Nos subterrâneos do Congresso, a preocupação, neste momento, entre os 594 parlamentares e os 32 partidos representados no Parlamento, é com a divisão do bolo de recursos públicos destinados ao Fundo Eleitoral pela Lei Orçamentária Anual (LOA), para a campanha de 2020; e com o aporte financeiro para as emendas parlamentares que, impositivamente, devem ser liberadas pelo Executivo.
A Lei Orçamentária foi prevista para ser votada, em plenário, na terça-feira (17), no penúltimo dia de sessões ordinárias do Legislativo em 2019.
O governo ainda tem alguns projetos em tramitação que gostaria de ver aprovados. À busca de votos, aciona discretamente o velho mecanismo de premiar parlamentares, bancadas ou partidos com a inclusão de suas pretensões particulares no orçamento da União ou a liberação imediata do dinheiro das emendas individuais. Há quem chame este momento de “a hora da chantagem”. Cada parlamentar, dos vinte mais influentes à ponta do “baixo clero” todos tem seu voto supervalorizado.
Por isso, antes de fechar a pauta de votação com as prioridades do Executivo, há sempre um encontro com as lideranças partidárias, das bancadas e até com alguns parlamentares para tratar desses interesses pulverizados. Não é mais uma discussão de “troca de farpas”, mas de “beijin...beijin!”. É uma reunião da qual todos esperam sair ganhando.
Tudo é feito com muito graça, como uma troca de presentes: um pouco de ansiedade mas, descontraidamente, como se fosse ali um jardim da infância. É preciso obter a simpatia dos colegas para incluir no Orçamento as reivindicações individuais. Foi nesse momento que surgiu um grupo de 37 congressistas brasileiros que, no final dos anos 80 e início dos anos 90 , se envolveram em fraudes com recursos do Orçamento, até serem descobertos. Foram chamados de "anões", pelo fato de que os principais envolvidos eram parlamentares sem muita expressão política. Não é verdade: havia peixe grande. Houve uma morte e dezoito foram cassados.
O escândalo dos ”anões do orçamento” se deu mais em cima das emendas parlamentares. São propostas por meio das quais os deputados e senadores podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que eles assumem durante o mandato, a maioria inconsequente, e que o Tesouro termina tendo de bancar. O Senado deu o aval final para a prática, aprovando, recentemente, por 51 a 2, proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera a regra do repasse do dinheiro das emendas parlamentares individuais permitindo a transferência direta, mediada pelo parlamentar, dos recursos para estados e municípios, independentemente da celebração de qualquer convênio. Pelo sistema de emendas – prerrogativa ou privilégio? - parlamentares podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram com o eleitorado, a maioria demagógicos e inconsequentes. Mas o Tesouro termina tendo de bancar.
Para as emendas dos partidos, todos enrolados na Justiça Eleitoral, desta vez , contudo, mesmo com a prática ainda não totalmente extirpada, o risco é menor, porque o Supremo Tribunal Federal, desautorizando o Superior Tribunal Eleitoral e o Tribunal de Contas da União, suspendeu a necessidade da prestação de contas imediata do dinheiro recebido do Fundo Partidário. Por iniciativa (e risco) própria, os parlamentares, aumentaram o volume de recursos de R$ 1.8 bilhão para R$ 3,8 bilhões, dinheiro consignado no Orçamento, e que não deixa margem para o governo mexer, pois já está incluído no PLN 22/2019, aprovado na Comissão Mista de Orçamento (CMO).
O projeto da Lei Orçamentária de 2020 recebeu 8.934 emendas geradoras de novas despesas. Foram 8.341 individuais e 593 coletivas. Todas propõem, casuisticamente, gastos em áreas indicadas pelos parlamentares, fragilizando o planejamento centralizado no Executivo para o processo de desenvolvimento. No total, as emendas introduzem R$ 70,8 bilhões em gastos no próximo ano. Parte desse montante, entre individuais (de deputados e senadores) ou coletivas (de bancada estadual), terão execução obrigatória. São impositivas. Quem introduziu isso foi o Eduardo Cunha. É onde se dá o “troca-troca”. O resto dependerá de condições fiscais e políticas, entre outras, para sair do papel ou da boa vontade do Executivo.
Os últimos presidentes da República se deram mal negociando apoio no Congresso a inclusão no projeto de execução orçamentária de recursos para as emendas parlamentares, de governadores e prefeitos como prioridades locais e regionais. Os vícios estão espalhados e descaracterizados. Hoje até deputados estaduais desfrutam desse privilégio junto ao Orçamento da União. É o regime federalista. As emendas parlamentares são uma festa. O deputado pode fazer o que o que quiser com o dinheiro, considerado, a seu critério, o espírito público.
Apesar da impopularidade dos parlamentares (96%) de verdade, o processo é uma “faca de dois legumes”. Os tecnocratas, engaiolados na Esplanada dos Ministérios, propõem, por métodos próprios, ações em todo território nacional. As prioridades são estabelecidas em averiguações, análises gestoras frágeis e até por amostragens. Nem sempre do 8º andar do Ministério da Fazenda (Planejamento) se consegue ver uma ponte no município lá do interior do Mato Grosso da qual dependem os estudantes para chegar à escola à pé; ou uma estrada municipal para escoar a mirrada produção local; ou a falta de um pequeno posto de saúde para atender à população isolada. As emendas parlamentares são reconhecidas como voltadas para isso. Mas tem partidos e deputados que aplicam o dinheiro em festas, time de futebol, financia construções ornamentais e até obras que valorizam propriedades suas ou de amigos.
*Jornalista e professor
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