Por Fabrício Augusto de Oliveira*
A divulgação pelo IBGE dos resultados do PIB no primeiro trimestre revela que o crescimento de 2,7% esperado e projetado no início do ano, no embalo do otimismo despertado pelo novo governo Bolsonaro, ficou para trás: com um recuo de 0,2% no trimestre, as novas estimativas, que não têm cessado de cair, já começam a apontar para um crescimento de 1%, as projeções mais recentes dos bancos Itaú e Bradesco, enquanto aumentam as apostas de que o país pode estar novamente ingressando numa trajetória de recessão. Não faltam evidências para isso.
De acordo com os primeiros indicadores do segundo trimestre do ano (abril-junho), as projeções mais recentes realizadas pelo Banco Bradesco não vão além de 0,1% para este período e não são poucas as instituições de pesquisas que já começam a reduzir as expectativas de crescimento para menos de 1%, não descartando a possibilidade de uma nova recessão, especialmente no caso de a reforma da previdência ser muito desidratada pelo Congresso e de seus ganhos se distanciarem expressivamente da economia originalmente projetada pelo governo com sua aprovação.
Caso as previsões do Banco Bradesco sobre o crescimento do segundo trimestre se confirmem, o Brasil terá de crescer 0,7% em cada um dos dois trimestres finais do ano para garantir uma expansão de 1%, o que parece bastante improvável. Desde o ano de 2014, quando começou a mergulhar no processo de recessão, seguido da atual estagnação, isso ocorreu somente no primeiro trimestre de 2017, quando, impulsionado pela melhoria das expectativas com o início do governo Temer e com a excepcional safra agrícola do ano, o PIB expandiu-se 1,5%. Mas foi só.
As maiores dificuldades para o Brasil reencetar uma marcha rumo a um crescimento mais vigoroso devem-se, de um lado, ao progressivo enfraquecimento dos principais componentes da demanda agregada; e, de outro, ao imobilismo da política econômica que, tendo apostado todas as suas fichas na reforma da previdência como panaceia para os males da economia, não apresentou, até o momento, nenhuma alternativa caso a mesma não seja aprovada, com o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, volta e meia ameaçando levianamente, numa atitude que soa à chantagem, demitir-se se isso não ocorrer e mudar-se para o exterior, considerando que, de acordo com sua visão, o país simplesmente deixaria de existir. Um embuste, para justificar a inércia e a incapacidade de sua pasta de enfrentar os problemas enfrentados pela economia.
Não sem razão, as expectativas dos consumidores e empresários sobre o futuro da economia têm se deteriorado progressivamente desde o início do ano, situando-se numa zona de preocupante pessimismo. Muito mais importante que a reforma da previdência, nos termos propostos pelo governo, para retirar a economia da situação em que se encontra, seria a realização de uma reforma tributária decente que redistribuísse melhor o ônus da tributação e limpasse de sua estrutura os impostos cumulativos, ao mesmo tempo que promovesse uma reorganização das bases federativas, dando melhores condições aos estados e municípios de atuarem cooperativamente com o governo federal na realização de investimentos fundamentais para a retomada do crescimento econômico.
Uma reforma dessa natureza, com a qual se deslocaria as bases da tributação dos impostos indiretos para os diretos, o que não consta dos atuais projetos que estão sendo apreciados no Legislativo e no Executivo, teria o condão de fortalecer as bases do consumo e, consequentemente, do crescimento, e aumentar a poder de competitividade da produção nacional, fortalecendo também a capacidade dos governos subnacionais de aumentar a oferta de políticas públicas, essenciais para um crescimento mais equilibrado e para garantir maior coesão social.
Como uma reforma dessa natureza contraria os interesses das camadas mais ricas e poderosas da sociedade e não consta do cardápio das teorias e dos economistas que as representam, parece, de fato não existir alternativa além da reforma da previdência no quadro atual. Isso porque, com ela, pode ser possível dar início à reversão do fluxo de déficits primários com que o governo vem se defrontando desde 2014 e recuperar maiores espaços no orçamento para o pagamento dos juros da dívida dos credores do Estado, detendo o crescimento de seu estoque. Mais importante, contudo, é que com ela pode-se, também, jogar a maioria da conta do ajuste para a população mais pobre, com o falso argumento de que se busca dar fim “aos privilégios” do sistema, como o governo vem justificando a necessidade de sua realização, o que não seria possível com a reforma tributária proposta.
Neste mundo de enganos que o governo e as autoridades econômicas conseguem produzir, contando com o apoio de uma mídia aparentemente inocente, mas manipuladora na divulgação de números globais sobre o déficit previdenciário, que não permitem identificar os verdadeiros responsáveis por seu desequilíbrio, nem, de fato, os que arcarão com os seus custos, a retomada do crescimento econômico vai se tornando uma miragem: com ela, e ainda mais complementada com o projeto de desvinculação das políticas sociais do orçamento, o consumo das famílias deve sofrer um novo tranco, o investimento, já prostrado, desabar ainda mais, aumentando a capacidade ociosa da indústria, que já anda por volta de 25%, e os gastos reais do governo continuarem encolhendo, minando o resto das forças da atividade econômica que teimam em resistir ao atual imobilismo e irracionalidade da política econômica.
Uma coisa é certa: embora mais do que necessária para ajustar o sistema à dinâmica demográfica e impedir sua insolvência a longo prazo, o fato de a reforma jogar cerca de 80% de seus custos sobre o regime geral da previdência, que não é responsável por todo este seu desequilíbrio, e tratar mais camaradamente tanto os servidores públicos como os militares, torna-a, ao contrário do que o governo tem procurado vender à população, um instrumento de injustiça social e, também grave, como uma força anticrescimento, considerando que se, isoladamente, não será suficiente para trazer de volta os investimentos, reúne forças capazes de derrubar ainda mais o consumo destes setores e, consequentemente, o crescimento.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Economia e Política das Finanças Públicas no Brasil: um guia de leitura”.
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