Fabricio Augusto de Oliveira
Este trabalho analisa a política econômica implementada no Brasil no período de 2011-2018, bem como os resultados com ela colhidos. Não mais que isso. Embora nele se dedique algum espaço para relatar diversos crimes cometidos contra a administração pública pelos principais agentes – públicos e privados – envolvidos neste processo, bem como as denúncias, investigações e prisões que ocorreram com os mesmos, isso só é feito para entender como estes afetaram a condução da política econômica e a própria situação da economia, não podendo ser confundido com um romance policial. Mais especificamente, seu principal objetivo é o de avaliar a razão de dois projetos econômicos em tese distintos – da esquerda e da direita – terem produzido resultados tão desastrosos para a economia do País e terem conseguido lançá-lo no inferno da recessão e da estagnação, a partir de 2014, no qual permanecia até 2018, sem saber quando dele escaparia.
Dois governos se revezaram neste período no seu comando: 1) o de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), entre 2011 e 12 de maio de 2016, quando foi temporariamente afastada do cargo, no segundo mandato (2015-2018), com a aprovação pelo Senado Federal da abertura do pedido de seu impeachment, até a conclusão do processo no dia 31 de agosto, que confirmaria a perda de seu mandato; 2) o de Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que, como vice-presidente, assumiu interinamente o governo em maio e, de forma definitiva, com a cassação do mandato de Dilma, mantendo-se na presidência até 31 de dezembro de 2018. Neste período, foi alvo de três denúncias de corrupção apresentadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), tendo sido negada. pelo Congresso Nacional, a autorização para a investigação das duas primeiras, o que não impediu que a política econômica se mantivesse paralisada, refém do desfecho e consequências destes episódios.
Ambos os governos se defrontaram, portanto, não apenas com dificuldades no campo econômico, com projetos distintos, mas também no campo político, dardejados por seguidas denúncias de corrupção e de má administração dos recursos públicos, mantendo permanentemente desestabilizadas as expectativas dos agentes econômicos sobre o futuro da economia e inoperante a política econômica. Essa, balizada em teses exóticas sobre as condições do crescimento, originadas ora da corrente da esquerda, ora da direita, e tensionada por estes eventos políticos, terminou produzindo, neste período, um dos piores resultados de toda a história econômica brasileira.
No governo Dilma, o PIB encolheu 8,1% no período de 2014-2016, com uma queda do PIB per capita de 10,4%, de acordo com as revisões estatísticas realizadas pelo IBGE. Foram 11 trimestres de recessão, a qual passou a ocupar o posto de segunda maior da história mais recente do País, só perdendo para a de 1981-1983 que, apesar de mais breve em termos de duração – nove trimestres – provocou um encolhimento do PIB de 8,5% e de 13,2% do PIB per capita. Não são números que um governante gostaria de ver inscritos em sua biografia.
Recessões prolongadas e profundas não são comuns na história republicana do País. De acordo com um estudo de Gonçalves (2010), que elaborou um Índice de Desempenho Presidencial (IDP), apenas em dois mandatos presidenciais foram registrados dois anos consecutivos de recessão: no de Floriano Peixoto (1891-1894), em 1892-3, quando o PIB desabou, com queda de 11,2% e 12,8%, respectivamente; e no de Getúlio Vargas, no primeiro governo, quando caiu 2,1%, em 1930, e 3,3%, em 1931. O primeiro sofreu os efeitos da política do “encilhamento” do então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, e defrontou-se com uma grave crise política, alimentada por diversos conflitos internos. O segundo, com a grande depressão, iniciada em 1929, e também com a crise política desencadeada com a Revolução de 1930.
Em termos de profundidade da crise, o de Floriano Peixoto continua imbatível, em seus quatro anos de governo, com média negativa anual de 7,5%, ainda de acordo com Gonçalves, seguido por Fernando Collor de Mello (1990-1992), com -1,3%. Dilma conseguiu bater o primeiro recorde ou, no mínimo, igualá-lo – o de dois anos consecutivos de recessão –, e, se se considerar apenas o período de 2015-2016, de seu segundo mandato, destronar Collor do segundo lugar, em se tratando de desempenho econômico.
