Guilherme N. de Lacerda *
O governo estadual lançou em novembro de 2019 em um evento concorrido, o “Programa de Concessões e Parcerias do Espírito Santo”. A iniciativa veio em boa hora, perante a aguda necessidade de se ter investimentos estruturais para o desenvolvimento econômico do Estado.
O ES vive atualmente uma situação peculiar, com duas realidades distintas: de um lado, as contas estaduais possuem uma situação fiscal-financeira sob controle e com resultados totalmente distintos dos demais estados brasileiros. De outro lado, um pífio desempenho econômico, o qual apresentou nos últimos anos resultados deficientes e com alta oscilação, derivada tanto da crise nacional e do comportamento da economia mundial, como também sendo fruto da própria estrutura de sua economia.
No polo positivo tem-se a situação fiscal-financeira do Estado. Ela é um destaque favorável para a atração de investidores. Pelo 7º ano consecutivo o ES mantém a nota A em termos de suas finanças públicas, segundo classificação da Secretaria do Tesouro Nacional. A decisão de se constituir um fundo soberano com a proteção de um montante expressivo de recursos públicos para a construção de bases sólidas no futuro é uma marca desta situação favorável, especialmente nestes tempos bicudos de crise que vivemos.
É compreensível o entusiasmo do governador Casagrande ao falar sobre o tema. Mas é indispensável que este Fundo não seja apenas uma apólice de seguros com ganhos atraentes para os gestores financeiros. É necessário que os recursos possam ter aplicações com rigor técnico (segurança, liquidez) para assegurar benefícios sociais futuros às gerações que virão.
No âmbito da sua economia o ES sofre impactos fortes derivados dos desdobramentos conjunturais ocorridos no País e no mundo nos últimos anos. O Estado é um dos que possuem elevado grau de abertura econômica, ou seja, ele tem um nível de vinculação com a economia externa muito alto.
A abrupta queda dos preços das commodities – especialmente o petróleo e o minério de ferro - impactou diretamente o desempenho econômico estadual. Soma-se a este dado, a paralisação das atividades da SAMARCO em novembro de 2015, a alteração na incidência tributária sobre as importações, decidida pelo Senado em 2013, atingindo frontalmente o FUNDAP (modalidade de incentivo em vigor desde início dos anos 1970 e que era um pilar para o complexo importador do estado) e os reflexos da forte seca que atingiu o centro e o norte do estado.
Como consequência, o resultado do desempenho da economia estadual nesta segunda década do século XXI é ruim, ficando até mesmo aquém dos baixos índices de crescimento da economia nacional. Os dados mostram que a participação da economia capixaba no todo nacional minguou de 2,4% em 2011 para 1,7% em 2017. Em 2018 esta diferença é atenuada, com o desempenho econômico estadual superior ao nacional (2,4% versus 1,3%). No corrente ano (2019) a recuperação verificada continua sendo modesta, tal como ocorre no restante do País.
A situação salutar das finanças públicas estaduais foi conquistada com a contenção do investimento público e este fator também contribuiu para o baixo desempenho da economia estadual. No quadriênio 2015-2018 a taxa de investimento anual média do estado em comparação com a sua Receita Corrente Líquida foi de apenas 5,8%; no quadriênio anterior, de 2011-2014, este percentual foi de 13,1%. Completa o quadro delicado da dinâmica econômica estadual as profundas dificuldades que os municípios enfrentam para cumprir suas obrigações legais. As fortes quedas das transferências federais e estaduais espremeram as gestões municipais, não sobrando espaço para os investimentos que as localidades tanto precisam.
Diante destas duas situações tão díspares, o foco principal que deveria unificar todas as lideranças políticas, empresariais, de trabalhadores e das corporações seria o de se marchar em direção a uma diminuição da dependência do Estado em relação às ações federais. É evidente que o desenho federativo brasileiro restringe demasiadamente a autonomia de estados e municípios. Mesmo ciente das amarras impostas às autoridades locais para governarem com mais desenvoltura, a busca de uma menor dependência federal não deve ser colocada em 2º plano, pois há espaços a serem ocupados como, por exemplo, a administração do porto público de Vitória, dentre outras possibilidades. Aqui, vale realçar o movimento que, atualmente, os estados do Nordeste fazem para atuarem em conjunto, com vistas à implantação de projetos econômicos e sociais.
A realidade atual da economia brasileira e sua forma de inserção na economia mundial determinam uma inexorável necessidade de se fortalecer a atuação dos governos subnacionais nas diferentes economias regionais do País. As manifestações belicosas e erráticas de autoridades federais no trato de questões internacionais de primeira importância para o País inibem a disposição de investidores e afetam os fluxos turísticos e de intercâmbios sociais e educacionais. Nestas circunstâncias, a atuação transparente somada à sensatez e a um estilo sóbrio e objetivo de lideranças estaduais é fundamental para o Estado demonstrar os seus diferenciais positivos e retomar sua trilha de crescimento com justiça social.
Por isso mesmo, será frustrante se os anúncios de iniciativas para desamarrar restrições da infraestrutura e dos serviços públicos não venham a ser seguidos por medidas concretas que repercutam diretamente nas iniciativas do setor privado.
O Estado tem muito atrativos para a realização de investimentos, mas também tem gargalos reais que não podem ser escamoteados. As deficiências logísticas do Estado com o restante do País e mesmo a integração entre as próprias regiões do estado são notórias. Há vários anos anuncia-se avanços para a duplicação de rodovias e a extensão ferroviária para o sul, de forma a integrar o Estado com uma mancha econômica maior e mais diversificada. Porém, os tempos passam e pouco acontece. O mesmo pode-se dizer da falta de um porto moderno e estruturado para cargas gerais. Este aspecto, inclusive, foi reconhecido no evento pelo próprio governador como sendo o ponto mais deficiente de nossa base econômica. Já passa da hora de se ter uma solução para este imbróglio, tal como se deu de forma exitosa para o aeroporto.
O governo estadual deveria também destacar como um ponto principal de sua atuação a busca de um fortalecimento dos núcleos de pesquisa e desenvolvimento. Houve avanços, com ampliações de cursos e qualidades de pesquisas derivadas de núcleos federais aqui implantados e também de centros de ensino privados. Mas ainda estamos em estágios rudimentares, diante da realidade internacional. O papel do governo é acicatar a interlocução destes núcleos de pesquisa e inovação com os empreendedores privados, de forma a se caminhar para uma diversificação da economia estadual.
Assim, o esforço de atrair parceiros para deslanchar projetos de infraestrutura e de prestação de serviços à coletividade é indispensável. A favorável situação fiscal permite ao Estado desenhar alternativas de atuação conjunta com os parceiros privados e, com isso, alavancar projetos estruturantes, tanto para infraestrutura econômica como para as políticas sociais. O lema, nesta dimensão deve ser o de se “fazer mais com menos”, com priorização naqueles investimentos que tenham maior impacto na geração de emprego e na geração de benefícios sociais.
Enfim, estes são os parâmetros mais gerais que estão associados ao esforço de recolocar a economia capixaba em uma trilha de desenvolvimento.
Na sequência deste primeiro texto, faço, num segundo artigo, um registro de sugestões a serem consideradas para que as proposições anunciadas pelo governo estadual se tornem realidade.
*Guilherme Narciso de Lacerda. Professor do Departamento de Economia da UFES (aposentado). Mestre e Doutor em Economia (USP e UNICAMP).
** Uma primeira versão deste artigo foi publicada em Séculodiario.
Nota da Redação: Foto baixada da internet, palestra do Prof. Orlando Caliman.
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