Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Com o aplauso histérico e cego dos bolsonaristas e a cooptação de várias instituições que deveriam ser responsáveis por manter as conquistas do Estado de direito, Bolsonaro segue firme no seu objetivo de destruir o país. Depois das bombas lançadas nas diversas áreas sociais, no meio-ambiente e nos direitos das minorias, por meio de uma equipe escolhida a dedo entre o que há de maior atraso no país, sua artilharia começou a voltar-se, principalmente desde que seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, viu seu nome envolvido em investigações a respeito do esquema conhecido como “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, para a desmontagem dos órgãos encarregados de fiscalizar, investigar e punir crimes cometidos principalmente pelos cidadãos mais poderosos econômica e politicamente, casos do Ministério Público, do Coaf, da Receita Federal, da Política Federal e da Procuradoria Geral da República.
Para isso, passou a contar com o apoio decisivo de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que, incomodados com a forma das investigações conduzidas por estes órgãos, cuidaram de contribuir para desidratá-los jurídica e operacionalmente, nem sempre, no entanto, é bom ressaltar, contando com o apoio unânime de seus pares. Entre as medidas aprovadas e as apenas sugeridas e tentadas para essa finalidade, figuram a proibição da prisão em julgamento de segunda instância; o estabelecimento de limites para a atuação desses órgãos; a necessidade de obterem autorização judicial para essas investigações; a transformação de crimes comuns praticados por cidadãos políticos privilegiados em crimes eleitorais cuja investigação passou a ser de responsabilidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que não possui estruturas para a análise e julgamento destes processos e, quando isso ocorre, as penas são mais brandas, para ficar com algumas. Afinal, como fica claro com muitas dessas medidas, a lei não foi feita para atingir nem seus criadores, nem seus guardiões!
Apesar de algumas vozes dissidentes, o STF tem sido exemplar na defesa dos direitos das minorias e dos costumes, contrariando as ordens emanadas do presidente da República para enquadrar e punir os que divergem de seu pensamento e de sua ideologia retrógrada sobre o mundo civilizado. É o caso, por exemplo. da aprovação da medida que permite a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, da criminalização da homofobia e transfobia, da liberação da união homoafetiva, desagradando tanto o presidente da República quanto os setores conservadores e reacionários, embora, contrariando seu papel, o STF tenha, por meio de ato de seu presidente, Dias Toffoli, censurado as críticas feitas à instituição.
O mesmo não se pode dizer, contudo, sobre a interpretação das leis que tratam principalmente de crimes de corrupção e do colarinho branco, ou seja, que envolvem setores poderosos econômica e politicamente. Nessas, as decisões do Supremo, quase sempre decididas por maioria apertada, têm se mostrado altamente camaradas com os acusados e condenados, deixando ou criando brechas para mantê-los em liberdade e reforçando a visão da sociedade, em geral, sobre a preservação de mecanismos no campo jurídico que garantem sua impunidade. É o caso, entre outras decisões, da proibição da prisão em segunda instância, da transferência para o Tribunal de Justiça Eleitoral (TSE) de outros tipos de crimes conexos com o eleitoral. e a determinação de que os réus delatados têm o direito de responder após os delatores na fase das alegações finais. São todas medidas que no mínimo postergam o início da execução da pena ou jogam para as calendas gregas a finalização do processo, dada a morosidade das instâncias superiores do judiciário nos seus julgamentos, que terminam desaguando na sua prescrição.
Bolsonaro foi eleito, comprometendo-se, entre outras pautas conservadoras, em dar continuidade à luta sem trégua contra a corrupção, escalando como ministro da Justiça, em seu governo, o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, para convencer a população da seriedade de sua proposta. No seu primeiro ano de governo, acabou não dando a menor importância para essa questão e deixou Moro lutando sozinho contra o Congresso que busca proteger os parlamentares da casa de eventuais punições; a OAB, que defende, no interesse de seus representados beneficiados com ganhos elevados em processos mais complexos e alongados para a condenação de seus clientes; contra setores governamentais metidos em trapaças e atos ilícitos; e até mesmo juízes do STF que parecem mais interessados em manter o status quo atual do que em aprovar uma legislação mais rigorosa para os crimes cometidos pelos setores mais poderosos do país.
Se, na área dos costumes e do combate à corrupção, o governo Bolsonaro tem lançado o país no mundo das trevas, contando com a conivência de várias autoridades e o aplauso dos conservadores mais reacionários e do andar de cima da população, também no caso da economia a situação não tem sido diferente, apesar de louvado pelo mundo dos economistas financistas, da mídia que se guia apenas pela opinião do mercado e pelos setores econômicos que se beneficiam de sua política predatória. Com o comando da economia entregue a um fervoroso adepto do pensamento neoliberal, cujo objetivo prioritário é o de sanear financeiramente o Estado, poupando os ricos de seus custos, não se pode contar muito com o crescimento econômico para esvaziar a fila do desemprego, assim como é certo que devem aumentar – como está ocorrendo – a população abaixo da linha da pobreza e as desigualdades no país.
A polarização política que se acentuou no país, especialmente com as denúncias de corrupção envolvendo quadros importantes do Partido dos Trabalhadores e após o mergulho da economia no processo de recessão/estagnação desde 2014, tem levado, além dos que esposam a visão neandertalizada de Bolsonaro (comparação que para muitos denigre a imagem do homem de Neandertal), muitas pessoas e indivíduos até bem formados se esquecerem ou perdoarem os erros do governo, defendendo suas ações, para não serem vistos como pertencendo ao “outro lado” como se o mesmo não fosse passível de críticas – ou seja, que fosse de fato um “Messias” e não apenas no nome – e essas não fossem importantes para a correção de rumos de uma política que está conduzindo o pais para o desastre. Uma insensatez.
Em um país em que a população se encontra “doente” enxergando o “bem” no “mal” e renuncia à crítica para não dar força ao “outro lado” como se não existissem alternativas entre duas posições extremadas, o fato é que ela própria está contribuindo, com essa postura, para fortalecer o projeto de destruição de seus valores democráticos e de sua economia. Uma cegueira que pode cobrar um preço muito alto.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista da Rede em Debates e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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