Tal situação era impensável em 2010, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva saudava o crescimento do ano, de 7,5%, como o início de um espetáculo que iria permanecer por muito tempo, considerando que o Brasil conseguira construir fundamentos econômicos sólidos para lhe dar sustentação. Nada mais distante da realidade, embora vários economistas de esquerda, em especial os que participaram do governo, tenham deixado se enganar com essa possibilidade.
Na verdade, Lula entregou para Dilma um País com vários problemas estruturais na economia e com não poucas fricções na arquitetura do modelo de estabilização, assentado no tripé macroeconômico, com o qual se comprometera, causadas pelo atípico crescimento de 2010.
Essas fricções indicavam a necessidade de correções, caso o governo continuasse a manter o acordo selado com o capital ainda em 2002, em particular com o capital financeiro. Além disso, transferiu-lhe, como herança, um câmbio excessivamente valorizado, que vinha sendo manejado como instrumento de combate à inflação, e que se transformaria no coveiro da indústria nacional. Tudo isso, em meio a uma crise mundial que começava a emitir sinais de agravamento com a eclosão da crise da dívida soberana europeia, após a forte recuperação ocorrida em 2010 como resultado da política econômica implementada pelos países desenvolvidos em reação ao dilúvio provocado pela tormenta do subprime.
Lula conseguiu, de fato, durante os oito anos de seu governo (2003-2010) que a economia crescesse a uma taxa anual de 4%, mas não realizou, para isso, nenhuma reforma estrutural relevante, nem mesmo para ampliar os seus limites e dar maior consistência ao seu projeto de inclusão social. O crescimento, neste caso, teria vindo praticamente “de graça”, como resultado da bonança da economia mundial, que se expandiu à taxa de 5% ao ano entre 2003-2008, e também do espetacular crescimento da China, a taxas superiores a 10%, que catapultou os preços das commodities, expandiu as reservas externas do País, permitindo-lhe formar um colchão protetor contra as crises externas e reduzir seu grau de vulnerabilidade, e, também importante, fortaleceu as finanças do Estado, em consequência do crescimento, dando-lhe condições de implementar programas de redistribuição de renda.
Quando estes fatores positivos começaram a se esvanecer, primeiro com a crise do subprime de 2007-2009, Lula implementou uma política anticíclica em 2009-2010, que deu certo em mitigar os seus efeitos e recuperar rapidamente o crescimento, mas a crise da dívida soberana europeia e, posteriormente, a reorientação do modelo de desenvolvimento chinês, que reduziu a demanda por commodities, provocando quedas consideráveis em seus preços, desvelaram as bases frágeis em que se assentava a promessa de um espetáculo do crescimento.
Dilma assumiu, assim, num quadro altamente desfavorável em que, para ser bem-sucedida, teria ou de romper os laços com o capital, abrindo caminhos para a realização de reformas mais importantes, ou calibrar adequadamente os compromissos assumidos com a preservação do modelo ortodoxo do tripé macroeconômico para os objetivos do crescimento. Tal como Lula, não fez nem uma nem outra coisa e, ao procurar sustentar o crescimento com políticas econômicas alternativas equivocadas, aumentou a erosão das bases do tripé macroeconômico, lançando o País numa grande regressão econômica, tendo, ao final, de render-se à ortodoxia para tentar recuperar a confiança e o apoio do capital ao seu governo. A política econômica implementada, a partir daí se encarregaria, pela sua natureza, de torná-la forte candidata aos recordes negativos que a sua administração colheu em termos de desempenho econômico.
Um dos objetivos deste trabalho consiste em procurar compreender a razão e os motivos pelos quais o cenário mirífico desenhado por Lula em 2010 rapidamente se desfez e conduziu o Brasil para uma das maiores crises de sua história. Entender isso parece fundamental para desfazer os mitos e crenças que foram criados em relação à política econômica implementada como redentora do País e como capaz de abrir as portas do paraíso para o crescimento econômico, combinado com o projeto de inclusão social.
