Por Aylê-Salasssié Filgueiras Quintão*
Poucos presidentes da República no Brasil desfrutaram de condições econômicas tão favoráveis no campo da economia, quanto Jair Bolsonaro. A capacidade produtiva ociosa é alta, a inflação e os juros baixos, os sindicatos desmobilizados e, até agora, não faltou a boa vontade dos investidores. Daí a dúvida: resolvida supostamente a questão fiscal, com a aprovação da reforma da Previdência, o que virá depois ?
Teria dentro do governo alguém pensando nisso, ou o Governo pretende chamar o Trump ou o Fundo Monetário Internacional para dar pitacos sobre o destino da economia brasileira? Poderá haver um momento em que as ideias fragmentadas e casuísticas do “capitão” não vão mais satisfazer, nem divertir.
Facilitaria o diálogo com o Congresso e com a população a harmonização desses indicadores num plano estratégico e integrado de desenvolvimento. O primeiro desse gênero no Brasil foi produzido pelos norte-americanos, à convite do governo brasileiro (1942). Originou-se da chamada Missão Cooke (Morris), um grupo de engenheiros, economistas e empresários ianques e brasileiros do qual emergiu o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Era o começo do fim da improvisação na gestão de Estado. Os presidentes administravam por instintos, no estilo do “capitão”.
No pós-guerra, enciumados com o New Deal e com o Plano Marshall, de ajuda aos países europeus e ao Japão, os latino-americanos, capitaneados pelo Brasil, cobraram o abandono da região pelos Estados Unidos. Roosevelt viria encontrar-se com Getúlio. A visita inspirou uma segunda missão técnica. Em 1948, já com Dutra, chegou a Missão Abbink (John), integrada por industriais, financistas e militares. Foi quando se evidenciou nas políticas públicas a ausência de projetos de infraestrutura. Surgiu então o Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transportes e Energia), identificando segmentos estratégicos prioritários. Dutra não esperou sua aprovação pelo Congresso. Foi tocando obras grandes e onerosas como, a conclusão da rodovia Rio – Bahia, da Rio – São Paulo e a Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso. Sem lastro para emissão de moedas, o Plano terminou abandonado.
O segundo mandado de Getúlio (1951-1954) fez surgir a Comissão Mista Brasil x EUA para o Desenvolvimento (CMBEU), um desdobramento do chamado “Ponto IV” da política norte-americana para a América Latina. Nasceu daí o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (Plano Lafer) com 41 projetos e até um programa de treinamento e de pós graduação para brasileiros no exterior. Havia carência de “massa crítica” para administrar a economia. Nessa corrente, surgiu o BNDES, com a responsabilidade de captar financiamentos internos e externos para os projetos. Instigado pelos partidos de esquerda nasceu também a Petrobrás, a Eletrobras e limites para a remessa de lucros do capital estrangeiro. Das discussões emergiram duas correntes antagônicas de economistas: os liberais, adeptos da livre iniciativa, e os estruturalistas kneysianos (centralizadores e intervencionistas).
O pensamento liberal revelou Octavio Gouveia de Bulhões, Eugênio Gudin, Rômulo Almeida, Alexandre Kafka, Valder Sarmanho, San Tiago Dantas, Roberto Campos, cujas ideias reinariam nos anos seguintes. No outro grupo, economistas formados pela CEPAL - Comissão Econômica (da ONU) para a América Latina - preocupados com a pobreza, o atraso e os desequilíbrios, defendendo a substituição das importações, temas que passaram a ser incorporados às agendas públicas. Entre eles estavam Ignácio Rangel, Celso Furtado, Chico de Oliveira, Fernando Henrique, Octavio Iani, Bresser Pereira, Carlos Lessa, Maria da Conceição Tavares, etc. Ao lado de empresários, como Roberto Simonsen, que defendiam a industrializaçãoo.
Executar um projeto de desenvolvimento e corrigir distorções exigia fazer milagres com recursos escassos. Com a morte de Getúlio as recomendações das comissões terminaram ignoradas. O pragmatismo getulista foi recuperado, entretanto, por Juscelino Kubitschek, ao produzir o Plano de Metas, pelo qual o Brasil cresceria “50 anos em 5”. JK quebrou reservas de mercado, identificou e atraiu investidores para o seu projeto modernizante de Nação. Foi nesse momento que a indústria automobilística, a naval e aeronáutica instalaram-se no Brasil, criando a SUDENE (1959), e intensificando uma transferência de recursos intra-regional. O PIB brasileiro expandiu 7% ao ano.
Saiu o desenvolvimentista JK, entrou o populista Jânio Quadros, sem plano de Governo. Não durou um ano como presidente. O vice-presidente João Goulart, na chefia do Estado, engavetou os planos de futuro de JK, e se propôs a fazer grandes reformas estruturais. Bateu de frente com os latifundiários, empresas e bancos estrangeiros. Defendia um distributivismo amplo, contudo mal dimensionado. A economia se desestruturou. A inflação chegou a mais de 200 % ao ano. Improvisou com o economista Celso Furtado um apressado plano estratégico de desenvolvimento. Não vingou, e Jango caiu.
Foi aí que, ocupando o Poder, os militares trouxeram o liberal Roberto Campos para chefiar o Ministério do Planejamento. Junto, vinha Otávio Gouveia de Bulhões, para a Fazenda. Inspirados nas recomendações daquelas esquecidas comissões mistas, institucionalizaram o Plano de Ação Estratégica de Governo (Paeg), por meio do qual criaram um mercado de capitais, um Banco Central para controlar a oferta e a circulação da moeda na economia, reduzindo as obrigações dos investimentos estrangeiros e introduzindo a correção monetária.
A correção reajustava contratos, títulos e dívidas com base na inflação anterior. A novidade abriu espaço para um amplo programa de construção civil, de arrecadação de impostos, reajustando obrigações tributárias das empresas e os valores dos títulos públicos. A inflação foi contida em 35%. O modelo gerava encargos, mas protegia o patrimônio. Resultou daí a formação de grandes conglomerados empresariais e financeiros.
Superpondo-se ao Paeg, o programa de governo do General Costa e Silva, da linha nacionalista da caserna, inverteu um pouco a direção, estatizando alguns setores básicos da economia, processo acentuado nos três PNDs – Plano Nacional de Desenvolvimento, elaborado no Planejamento, adotado pelos militares. Sob a égide dos PNDs, a economia brasileira ganhou disciplina e estabilidade. Recuperou-se a capacidade fiscal do Estado e foi introduzida uma política de incentivos para investimentos em áreas básicas .
Essa plataforma permitiu a expansão média de 10% ao ano do PIB e uma inflação entre 15 e 20%, gerando o chamado milagre brasileiro. O então ministro da Fazenda, Delfim Neto, foi chamado de o mago. E, assim, a “lanterna de popa”, acusada de socialmente excludente, foi sendo provisionada até a chegada da democratização. Daí pra frente, os brasileiros passaram a esperar que planos divinos os socorressem. A exceção do Plano Real, de FHC e Itamar, nada mais deu certo no País no campo da economia. Sem grandes expectativas, a população entrou em um túnel sem luz no final, deslumbrada com as tiradas irresponsáveis e inconsequentes dos novos e empoderados chefes de Estado.
* Jornalista e professor
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