Por Fabrício Augusto de Oliveira*
No encontro anual do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, iniciado no dia 20 de janeiro, a Oxfam divulgou um novo relatório sobre o avanço da desigualdade no mundo com o objetivo de chamar a atenção para a perda de controle sobre essa questão e os riscos que a mesma representa para a reprodução do sistema capitalista. Os números apresentados pela Oxfam impressionam pelo nível de desigualdade atual, considerado um dos piores de todos os tempos.
Apoiada em dados publicados pela revista Forbes e o banco Crédit Suisse, a pesquisa da Oxfam constata que apenas 2.153 bilionários do mundo contavam com mais dinheiro do que 60% da população mundial, o equivalente a 4,6 bilhões de pessoas. Por outro lado, a riqueza do 1% da população mais rica do mundo correspondia a mais que o dobro da riqueza acumulada dos 6,9 bilhões de pessoas menos ricas, ou seja, de 92% da população mundial. Embora a metodologia utilizada na pesquisa pela Forbes e pelo Crédit Suisse tenha sido criticada por alguns economistas, os resultados não devem se afastar muito da realidade e apenas confirmam o avanço inexorável da desigualdade como apontado nas pesquisas sobre o tema, em especial no trabalho de Thomas Piketty, “O capital no século XXI”.
A pesquisa da Oxfam dá um tratamento especial à situação das mulheres neste quadro para constatar serem elas as principais vítimas da desigualdade, à medida que 42% de seu total não têm acesso a empregos mais bem remunerados devido à pesada carga de trabalho que suportam, com o seu tempo dividido entre a empresa e a família, contra apenas 6% dos homens. A situação da mulher ganha destaque nessa pesquisa, mas sabe-se, muito bem, que a desigualdade não perdoa apenas os que não têm poder e dinheiro e nem é apenas sexista, mas vai muito além disso, estendendo seu alcance para outras dimensões do ser humano, entre as quais a do racismo.
Entender as causas que têm provocado o aumento da desigualdade é essencial para propor medidas para corrigi-la ou, pelo menos atenuá-la, o que é mais necessário se se pretende preservar a capacidade do sistema de se reproduzir. Isso, embora tal característica constitua um defeito congênito do capitalismo, o que tem levado a opinião mundial a considerar não ser este o sistema ideal para a humanidade, de acordo com pesquisas recentemente divulgadas e, para os ricos, que não querem abrir mão sequer de uma parte de seus luxos, este seja “o melhor dos mundos possíveis”.
A primeira causa diz respeito ao crescimento econômico, uma variável central na questão da desigualdade por seus efeitos benéficos sobre o emprego e os salários. Desde a década de 1970 o crescimento se tornou anêmico devido à reorientação da ciência e da política econômica que deslocaram sua preocupação com a geração de renda e do emprego para o da estabilidade monetária, subordinando-os à obtenção de uma baixa taxa de inflação e recomendando, caso necessário, a implementação de políticas restritivas e a destruição de postos de trabalho para essa finalidade. O fato é que a ciência econômica abandonou o compromisso original de seus fundadores de preocupar-se com a felicidade geral da população e, cooptada pelo capital e as camadas mais ricas da sociedade, cuidou de erigir fórmulas consideradas “sagradas” para proteger sua riqueza.
A segunda, ao esvaziamento do papel do Estado como agente capaz de amortecer os conflitos sociais, por meio da política tributária e da implementação de políticas sociais, restringindo sua atuação à garantia da estabilidade monetária e de remuneração da riqueza financeira, bloqueando, dessa maneira, os recursos tributários por ele recebidos para atender as necessidades da população mais pobre e os excluídos do sistema, essencial para a redução das desigualdades.
A terceira, à revolução tecnológica decorrente da Terceira e da Quarta Revolução Industrial, que têm transformado supérfluo o trabalho na equação da prosperidade e minado seu poder de resistência frente ao capital, derrubando o emprego, os salários, a esperança de dias melhores e precarizando crescentemente suas condições no mercado.
Por último o fato do próprio sistema, com a queda do comunismo na década de 1990, não mais se sentir ameaçado por outras ideologias, e ter ficado livre para restaurar a essência do capitalismo, que consiste em produzir desigualdade para saciar a fome insensata do capital e dos mais ricos pela obtenção de ganhos crescentes. Enquanto a ideologia neoliberal insistir que não existe sociedade, mas apenas indivíduos (como se a existência destes fosse possível fora da sociedade) que devem se virar como podem, por sus próprios meios, sem contar com qualquer ajuda, não existe a menor condição de se estabelecer a harmonia social, indispensável para a reprodução do sistema.
Depois da crise da década de 1930 e da Segunda Grande Guerra, que despertaram o sentimento de maior solidariedade nos indivíduos e obrigaram o sistema promover reformas em suas formas de operar para continuar em pé, vive-se, atualmente, um novo período em que a insensatez retornou ainda mais forte, estimulada pelos ideais neoliberais, apagando as conquistas sociais e democráticas necessárias para o capitalismo sobreviver e colocando riscos crescentes para seu colapso como modo de produção. Pelo andar da carruagem, essa possibilidade pode estar cada vez mais próxima com o avanço acelerado do aumento da desigualdade no capitalismo atual, como retratado no relatório da Oxfam.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”
Foto: baixada do Relatório da Oxfam na internet.
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