Isso porque, se é inegável que se avançou consideravelmente no processo de redução da pobreza com as políticas sociais adotadas e, em menor grau, das desigualdades, o mesmo não se pode dizer em relação ao crescimento econômico, essencial para dar sustentação a este projeto e para torná-lo sustentável no tempo. Políticas de redistribuição envolvem custos e quando deles se exime as camadas mais ricas da sociedade, como foi feito durante os governos Lula e Dilma, dado o acordo selado com as classes dominantes, aquelas passam a depender exclusivamente do crescimento econômico e de um Estado com finanças fortalecidas capaz de bancar boa parte destes custos.
Como as bases do crescimento não foram devidamente cimentadas com a realização de reformas estruturais, enquanto os ventos favoráveis da economia internacional sopraram a seu favor, propiciando ao Estado condições de seguir em frente com a política de inclusão, o cenário desenhado por Lula parecia uma realidade e a política econômica exemplar. Quando, no entanto, estes ventos começaram a perder força, levando a economia à desaceleração e à estagnação, com consequente queda das receitas, o Estado perdeu a condição de sustentar essa política, sem que, para isso, provocasse rachaduras na arquitetura do modelo neoliberal, do qual não se divorciara, tendo, ao sofrer vetos do capital, e sem apoio político suficiente, de render-se novamente à política ortodoxa e começar a fechar as portas do paraíso para os excluídos do sistema.
Tendo herdado uma economia em frangalhos e se apoiado na mesma política ortodoxa deslanchada desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, o governo Temer, enfrentando também crescentes denúncias de corrupção tanto de seus principais quadros como do próprio presidente, conseguiu colher resultados menos desfavoráveis, embora não como resultado da política econômica implementada e nem na dimensão prometida, mudando apenas a situação do País de um quadro de recessão para o de estagnação.
No governo Temer (2016-2018) a economia saiu do estado de torpor em que se encontrava, devido: i) à melhoria das expectativas ocorrida com o afastamento de Dilma; ii) ao fato da economia se encontrar com sua base fortemente deprimida; e iii) à promessa vendida inicialmente pelo novo governo de que se comprometeria com uma série de reformas estruturais necessárias para a retomada do crescimento econômico em bases sustentáveis.
Apoiado, no entanto, na mesma estratégia de política econômica, de cunho ortodoxo, que vinha sendo implementada no governo Dilma desde o início de seu segundo mandato, Temer viu progressivamente se enfraquecer, politicamente, sua promessa de realização de reformas, à medida que os principais quadros de seu governo se viram envolvidos – e alguns mesmo presos – em episódios de corrupção, com o próprio presidente recebendo três denúncias pela Procuradoria Geral da República (PGR) no mesmo sentido. Já limitada pela sua arquitetura ortodoxa na solução dos problemas da economia, a política econômica viu, assim, frustrarem-se as reformas mais importantes com que contava para o objetivo do ajuste fiscal e do crescimento, rendendo-se imobilizada no cenário de turbulência política e econômica que continuou pairando sobre o País até o final de 2018.
Tendo assumido com a promessa de retomada do crescimento, vital até mesmo para o seu objetivo inicial de concorrer às eleições presidenciais de 2018, o governo Temer, neste quadro, viu este objetivo se frustrar e conseguiu apenas deslocar o País do quadro de recessão para o de estagnação: em 2017, o PIB cresceria apenas 1,1%, a mesma taxa que seria registrada no ano seguinte, em 2018. Com o resultado deste último ano, a economia brasileira estava produzindo praticamente o mesmo que em 2012 e abaixo 5,1% de seu pico atingido no primeiro trimestre de 2014. E, em termos do PIB per capita, 9% abaixo do patamar deste mesmo período. Uma tragédia para um país que não cresce de forma mais sustentada desde a década de 1980, marcado por gritantes desigualdades sociais e elevados níveis de pobreza da população, com uma taxa de desemprego superior a 20% da população economicamente ativa, se considerado o emprego precário.
Para realizar essa análise, o trabalho, além dessa introdução, se encontra organizado em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, faz uma análise da política econômica implementada no período 2011-2014, considerando-a em três momentos distintos. O primeiro, que cobre o primeiro semestre de 2011, revela uma política econômica perfeitamente identificada com a ortodoxia, procurando corrigir as fricções provocadas nas bases do tripé macroeconômico, com a adoção de medidas de conteúdo recessivo para combater a inflação – elevação da taxa de juros, contenção do crédito, corte de gastos públicos etc. – e recompor a meta cheia do superávit primário.
