bolsonaro e sua família, dada a ignorância dessa trupe sobre o que é governar, a ponto de conduzi-lo ao divórcio cada vez mais iminente com sua antiga paixão: os militares. Servir a dois senhores ao mesmo tempo também não faz parte da cartilha verdadeiramente cristã.
O cavaleiro da guerra, montado num cavalo vermelho, parece ser o próprio Bolsonaro que, por nada entender da arte de governar, tem terceirizado o poder para seu “ideólogo” e seus filhos, e gasto todo seu tempo para posar empunhando armas, assinar decretos autorizando seu porte pela população mais agressiva e violenta, incentivando seu uso contra invasores das propriedades privadas (menos para a defesa dos índios de suas terras) e disseminado a discórdia e os conflitos entre a direita e a esquerda, as religiões, as preferências sexuais, os incultos e os cultos, com suas preferências ideológicas do tempo das cavernas. Nada que possa contribuir para a harmonia social necessária para o país vencer seus problemas.
Para representar o cavaleiro da fome, Bolsonaro escalou Paulo Guedes, da Escola de Chicago, mestre na arte de ganhar dinheiro e de jogar para os pobres a conta do ajuste que considera necessário para que o governo possa voltar a cumprir seu papel de favorecer os ricos, o que busca com os projetos da reforma da previdência e da desvinculação do orçamento dos recursos destinados ao financiamento das políticas sociais. Apesar de estar se dedicando com empenho ao trabalho que lhe foi confiado, o que lhe tem rendido elogios até mesmo de analistas bem esclarecidos, a preocupação de Guedes tem sido, até o momento, tão somente a de realizar o ajuste fiscal para, só então, pensar em algum projeto de crescimento e de geração de emprego, não tendo movido uma palha a seu favor, sob o argumento de que a sacrossanta reforma da previdência uma precondição para que isso ocorra. Isso, num país em que quase 30 milhões de trabalhadores se encontram desempregados ou em empregos precários.
Como cavaleiro da morte (para os pobres e os “esquerdistas”), além de Guedes, Bolsonaro, ele próprio, ocupou a garupa de seu cavalo para ajudá-lo na morte pela violência e indicou um ministro das relações exteriores para lançar torpedos contra tudo e todos – nacionais e internacionais – que nutrem alguma simpatia pelo que chamam de “marxismo cultural”, o que, na própria opinião deste grupo, nada mais significa que maior apreço pelos valores democráticos, pelo processo civilizatório e por maior igualdade social. Valores que também podem ser considerados verdadeiramente cristãos.
Não satisfeito com o número dos cavaleiros do apocalipse, Bolsonaro inovou biblicamente ao criar mais um: o da ignorância (será o quinto selo?). Em seu assento, instalou os ministros da educação (o primeiro e o atual) e a ministra dos direitos sociais e da mulher, que na sua pureza não deixa de enxergar a beleza do deputado Túlio Gadelha, os quais são contra cidadãos bem formados e instruídos a respeito dos valores da humanidade, auxiliados pelo ministro das relações exteriores, que nem ruboriza ao, volta e meia, distorcer a história para defender seus pontos de vista ideológicos também do tempo das cavernas, vendendo-os como se frutos da vontade divina. Um verdadeiro falseamento da realidade, mas que agrada e é defendida por bolsonaristas ignaros, que, parafraseando Cristo, não sabem o que dizem.
Pelo andar da carruagem, caso a caminhada dessa cavalaria não seja detida, o país poderá retornar, em pleno século XXI, ao tempo em que predominava a lei do mais forte (ou ao faroeste americano); em que as mulheres eram completamente submissas ao homem, com a única função de procriar, lavar e cozinhar, como defende a ministra Damares; a ciência e o conhecimento considerados heresia para não se questionar a ordem teologicamente imposta; e a vida econômica, pela qual o governo não parece ter o menor interesse, destituída de importância para satisfazer os dogmas religiosos sobre os fins da vida humana. Uma ordem bem ao gosto do anticristo e da trupe de Bolsonaro. Sinais da batalha final?
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista da Rede em Debates e de O Beltrano, e autor, entre outros do livro, “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.