No final do século XVIII, o poeta alemão Friedrich Schiller reivindicou que o teatro se tornasse uma instituição formadora da sociedade, propagando a verdade, o bem e o belo. Denominou esse processo de ästhetische Erziehung (educação estética), que almejava ensinar através do teatro as noções básicas da existência e da convivência social. Os românticos tentaram assim resgatar as origens culturais gregas e, em parte, também latinas. Para estes, afinal, o teatro era bem mais que simples entretenimento. Era uma forma de educação do espírito e da sociabilidade. Vale lembrar neste sentido a função social da comédia nos teatros romanos, segundo os quais ridendo castigat mores (“rindo corrigem-se os costumes”).
Alguns séculos depois, Brecht fez do teatro um espaço de discussão política e de transformação da sociedade. Ambicionou fazer do teatro uma das formas mais eficazes para a educação crítica e social do homem, não só nos espaços destinados aos espetáculos teatrais, mas também em escolas e instituições similares.
Antonin Artaud e mais tarde Grotowski idealizaram o teatro como um laboratório de exposição da alma humana, com todas as suas contradições. Para esses e tantos outros encenadores, o teatro seria então o espaço da celebração social, do compartilhamento lúdico de ideias e sensações. Assim a possibilidade de transformação inerente a ele contagiaria os espectadores e exaltaria a sua percepção de ser social.
Nas décadas de 60 e 70 inúmeros grupos colocaram em cena a realidade social e política brasileira, tornando os palcos uma ágora de reflexão acerca de nossos caminhos e descaminhos. Na última década, a retomada do teatro grupal e dos coletivos artísticos, sobretudo em São Paulo e Minas Gerais, deu novo fôlego a essa atividade milenar, redimensionando-lhe a força e a complexidade estética.
Para muitos, a arte contemporânea encontra-se, assim, frequentemente diante de um dilema: servir aos propósitos do mercado consumidor ou manter seu caráter transformador propondo caminhos utópicos. A escolha de uma das alternativas parece conter em si um posicionamento do artista em relação ao papel social da arte, uma vez que as artes não podem ser pensadas nas sociedades contemporâneas como absolutamente separadas dos planos econômico e político - seja como crítica da realidade seja como produto de consumo.
Talvez não seja possível se pensar o teatro atualmente sem concebê-lo como uma arte “engajada”. Se entendermos que mostrar aspectos reveladores do comportamento humano, então, devemos questionar que consequências acarreta a equivalência da obra de arte a um simples objeto de consumo.
Um efeito procurado hoje pelas produções teatrais, muitas vezes, é causar um desconforto no público, um distanciamento crítico das referências à realidade presentes na representação.
Há ainda outra via através da qual este mesmo efeito é alcançado: espetáculos que se utilizam da intersecção de diversas formas de expressão artística (artes plásticas, música, teatro, multimídia etc.) impedindo a cristalização alienante de uma única forma de expressão e propondo um diálogo entre formas de expressão diferentes.
Isso vale também para a mescla de gêneros no teatro moderno no qual o trágico se mistura com o cômico e com o grotesco, o cômico com o dramático, o dramático com o farsesco e assim por diante, sem fronteiras definidas.
Hoje, com as novas mídias e os mundos virtuais, que espaço o teatro ocupa na sociedade moderna? Qual a sua função maior? Entretenimento vazio ou local de reflexão sobre a existência e as possibilidades de mudança da vida e da sociedade? E no Espírito Santo, com nossa pouca tradição teatral? Que importância tem o teatro? Que valor nós lhe damos, afinal? Seria ele fruto da vaidade supérflua de uns poucos, ou talvez uma atividade obsoleta que nada tem a ver com a economia de mercado, base da vida moderna?
Ou será que para a maioria das pessoas o teatro não passa de uma atividade desprovida de sentido e de finalidade, incapaz de contribuir efetivamente para o aperfeiçoamento das relações sociais e para a evolução de um povo? Que função cabe então ao teatro enquanto espaço público nesses novos tempos?
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.