O segundo, que vai de agosto de 2011 a 2013, mostra uma política econômica se distanciando da ortodoxia, mas sem romper os laços com as regras do capital, e lançando-se, arrojadamente, na busca do crescimento econômico, mas sem realizar nenhuma reforma estrutural, apenas apoiada em um conjunto de ideias que deram origem a um modelo que ficou conhecido como Nova Matriz Econômica (NME), erigido para essa finalidade.
Estruturado em bases falhas, e sem ter contado com o apoio do setor produtivo para o qual estava principalmente voltado, o modelo muito rapidamente apresentaria problemas, substituindo o que antes aparecia apenas como fricções no tripé macroeconômico por rachaduras crescentes em suas bases, com a política econômica perdendo legitimidade ante uma burguesia unificada. Tendo minado as bases do tripé e não sendo bem-sucedida com o modelo da Nova Matriz, a política econômica passará a adotar, a partir daí uma estratégia de sobrevivência, com o objetivo de garantir a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014.
O terceiro período, que vai da segunda metade de 2013 a 2014, analisa as medidas que foram adotadas nessa estratégia de sobrevivência, bem como suas consequências para o modelo de estabilização, procurando mostrar que, embora bem-sucedida em seu objetivo de reeleição da presidente, conseguiu, com a geração de resultados danosos para as variáveis centrais da economia – em termos de inflação, contas públicas, contas externas etc. -, atrair a oposição ainda maior de outros setores, como a classe média tradicional, que se juntaram à burguesia unificada. Acuada e sofrendo crescentes vetos à sua política, a presidente, depois de reeleita, recuaria em suas promessas de campanha e terminaria entregando o comando da economia para a ortodoxia, com o objetivo de reconquistar o apoio do capital, mesmo que, para isso, tivesse de sacrificar as políticas de inclusão que tanto ela como Lula defenderam.
No segundo capítulo procura-se fazer uma comparação da política econômica dos governos Lula e Dilma, visando identificar seus pontos em comum e as razões de seu insucesso em atingir o objetivo de conciliar um processo de crescimento consistente com inclusão sustentável no tempo.
Pela análise realizada, considera que a opção feita por ambos de evitar confrontos com o capital, particularmente o do ramo financeiro, e comprometer-se em respeitar as regras do tripé macroeconômico, bloqueou, de saída, os caminhos do crescimento, dada a arquitetura deste modelo, a menos que fossem realizadas reformas estruturais para ampliar seus limites, o que não aconteceu. Além disso, dado o pacto estabelecido com as classes dominantes, as grandes rendas foram excluídas dos custos da política redistributiva contemplada no projeto de governo, cabendo, assim, ao Estado bancar boa parte destes custos. Ora, nessas condições a política de inclusão passou a depender exclusivamente do crescimento econômico para manter o Estado em condições de dar-lhe continuidade, mas muito pouco se fez para garanti-lo.
Por isso, enquanto a bonança da economia internacional e o espetacular crescimento da China derramaram efeitos benéficos sobre o Brasil, foi possível, ao Estado, patrocinar várias políticas que favoreceram a população mais pobre e os excluídos do sistema. Quando essas condições esvaneceram, especialmente a partir de 2010, e a crise econômica começou a se instalar no País, o Estado perdeu as condições de continuar levando à frente este projeto de inclusão, diante do enfraquecimento de suas fontes de financiamento.
A tentativa desesperada de Dilma de retornar à trajetória de crescimento a partir de agosto de 2011, em face dessa nova realidade, em meio à crise mundial que avançava e sem contar com bases consistentes para este objetivo, já que também não realizou nenhuma reforma importante para essa finalidade, terminou ampliando as fendas do tripé macroeconômico, sem ter conseguido sucesso no objetivo do crescimento econômico com o modelo da Nova Matriz, por que fundado em bases teóricas exóticas. Acuada, e sem apoio à sua política econômica, terminou rendendo-se à ortodoxia para promover um ajuste recessivo da economia em 2015.
