Por Erlon José Paschoal *
Neste final de ano tive o prazer de ser agraciado com o título de “Honra ao Mérito”, pela Câmara de Vereadores de Vitória, na sessão solene em homenagem ao "Dia Internacional dos Direitos Humanos", proposta pelo vereador Roberto Martins, em função de meus trabalhos em prol dos Direitos Culturais, no Espírito Santo e no Brasil.
Fiz na ocasião uma abordagem sucinta da trajetória dos Direitos Culturais no Brasil, dando uma ênfase inicial à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 10 de Dezembro de 1948, que considerou os Direitos Culturais “como indispensáveis à dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade”. No Brasil, a Constituição de 1988 foi mais adiante e detalhou o que viriam a ser estes tais Direitos Culturais, que muitas vezes se prestam a incompreensões ou a interpretações equivocadas, talvez por irradiarem um caráter simbólico e aparentemente abstrato. Em seu artigo 215, a referida Constituição estabelece que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. E o artigo 216 explicita o significado de “patrimônio cultural brasileiro” que se compõe de “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto”.
Estes dois artigos e seus respectivos parágrafos deixam mais claras as especificidades dos Direitos Culturais, do que se constituem e quais são as obrigações do Estado para a sua manutenção, o seu fomento e as suas formas de gestão. Com a finalidade de oferecer cada vez mais ordenamentos jurídicos a estes direitos, o Minc incluiu através da PEC 48 de 2005, a necessidade de se estabelecer e seguir um “Plano Nacional de Cultura”, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público”. O objetivo era que os três entes federados implementassem políticas culturais integradas e conjuntas. Visando ao aprimoramento deste processo, em 2012 o MinC propôs a PEC 71 incluindo no artigo 216 o “Sistema Nacional de Cultura”, “organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, instituindo um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais”. Desse modo, os Direitos Culturais foram melhor detalhados e dotados de um arcabouço jurídico constitucional amplo, a fim de se garantir a sua plena execução pelos futuros governos, independentemente de seu partido ou de sua ideologia.
Todo este processo se reveste de uma importância ainda maior se considerarmos o momento difícil do país governado atualmente por milícias fundamentalistas, que desprezam os Direitos Humanos e perseguem a Cultura, a Educação, a Arte e tudo o que diz respeito ao conhecimento e ao exercício do senso crítico e da cidadania. Vivemos hoje no Brasil, segundo alguns analistas, um fascismo neoliberal que “mistura ortodoxia econômica, militarismo, desprezo pelas instituições e as leis, supremacia branca, machismo, ódio aos intelectuais e amoralismo”. E neste contexto, o repúdio à Constituição e o desprezo aos Direitos Culturais está se tornando uma marca do governo de milicianos da pior espécie que tomaram o país de assalto. Um bom exemplo deste desmanche foi a extinção imediata do MinC, e a nomeação de pessoas completamente despreparadas, racistas, homofóbicas, fascistoides, fundamentalistas, canalhas e sórdidas, escolhidas para comandar as instituições culturais federais.
Apesar do momento festivo na Câmara dos Vereadores de Vitória, há muito pouco para se comemorar no Brasil, seja no tocante aos Direitos Humanos, seja sobretudo no que diz respeito aos Direitos Culturais. O país andou para trás, por isso é preciso lutar com mais intensidade para reconquistarmos o que aparentemente já estava assegurado, e irmos adiante, superarmos ainda mais obstáculos para construirmos um país mais justo, mais íntegro, com Direitos Culturais assegurados e direitos iguais para todos.
* Gestor Cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão