Guilherme N. de Lacerda (*)
No Brasil, os tempos e as exigências burocráticas para estruturar projetos de PPP’s (concessões especiais e comuns) revelam-se maiores do que em outras paragens. Ademais, há um elevado percentual do número de projetos públicos iniciados que não chegam ao final. As exigências processuais dificultam a preparação dos projetos; muitos não conseguem chegar até a licitação, ou quando esta ocorre há questionamentos administrativos ou judiciais. Mesmo assim, os governos subnacionais implantaram de 2006 até 2018 um total de 108 PPPs (concessões especiais).
Um dos aspectos que precisa ser aperfeiçoado na estruturação de projetos de concessões refere-se à atuação dos órgãos de controle e suas relações com as unidades proponentes dos certames licitatórios.
Nestes termos, o evento estadual que apresentou o programa de parcerias estaduais teria ganhado muito se também tivesse levado para a exposição pública a concepção e a linha de atuação dos atores do Tribunal de Contas estadual e do Ministério Público. Vale lembrar que um dos pontos do relatório do Deputado Arnaldo Jardim recém apresentado para uma ampla revisão da legislação nacional das PPPs é o de que os Tribunais de Contas terão prazo de 120 dias para se manifestarem (com possível prorrogação), deixando de ser um prazo em aberto, como é hoje.
O programa coordenado pelo BANDES abre a possibilidade para a iniciativa privada propor projetos e, com isso, abreviar tempos de tramitação até os certames licitatórios. Esta possibilidade está na legislação brasileira, mas, de fato, não tem sido acionada com eficácia para a implantação de projetos.
Os setores citados como prioritários para a realização das parcerias são relevantes para elevar a economia capixaba a um patamar mais moderno e integrado. A lista de projetos, com o lançamento de chamamentos públicos ou com propostas iniciais já apresentadas, contempla vários setores e tomara que saiam do papel. Estão incluídos a destinação para a gestão privada de terminais de ônibus intermunicipais, centro de convenções e feiras, central de abastecimento, mini-usinas solares, redes de alta velocidade de comunicação de dados, fornecimento de alimentação às unidades prisionais, dentre outros.
A constituição de um fundo garantidor, com o aporte inicial de R$20 milhões para atender a necessidades de garantia pública no caso da formalização de concessões especiais (PPPs) é um diferencial positivo que também favorece a uma boa ambiência institucional.
As condições para o arranque de ações efetivas estão bem definidas. Mas é fundamental que as favoráveis expectativas ora lançadas tenham consequência, com atitudes governamentais ágeis e transparentes.
Descrevo, a seguir, algumas considerações sobre o Programa estadual apresentado.
Ressarcimento de despesas pela estrutura inicial de projetos
Um aspecto que não está contemplado no Programa e que restringe a proposição de projetos por iniciativa do mercado é a possibilidade de se ter o ressarcimento das despesas incorridas na estruturação das propostas. Esta possibilidade está presente em várias legislações internacionais. A legislação federal brasileira também contempla esta alternativa. Ela está contida no Decreto Lei 8.428/15, ao regulamentar o teor do artigo 21 da Lei 8.987/95 (concessões comuns) e o artigo 3º, caput e parágrafo 1º da Lei 11.079/04 (concessões especiais). O Decreto 10.104 do corrente ano que também trata do tema manteve a possibilidade. Seria conveniente que o Programa reavaliasse esta ausência.
Parceria do BANDES com os Municípios para estruturar projetos
A manifestação feita de que será organizada uma plataforma para apoiar os municípios na estruturação de projetos de concessão e PPPs é de suma importância. O valor dado ao assunto pelos organizadores foi evidenciado pelo convite feito ao Prefeito de uma cidade mineira de 25 mil habitantes, o qual expôs sua experiência para colocar de pé uma PPP de iluminação pública acoplada a serviços próprios do que se passou a chamar de “cidades inteligentes”.
A legislação atual permite que sejam feitos contratos de longo prazo, a partir de um valor mínimo de R$ 10 milhões. Há várias propostas no legislativo para se reduzir ainda mais este piso. Independente desta possível redução, o valor atual já permite estruturar projetos para a grande maioria de municípios, pois os prazos dos contratos são longos, normalmente acima de 20 anos. Portanto, o banco de desenvolvimento estadual tem o formidável desafio de demonstrar para as municipalidades capixabas que preparar projetos e assinar contratos de concessão não será mais um “bicho de sete cabeças”, como foi até agora.
Iluminação Pública
Há várias atividades públicas de responsabilidade das Prefeituras que podem ser priorizadas. Destaca-se aqui os serviços associados a iluminação pública das cidades. Vários municípios brasileiros já estão fazendo seus projetos. Há um reconhecimento geral de que organizar um projeto de longo prazo, passando a gestão integrada para empresas qualificadas traz benefícios para os munícipes, com custos mais baixos e qualidade melhor de serviço favorecendo as ações de segurança pública, de cultura, lazer e turismo.
No Espírito Santo, os municípios de Vila Velha e depois o de Cachoeiro do Itapemirim saíram na frente na modelagem de suas PPPs de iluminação pública. O governo do estado deveria organizar o programa “ES iluminado”, para auxiliar a estruturação de projetos municipais (isolados ou em consórcios), de forma que os estudos preparatórios até a licitação ficassem mais acessíveis às administrações municipais, tal como já estão fazendo a Caixa Econômica Federal e o BNDES. O desafio maior é esclarecer à sociedade e aos vários grupos políticos paroquiais que as comunidades têm muito a ganhar com um programa deste tipo.
Gestão dos resíduos sólidos urbanos
Outra área de primeira importância para a população refere-se à gestão dos resíduos sólidos urbanos (RSU). A Lei 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu os parâmetros técnicos a serem atingidos e os tempos para que os municípios se adequassem. As dificuldades de cumprimento da referida Lei têm levado a sucessivas prorrogações. Apesar da maioria dos municípios capixabas estarem destinando seus RSU para aterros controlados, há necessidade de aprimoramentos efetivos para se atender à legislação, no que tange à separação do material, articulação com os grupos sociais envolvidos nas coletas seletivas e o devido tratamento do material com a geração de energia. Estas atribuições são de responsabilidade dos municípios, mas o governo do estado pode e deve atuar na organização de uma estratégia para reduzir custos (transbordo, transporte e tratamento), e agilizar implantações de equipamentos.
Mercados Municipais e Centros de gastronomia/lazer
Uma outra linha de ação que poderia ser estimulada pelo governo estadual para estruturar projetos junto com os municípios refere-se a construção e gestão de mercados municipais para serem pontos de abastecimento de gêneros alimentícios da região e serem ao mesmo tempo pontos de atração turística, tal como ocorre no mundo inteiro. É triste ver, por exemplo, que um município como Vila Velha não possui este equipamento. Estes projetos têm inteiras condições de serem concedidos à gestão privada, gerando receitas, empregos, tributos e bem-estar à coletividade. Para os mais resistentes, recomenda-se que conheçam o programa que o governo do Piauí está conduzindo nesta área.
Saneamento básico
Este é o setor que está mais atrasado no Brasil e é o mais relevante. Felizmente, neste quesito o ES tem bons projetos para mostrar que as coisas saíram do papel, apesar das deficiências ainda visíveis. As PPPs de Serra e de Vila Velha são realidade e a de Cariacica/Viana deverá ser licitada no início do próximo ano. A apresentação do plano de negócios da CESAN mostrou as frentes de ação em andamento. Segundo seu Presidente, será possível que o ES atinja (nos 52 municípios que atende) os níveis de tratamento de esgotos exigidos, dentro do prazo que deverá ser estabelecido no novo marco regulatório para o setor. Será auspicioso que os demais municípios que administram diretamente os serviços de água e esgoto também avancem nesta direção. Cada caso é uma realidade, mas não se deveria negligenciar no exame dos prós e contras de parcerias com gestores privados ou ainda a construção de consórcios públicos. O bom exemplo de Cachoeiro de Itapemirim, que inovou nesta questão há vários anos, está aqui mesmo no estado para ser conhecido.