O terceiro capítulo analisa a política econômica ortodoxa implementada em 2015, com o objetivo de recompor as bases do tripé macroeconômico e promover o ajuste cíclico da economia, recolocando em seu lugar as variáveis centrais da economia – câmbio, inflação etc. – e resgatando o papel do Estado como produtor de superávits primários para cumprir sua função, de acordo com as ordens emanadas do novo consenso macroeconômico, de preservar e garantir o pagamento de juros da riqueza financeira para não colocar em risco a estabilidade macroeconômica.
Uma política que, no entanto, colherá, pela sua natureza, resultados bem diferentes dos pretendidos. Além de seu conteúdo altamente recessivo, que destrói as bases da tributação e, portando, das fontes de financiamento do Estado, remando contra o ajuste fiscal – o que a ortodoxia ignora -, uma crise política de grandes proporções, alimentada pelo crescente enfraquecimento político da presidente, que prometeu muito na campanha, mas não cumpriu, pelo avanço das investigações da Operação Lava Jato, envolvendo também membros do governo, e por um Congresso hostil aos seus projetos, impediram que aquele andasse como se pretendia. Não poderia, por isso, gerar bons resultados.
Por todas essas razões, o ajuste de 2015 se traduzirá em desequilíbrios ainda mais acentuados da economia, com a inflação superando a casa dos dois dígitos (10,67%), os juros da dívida pública atingindo 8,46% do PIB, o déficit nominal batendo em 10,34%, um dos maiores do mundo, e a relação dívida bruta/PIB aproximando-se de 70%. Junto a isso, o produto nacional encolheria 3,5%, o desemprego atingiria mais de 9%, com nove milhões de desocupados no País, derrubando a renda real dos trabalhadores, enquanto o Estado, sob o controle e comando da ortodoxia, daria início à desmontagem de vários programas sociais. 2015 representa, assim, o ano em que a ilusão do projeto do “espetáculo do crescimento com inclusão social” chega ao seu fim, substituindo a visão de um paraíso para as classes menos favorecidas da população, que se descortinou com o projeto do presidente Lula, pelo inferno da recessão, do desemprego e da miséria, que, tudo indicava, deveria perdurar por um bom tempo, como se analisa neste trabalho.
Na parte final deste capítulo, procura-se extrair lições da política econômica posta em prática para viabilizar o projeto do governo de “crescimento com inclusão”, visando obter subsídios para evitar que novas oportunidades para essa finalidade, quando surgirem, não sejam novamente perdidas. Infelizmente, o do período 2003-2015, porque estruturado em bases inconsistentes e por ter evitado confrontos com o capital e perdas para as camadas ricas da sociedade, não passou de uma miragem rapidamente desfeita, quando o crescimento perdeu força.
O quarto capítulo é dedicado à análise do período de 2016-2018. Apesar da mudança de governo ocorrida em 2016, em virtude do impeachment da presidente Dilma Rousseff e a entrada no poder de Michel Temer, a política econômica permanecerá, até 2018, com o mesmo conteúdo: uma política ortodoxa que, tal como em 2015, perseguirá, como prioridade absoluta, o ajuste das contas públicas, acreditando ser este uma precondição para o retorno dos investimentos e para a retomada do crescimento econômico.
Em um cenário agravado por incertezas políticas e dificuldades para a aprovação das propostas de reformas apresentadas, a estratégia da política econômica, de cunho recessivo, não conseguirá colher frutos favoráveis nem para o ajuste fiscal pretendido, nem para o crescimento, provocando, ao contrário, maior erosão das contas públicas, à medida que as receitas do governo continuaram despencando, em termos reais, e mantendo enfraquecidos os fatores dinâmicos da economia, como o consumo, os investimentos e os gastos públicos.
Em 2016, nem mesmo se pode dizer que se tenha contado com uma política econômica efetiva. De um lado, a investigação e o julgamento do processo de impeachment de Dilma, que se prolongou até o mês de agosto, paralisaram as iniciativas que poderiam ter sido levadas à frente e, mesmo com a substituição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy por Nelson Barbosa, no final de 2015, este não dispôs de condições e nem de tempo suficiente para elaborar a apresentar um plano consistente para o enfrentamento dos problemas da economia brasileira. De outro, a interinidade do governo de Temer, a partir do mês de maio, limitou a adoção de medidas de política econômica, que poderiam ser anuladas, caso o desfecho do processo de impeachment fosse favorável a Dilma.
