Para os que acreditam que em 2020 o Brasil vai começar a reverter o processo de recessão e de estagnação no qual se encontra desde 2014, devido às reformas que vêm sendo realizadas no governo Bolsonaro, recomenda-se prudência. De acordo com o último relatório do FMI divulgado em outubro, sobre o desempenho da economia mundial, o crescimento global foi reduzido de 3,2% para 3% este ano e de 3,5% para 3,4% em 2020. Para a América Latina, projeta-se uma taxa de crescimento bem reduzida de 0,2% para este ano e de 1,8% em 2020. O do Brasil não deve, por sua vez, ir além de 0,9% e de 2% nestes anos, prevendo-se que só em 2024 o país poderá ter condições de crescer acima de 2% ao ano.
Mais pessimista, as estimativas recentes da OCDE divulgadas em novembro apontam um crescimento da economia mundial mais reduzido de 2,9% em 2019 e 2020 e de 3% em 2021, sob a hipótese de que as guerras comerciais, principalmente entre os Estados Unidos e a China, sejam contidas, e a desaceleração da economia chinesa perca velocidade. Na América Latina, as previsões são ainda mais sombrias, estimando-se uma contração do PIB na Argentina de 2,7% neste ano e de 1,8% em 2020, enquanto para o Brasil as projeções são de expansão de 0,8% e 1,8%, respectivamente. Para um país, como o Brasil que está mergulhado num quadro de recessão/estagnação desde 2014, com mais de 12 milhões de desempregados nas estatísticas oficiais, ou com 25 milhões da força de trabalho subutilizada, não são definitivamente boas notícias.
Tais previsões mais pessimistas não surpreendem. Desde a crise do subprime (2007-2009) e da dívida soberana europeia de 2010, que enfraqueceram consideravelmente principalmente as economias desenvolvidas, com seus efeitos espalhando-se pelo resto do mundo, a retomada do crescimento, especialmente nos Estados Unidos, apoiou-se predominantemente nas política monetária e fiscal, com fortes injeções de liquidez pelos bancos centrais, taxas de juros reais negativos e expansão do crédito mais barato, de um lado para socorrer as empresas com maiores dificuldades, e, de outro, para fortalecer uma demanda exaurida.
Os Estados Unidos, por exemplo, só começaram a aumentar as taxas de juros nominais que, entre 2008 e 2015 foram mantidas no intervalo de O% a 0,25%, a partir de dezembro de 2015, diante do temor do surgimento de novas pressões inflacionárias que poderiam se acentuar com o aquecimento da atividade produtiva e a forte redução do desemprego ocorridos no país. Não se pode, assim, considerar que tenha sido uma recuperação econômica apoiada em bases sólidas, mas, como tem ocorrido no capitalismo desde as décadas de 1970 e 1980, impulsionada pela formação de “bolhas” que terminam, quando se desfazem, fragilizando o sistema financeiro e conduzindo a economia para uma nova crise.
Não sem razão, o FMI considera que uma nova crise financeira pode estar a caminho nos próximos anos, dado o elevado nível de endividamento público e privado resultante de políticas monetárias frouxas, com juros muito baixos e até negativos nos países desenvolvidos. Se é verdade que essas políticas ajudaram o mundo a sair da tormenta econômica provocada pelo subprime e pela dívida soberana europeia, também não é menos verdadeiro que, com elas, aumentou, em contrapartida, o endividamento dos governos, das corporações e das famílias, ampliando a vulnerabilidade da economia a novos choques.
Projeções realizadas pelo FMI indicam, a este respeito, que US$ 19 trilhões podem se tornar impagáveis nos próximos anos se as condições continuarem piorando e pressionando os grandes devedores nos oito maiores mercados do mundo. O que tem tudo para acontecer com a indefinição da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China e com as incertezas que permanecem sobre o brexit britânico, que só aumentam as tensões comerciais e coíbem o potencial de crescimento do mundo. Foi em virtude deste novo cenário, o qual tem piorado progressivamente, que os Estados Unidos realizou, neste ano de 2019, três cortes em sua taxa básica de juros, visando reverter essa tendência: em julho, quando a reduziu do intervalo de 2,25 a 2,5% para 2% a 2,25%; em setembro, quando a derrubou para 1,75% a 2%; e no dia 30 de outubro, com sua redução para o de 1,5% a 1,75%.
Ora, se a economia mundial começa novamente a andar para trás, incluindo, nessa caminhada, um dos principais parceiros comerciais do Brasil, a Argentina, com um desempenho ainda mais catastrófico, por que acreditar que o Brasil vai rumar em direção contrária, quando praticamente só conheceu taxas mais elevadas de crescimento em situação de bonança internacional? A razão apontada pelos analistas do mercado e pelos áulicos do governo que também desfrutam de suas benesses, é a de que as reformas iniciadas com o governo Temer e continuadas no atual governo Bolsonaro estão destravando o crescimento econômico e permitindo ao país reingressar numa trajetória de crescimento sustentado. Uma falácia.
Até onde a vista alcança, as reformas aprovadas e as anunciadas pelo governo têm, como principal objetivo, resolver a questão fiscal e avançar no desmonte do Estado para satisfazer o mercado e libertar o espaço no orçamento, visando garantir recursos para a remuneração da riqueza financeira. É o caso da emenda do teto dos gastos e da reforma previdenciária e das que ainda estão em curso, como a emergencial, a administrativa e a do pacto federativo. Nenhum projeto de crescimento consistente foi, até o momento, com elas integrado. Vende-se apenas a ideia de que, reformando e saneando financeiramente o Estado, os investimentos naturalmente retornarão e, com ele, o crescimento. Uma embromação, numa economia com tantos problemas estruturais como a brasileira, e como se o empresário tivesse como único farol para tomar decisões sobre investimentos a situação financeira do governo e não levasse em conta outros fares locacionais.
Na verdade, pelo seu conteúdo, em seu conjunto, essas reformas são altamente prejudiciais para o crescimento por enfraquecerem a demanda das famílias e do governo, com impactos negativos sobre os próprios investimentos, que não têm demonstrado, pelo menos até o momento, reação positiva relevante à sua aprovação, num quadro em que a indústria opera com apenas 75% da capacidade instalada.
Ora, se os motores do crescimento se encontram praticamente desligados, não existe nenhuma razão para se empolgar com o crescimento de 0,6% do PIB no terceiro trimestre deste ano em relação ao trimestre anterior divulgado pelo IBGE e de que o mesmo apenas confirma as previsões mais otimistas do governo e do mercado e de que este será mantido em função dos resultados dessas reformas.
Puxado principalmente pelo consumo das famílias, que cresceu 1,9%, explicado pela baixa inflação, a queda da taxa de juros Selic, a menor taxa de desemprego e a liberação de recursos do FGTS, o que levou imediatamente várias instituições a reverem as estimativas de crescimento do Brasil para 1% a 1,1%, em 2019, e 2% a 2,3%, em 2020, não há nada no cenário – externo e interno - que garanta a continuidade e sustentação dessa recuperação para uma trajetória de maior crescimento. Este, até pode, pelas novas projeções, avançar para o patamar de 2017-2018, de 1,1%, mas o mais certo, dado o quadro externo e o imobilismo da política econômica ortodoxa para efetivamente destravar os caminhos do crescimento, é que pode não passar de um novo “voo de galinha” e que o país continue prisioneiro da armadilha do processo de estagnação da qual não tem conseguido escapar desde 2015.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
Não há comentários postados até o momento. Seja o primeiro!