Equipamentos de turismo
Nos projetos associados a turismo foi anunciado a autorização para o desenvolvimento de um estudo sobre uma marina no município de Vila Velha. Se de fato a proposta vingar e levar a uma efetiva parceria por concessão, ele será um divisor de águas para a indústria do turismo do município. Foi anunciado também que deverá ser concedida a administração do parque de exposições localizado na Serra. Falta o governo estadual priorizar o esclarecimento à sociedade sobre a situação do Cais das Artes. O que se planeja fazer? Quais as alternativas para superar os obstáculos judiciais que impedem a conclusão do projeto? A população não sabe. É nestes casos de difícil solução que deveria ser aberto um debate com a sociedade e construir uma solução em parceria. O que não se justifica é o tempo passar e os conflitos predominantes paralisarem os gestores em posições de conforto, e apenas denunciar o passado.
Mobilidade urbana e integração rodoviária estadual
Por fim, levanto algumas questões associadas a dois temas que ficaram à margem da apresentação do Programa de Parcerias. Trata-se da mobilidade urbana e da malha rodoviária estadual. Não restam dúvidas de que a mobilidade na região metropolitana de Vitória (RMGV) apresenta uma sofrível qualidade. Esta qualificação abarca a locomoção de pessoas – em transporte público ou individual - e de mercadorias. O baixo padrão da mobilidade na RMGV rebate diretamente em custos mais elevados das atividades produtivas em geral e em degradação de bem-estar da população. As intervenções estruturantes foram acanhadas e os principais gargalos persistem há anos.
Foi aventado que o governo estadual estaria estudando um sistema de integração por meio de um meio de transporte de média capacidade, a exemplo de um monotrilho tipo “skyshuttle” (com exigência menos impactante de obras e desapropriações), interligando o município de Serra até o centro ou a atual rodoviária de Vitória. Pouco se sabe o que de fato existe e o Programa de parcerias era uma oportunidade para mostrar o que se pretende nesta área.
Da mesma forma, de tempos em tempos anuncia-se alternativas para melhorar a integração dos municípios ao sul do continente com a capital. Vez ou outra ganha destaque na mídia uma proposta e depois, aos poucos, ela é abandonada, como é o caso de novas ligações por ponte ou túnel, ampliação da capacidade da terceira ponte e o aquaviário. Já passa da hora de ir além dos anúncios soltos e abrir um debate técnico objetivo e transparente sobre as alternativas. É certo que, mais cedo ou mais tarde, estes desafios terão de ser enfrentados, indo além das resistências de muitos a qualquer proposta, mesmo sem conhece-la.
O programa passou ao largo do tema. A propósito, recomenda-se que se conheça as ações que estão sendo empreendidas em Salvador nesta área. No corrente ano já foi licitada uma moderna linha metroviária, tipo monotrilho, para atender a uma região de subúrbio dependente de uma antiquada linha ferroviária. E está pronta para ser licitada a concessão, em regime de PPP, de uma ambiciosa ponte ligando o centro da capital baiana à ilha de Itaparica.
Em termos de integração rodoviária dos municípios capixabas a sugestão é abrir o debate para modernizar/duplicar trechos de estradas estaduais por meio de concessões administrativas (as receitas pagas diretamente pelo governo estadual) ou concessões patrocinadas (com receita parcial do poder concedente e parte dos usuários). Esta frente de ação permitiria que o estado como um todo se integrasse e corresponderia a um diferencial a mais para a instalação de projetos privados em regiões que hoje ficam excluídas do desenvolvimento concentrado às margens das duas rodovias federais que cortam o Espírito Santo. Evidentemente que cada caso deveria ser examinado com rigor técnico e transparência, com aferição objetiva dos benefícios econômicos e sociais.
Enfim, há muito a fazer e o programa de parcerias apresentado é alvissareiro. Há bons exemplos de programas de concessões e PPPs em outros estados, já em estágios mais avançados. As condições financeiras favoráveis do Espírito Santo foram arduamente construídas e saber tirar proveito das oportunidades atuais é o desafio que se coloca para os gestores públicos e as lideranças estaduais. Um fator indispensável para o sucesso é que o governador Casagrande chame a si a coordenação direta de todo o processo e impeça que disputas e divergências interna corporis travem os avanços estruturantes que o estado tanto precisa.
Guilherme Narciso de Lacerda. Professor do Departamento de Economia da UFES (aposentado). Mestre e Doutor em Economia (USP e UNICAMP).