Assumindo, em caráter definitivo, o posto de presidente a partir de setembro, o tempo que restou a Temer no ano foi curto para a montagem da equipe e para deslanchar a estratégia de ajuste desenhada por seu novo ministro da economia, Henrique Meirelles, representante do capital financeiro – nacional e internacional - e comprometido com o cardápio da ortodoxia. De concreto, neste ano, apenas uma reforma seria aprovada, contando com o apoio de um Congresso que se rendeu ao novo governo e com a crença que foi criada de que o novo governo priorizaria as mesmas para remover os obstáculos do crescimento: a do teto dos gastos públicos, por meio da Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro (EC 95/96), que limitou por 20 anos a correção dos gastos primários do governo à inflação do ano. Outra, a reforma trabalhista, antiga reivindicação do empresariado, terminou sendo encaminhada, como projeto de lei (PL 6.787/16) pelo Executivo para apreciação do Congresso Nacional no dia 23 de dezembro deste ano. Já a reforma previdenciária tão ansiada pelo mercado e pelos hostes governamentais para coroar o ajuste fiscal teve sua apresentação adiada para 2017.
Estes movimentos iniciais do governo Temer em direção às reformas – o mesmo chegou a se autointitular “senhor das reformas” – despertaram o ânimo dos mercados e dos agentes econômicos no futuro da economia, projetando melhores condições para o seu desempenho em 2017, com apostas de crescimento do PIB que variavam entre 0,5% e 1%, o que já constituiria um grande êxito dada a crítica situação da economia na época. De fato, essa onda de maior otimismo contrapunha-se aos melancólicos resultados colhidos em 2016, quando o PIB se contraiu mais 3,3%, o consumo das famílias 3,9% e a formação bruta de capital 12,1%. Neste ano, a taxa de investimento da economia, que já caíra para 17,8%, em 2015, conheceu uma nova redução de mais 2,3 pontos percentuais do PIB, fechando o ano em 15,5%, o pior da série das contas nacionais iniciada em 1995.
A possibilidade das reformas do governo Temer continuarem avançando em 2017, ampliando os horizontes para a retomada do crescimento em 2018, cujas projeções variavam otimistamente entre 2% e 3%, pressupondo a sua realização, começou a claudicar logo no início do ano quando seus principais mosqueteiros – Romero Jucá, André Moura, Henrique Alves e Geddel Vieira Lima – começaram a ser apeados de seus cargos de ministros e de representantes do governo, envolvidos em várias e sérias denúncias de corrupção. Fatal para a redução dos já baixos índices de popularidade de Temer, que andavam na casa de pouco mais de 10%, tal situação se agravaria, ainda mais, em maio, com a delação dos empresário da JBS, Joesley e Wesley Batista, que trouxe à tona a gravação de uma conversa mantida entre Joesley e Temer, em março, com a famosa frase “Tem de manter isso aí, viu?”, que envolvia diretamente o presidente nos esquemas de corrupção. A partir daí, as atenções do governo voltaram-se, quase que exclusivamente, para se defender das denúncias que passaram a ser apresentadas pela Procuradoria Geral da República (PGR) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), com os índices de aprovação do presidente Temer despencando ainda mais e minando sua legitimidade para conseguir aprovar as reformas que pretendia, com destaque para previdenciária, com a qual o pensamento ortodoxo e o mercado contavam para a realização de um ajuste fiscal mais crível e consistente. Apenas a reforma trabalhista encaminhada ao Congresso no final de 2016 conseguiu ser aprovada em julho deste ano, passando a vigorar a partir de novembro, mas, embora considerada relevante para a ortodoxia, pouca contribuição poderia dar para o ajuste.
Do ponto de vista da economia, muito pouco se fez para retirá-la do estado de prostração em que se encontrava, à espera de um ajuste fiscal que não aconteceu, devido à política econômica esquizofrênica implementada, que continuava derrubando as receitas públicas, e, em parte, porque imobilizada pelos sucessivos escândalos políticos. Apenas a redução da taxa de juros Selic de 14,25%, do início do governo Temer, para 7,5% no final de 2017, propiciada pela queda vertiginosa da inflação devido ao fim da correção dos preços monitorados e ao ambiente recessivo da economia, mas insuficiente para relançar o crescimento num mundo de incertezas – econômicas e políticas -, e a liberação das contas inativas do FGTS e do PIS/Pasep para seus titulares que representaram um injeção de R$ 60 bilhões na economia, dando algum impulso ao consumo das famílias, uma receita tipicamente keynesiana, podem ser apontadas nessa direção. Mas foi só.
