Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Se a pesquisa divulgada pela FGV/IBRE estiver correta – e nada há que indique o contrário – a desigualdade no Brasil voltou a crescer à velocidade da luz desde 2014, anulando boa parte dos ganhos que foram obtidos com as políticas redistributivas implementadas principalmente durante os governos Lula e Dilma, a partir de 2003. De acordo com a pesquisa, o Índice de Gini do rendimento domiciliar per capita, com o qual se mede a desigualdade de renda numa escala de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade, ficou em 0,627, atingindo o maior patamar desde o começo da série histórica deste indicador, em 2012.
Não é para menos. A recessão prolongada de 2014 a 2016, seguida da estagnação da economia a partir de 2017, que continua firme em 2019, tem se traduzido em perdas consideráveis para a população de mais baixa renda, vis-à-vis os mais ricos, como consequência dos elevados níveis de desemprego, da queda dos salários reais e da retração das políticas sociais compensatórias por parte do Estado, devido à crise fiscal.
Segundo os dados da pesquisa, após 2014, os 10% mais ricos da população tiveram um aumento de 5% da renda acumulada, enquanto os 40% mais pobres uma queda de 20%. Já nos últimos 7 anos, ou seja, desde o primeiro ano da pesquisa, enquanto a renda acumulada dos mais ricos aumentou 8,5%, a dos mais pobres conheceu uma expressiva queda de 14%.
Tal situação apenas comprova que nenhuma política redistributiva se sustenta se não contar com dois mecanismos-chave: o crescimento econômico e uma política de governo que transfira parte dos ganhos das classes mais ricas para a população menos favorecida. O primeiro, pelo impulso que dá à geração de emprego, com melhorias dos salários, propiciando aos trabalhadores aumentar sua participação relativa na riqueza nova produzida. O segundo, para garantir que os efeitos da riqueza acumulada na apropriação dessa nova riqueza sejam desidratados, por meio da tributação, transferindo-os parcialmente para este objetivo. Quando essas condições não se verificam, os ganhos em termos de redistribuição da renda tendem a se esvanecer tão logo condições favoráveis, mas apenas conjunturais, que propiciaram essa situação, desaparecem, retornando-se à trajetória anterior de aumento dessas desigualdades, uma das características do sistema capitalista.
Infelizmente, os governos que, pelo menos ao nível do discurso, assumiram o compromisso com a redução das desigualdades, não deram muita importância para essas condições. Não se preocuparam em criar melhores condições para um crescimento mais sustentado, por meio de reformas estruturais na economia, nem em envolver os ricos neste processo, transferindo-lhes parte do ônus dessa política. Valeram-se, apenas, de uma conjuntura econômica favorável, que catapultou as receitas públicas, propiciando ao Estado ampliar os benefícios para a população mais pobre, mas preservando e até aumentando os ganhos dos mais ricos, especialmente por meio de uma política monetária de elevadas taxas de juros.
Quando essas condições conjunturais desapareceram e o crescimento encolheu, provocando uma queda dramática das receitas públicas, o Estado viu-se sem condições de continuar mantendo os custos dessa política, na qual não envolveu os setores mais privilegiados, e a ser obrigado, pelo pensamento econômico dominante, a realizar um severo ajuste fiscal, dado seu elevado nível de endividamento, empurrando novamente a população que se pretendeu beneficiar para os porões da pobreza, limitando ainda mais sua renda real e sua capacidade de consumo e , consequentemente, do crescimento, tal como retratam os dados dessa pesquisa mais recente da FGV/IBRE.
Ao contrário do que se divulga com a ajuda da mídia, a política econômica implementada no Brasil desde 2015, e que segue firme no governo Bolsonaro, não tem o objetivo de repavimentar os caminhos do crescimento, adotando, ao contrário, medidas para sufocá-lo ainda mais, como demonstram os projetos de reforma da previdência e de desvinculação das política sociais do orçamento e revelam os indicadores econômicos deste primeiro trimestre do ano. Seu principal objetivo, é desalojar as políticas sociais que beneficiam a população mais carente da sociedade das costas do Estado, e recuperar sua capacidade financeira para continuar remunerando a riqueza acumulada e para tornar-se novamente confiável para o mercado, com a esterilização dos recursos públicos.
O fato é que entre a falta de ousadia e de uma visão mais consistente das condições, no âmbito do capitalismo, dos que defendem uma política redistributiva, e a insensatez dos que as condenam, propondo sua extinção, a conta, no final, termina sendo cobrada, com juros e correção monetária, dos mais pobres. É o que revela essa pesquisa, cujos resultados devem continuar progressivamente piorando pelo andar da carruagem.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”.
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