No final de 2017, devido à fraqueza da atividade produtiva, a inflação estava reduzida a 2,95%, com as contas externas registrando inegáveis melhorias, garantindo o seu ajustamento: a balança comercial, que acusara um déficit de US$ 4 bilhões em 2014, registrou um superávit de US$ 67 bilhões no ano, enquanto o déficit em transações correntes praticamente desapareceu, correspondendo a 0,35% do PIB. Internamente, no entanto, a situação continuava crítica: o índice de desemprego, que se aproximara de 14% no início do ano, recuou para 11,8% em dezembro, mas retornaria para a casa dos 13% no primeiro trimestre de 2018, com mais de 12 milhões de desempregos; nas contas públicas, o déficit primário consolidado continuou elevado, no nível de 1,7% do PIB, e o déficit nominal em 7,8% - se não o maior, um dos maiores do mundo -, devido muito ao custo da dívida de 6,1% do PIB. Como resultado, a dívida líquida do setor público fechou o ano com o percentual de 51,5% do PIB, e a dívida bruta do governo geral na casa de 74%, um nível extremamente elevado – e preocupante – para uma economia emergente. O PIB, por sua vez, carente de medidas capaz de impulsioná-lo, ainda assim conseguiu ser retirado das trevas da recessão, registrando um crescimento de 1,1%, muito como resultado da liberação de recursos das contas inativas do FGTS e do PIS/Pasep, do pequeno aumento do emprego e, não se pode desconsiderar, da queda da inflação e dos efeitos da queda da taxa de juros sobre o consumo e o investimento. De qualquer forma, um quadro melancólico para um país mergulhado, desde 2014, numa profunda recessão.
Em 2018, apesar de continuar tentando vender a imagem para a população de que o seu governo conseguira colocar novamente a economia nos “trilhos”, o projeto de Temer de viabilizar-se como candidato às eleições presidenciais deste ano foi praticamente soterrado pelo turbilhão de escândalos políticos surgidos em sua administração e pelos insucessos colhidos no campo econômico. Com índices rastejantes de popularidades inferiores a 5%, vários processos de investigação pendentes e sem contar com a confiança da sociedade, além de ter visto a proposta de reforma previdenciária emperrar no Congresso e o desequilíbrio fiscal aumentar, sem perspectiva de solução, seu governo, bem como a política econômica implementada, conheceria amargas derrotas.
No dia 11 de janeiro, a Standard Poor’s (S&P) rebaixaria a nota de crédito do Brasil de “BB” para “BB-, três degraus abaixo do grau de investimento, o menor patamar desde 2005. Em fevereiro, no dia 23, foi a vez da Fitch seguir o mesmo caminho, cortando-a para o mesmo nível (BB-). A justificativa da S&P para o rebaixamento da nota traduzia a percepção generalizada sobre a impotência do País de fazer avançar as reformas e reduzir o desequilíbrio fiscal: “o Brasil fez progressos mais lentos que o esperado para corrigir a deterioração fiscal e o aumento do endividamento. [...] os atrasos no avanço das medidas fiscais [...], juntamente com perspectivas de políticas incertas após as eleições presidenciais de 2018, refletem pouca eficiência na formulação de políticas pela classe política no Brasil”. Não poderia ter sido mais precisa.
O cenário externo, por sua vez, não era nada favorável. A anunciada continuidade da elevação das taxas de juros dos Estados Unidos em resposta ao maior aquecimento da economia deste país para conter a alta de preços, o que terminou ocorrendo em meados do ano com o seu aumento de 1,75% para 2%, somada ao crescimento ainda anêmico das economias da Zona do Euro, à desaceleração econômica da China e à crise da Argentina, indicavam que não se poderia contar muito com as forças da demanda externa para garantir uma taxa de crescimento para o Brasil projetada pelo governo, à época, de 3%.
Para agravar este quadro, a greve dos caminhoneiros em protesto contra os aumentos seguidos do preço dos combustíveis pela Petrobrás, iniciada no dia 21 de maio, paralisaria a economia por duas semanas, causando prejuízos irrecuperáveis para a atividade econômica e para o desempenho do PIB. Suspensa no dia 31 de maio, como resultado das negociações que foram realizadas pelo governo com os líderes dessa categoria, a normalização das atividades econômicas que foram afetadas não se daria rapidamente, ampliando os custos e os prejuízos para a economia.
Os resultados do PIB divulgados pelo IBGE para os dois primeiros trimestres do ano foram, assim, desapontadores para o governo que continuava apostando em uma taxa de crescimento de 3%: no primeiro trimestre em relação ao trimestre anterior, este não passou de 0,4%, sendo nulo (0%) no segundo trimestre. No acumulado ao longo do ano em relação ao mesmo período do ano anterior, o crescimento do PIB foi de 1,2% no primeiro trimestre e de 1,1% no segundo, indicando que dificilmente superaria a taxa de 1,1% de 2017, o que terminou se confirmando, especialmente pelo fato de estarem previstas para o segundo semestre as eleições presidenciais, as quais, pelas incertezas que provoca sobre os seus resultados e sobre os rumos da política econômica, tendem a afetar negativamente a atividade produtiva. O desemprego, por sua vez, vinha se mantendo firme na casa de 13% da população economicamente ativa (ou em torno de 25% se se considera os empregos precários e sub-remunerados).
À essa altura, com índices de popularidade que continuavam oscilando entre 3% e 5%, Temer finalmente acabou se convencendo de que não dispunha de cacife para sair como candidato à presidência com possibilidade de vitória nas eleições, e abriu mão de aventurar-se nessa batalha em que fatalmente seria derrotado. Procurou, diante disso, reescrever a história de seu mandato com o objetivo de dar-lhe cores menos sombrias que a realidade retratava e a preparar-se para se defender dos processos que teria de enfrentar com o fim de seu governo. Não escapou, contudo, de receber mais uma denúncia feita pela PGR junto ao STF, no final de dezembro, conhecido como Inquérito dos Portos, o qual o Congresso não teria tempo para avaliar, mas que teria continuidade em 2019, quando não mais contaria com o estatuto do foro privilegiado.
Especificamente no campo da economia, o maior erro de Temer para o seu projeto político de poder, foi o de acreditar, assim como Dilma em 2015, que a receita miraculosa da ortodoxia, na qual não há espaços para a população menos favorecida da sociedade – nessa visão, os pobres prejudicam a boa gestão da política econômica – e nem para o crescimento econômico se este provocar alguma fricção nas variáveis centrais da economia e prejudicar as contas públicas, comprometendo a capacidade do Estado de honrar o pagamento dos juros de sua dívida, como ensina este pensamento. Com essa crença, levou para seu governo, Henrique Meirelles, às do capital financeiro e mestre na arte de ganhar dinheiro, mas com pouca intimidade com as questões macroeconômicas, que canalizou toda a sua energia para a realização de um ajuste fiscal que, no final, não só se revelou infrutífero, dados os efeitos produzidos com a esquizofrenia da política implementada, como ainda operou como trava do crescimento. Não poderia dar certo.
Olhando pelo retrovisor, fica difícil acreditar que o otimismo imperante no País, em 2010, tenha rapidamente se esfumado e conduzido a economia, em tão pouco tempo, para o inferno da recessão e da estagnação, com a implementação de políticas econômicas equivocadas, combinadas com uma sucessão interminável de escândalos políticos, os quais contribuíram para dificultar e comprometer a formulação e implementação de um projeto que, efetivamente, criasse as condições para o crescimento sustentado da economia brasileira, viabilizando o compromisso com o processo de inclusão social. Mas, infelizmente, para a população brasileira, foi o que aconteceu. É essa história, bem como a análise de seus fatos, que se procura contar e fazer neste trabalho.
* Título do novo livro do professor Fabrício Augusto de Oliveira, Editora: Letra Capital, 2019, 230p., que pela sua importância Debates em Rede transcreve abaixo a introdução.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!