Há sinais frequentes de que as propostas dos economistas para conduzir a estabilidade de preços com crescimento econômico tornaram-se superadas e não têm mais conexão com a realidade, pelo menos no Brasil. Mas não devemos considerar isso uma grande surpresa, já que a boa teoria deve estar sempre mudando para acompanhar a evolução da sociedade que se pretende compreender. Talvez sua aplicação na modelagem de políticas seja mais demorada em face da resistência às mudanças. De qualquer modo, o sentimento de baixa efetividade das medidas de política econômicas foi o que ficou mais presente para mim ao concluir a leitura de um livro, cujo autor é um clássico na interpretação da conjuntura econômica brasileira desde algumas décadas. Certamente a intenção do Professor Fabrício Augusto de Oliveira(1) não é provocar tal sentimento, mas seus livros dissecam com inigualável paciência a política econômica do período, e o último livro, repetindo seu método, trata do que se fez no Brasil nestas primeiras duas décadas do século XXI.
Entre 2003 e 2018 todos os instrumentos sugeridos pela estranha ciência econômica ou pela economia política do desenvolvimento foram utilizados e as taxas de crescimento se mantiveram abaixo do desejável: estagnação alternada com recessão e com anos excepcionais de crescimento foi o comportamento observado, aliás não apenas no período analisado, mas nos últimos 40 anos. Lá para trás ficaram as esperanças de redução da distância que separa o Brasil dos países pioneiros do capitalismo.
Qual a hipótese que precisa ser pesquisada? A sugestão que me vem de pronto é de que o novo padrão tecnológico, isto é, o mundo das chamadas empresas de tecnologia, requer também outros instrumentos e muito diferentes de políticas econômicas dos manuais ortodoxos e heterodoxos. O mundo da produção de mercadorias (físicas, concretas) foi estimulado a crescer a partir de instrumentos focalizados na redução do custo dos investimentos em plantas industriais ou em “plantations”: financiamentos subsidiados, renúncias fiscais, reservas de mercado, etc. É isso que ainda continua sendo feito no Brasil de hoje, conforme relatado pelo livro citado. Ainda não mudaram os manuais com suas capas amareladas pelo tempo. Já ouvi várias vezes e desde muitos anos que a indústria automobilística não é mais o complexo dinâmico da economia mundial. Ao contrário há estudos que apontam para a queda de demanda. Mas ainda se faz renúncias fiscais para este segmento, sob o discurso de que precisa manter os empregos; ainda se fala em redução dos serviços prestados pelo estado, porque é necessário reduzir o déficit público como forma de passar confiança ao mercado, portanto desbloquear investimentos e abrir espaço para a iniciativa privada.
Mas onde está hoje a dita iniciativa privada? Está no mundo da especulação financeira ou no mundo novo da aceleração das startups, com algumas exceções para a manutenção do agronegócio e os velhos produtos de consumo. Um mundo que nada tem a ver com as políticas antigas de redução do custo dos investimentos. A especulação financeira ainda tem olhar para o Governo, porque precisa ter um garantidor de suas rendas majoritárias, i.e., os juros incidentes sobre a dívida pública. Grandes e médias empresas – com algum caixa para investir - estão voltadas para os espaços que a economia do conhecimento – às vezes nem tanto – pode oferecer. Para isso, criam seus espaços e programas de aceleração das startups. Startups de ontem que foram aceleradas (ou escaladas, se preferir), hoje são gigantes mundiais que garantem não ser ainda maiores as taxas de desemprego, diretamente ou via as expectativas de milhares de jovens que sonham com suas startups sendo escaladas. Parceiros das chamadas empresas de tecnologia neste desafio de segurar um pouco a taxa de desemprego estão as fitech, os bancos virtuais e o novo mundo da intermediação de pagamentos.
É muito interessante observar as taxas de crescimento do PIB brasileiro e norte-americano (2) das últimas seis décadas apresentadas na tabela abaixo. No caso americano verifica-se uma tendência clara de perda de dinamismo. Cabe a hipótese de que as velhas políticas industriais lá praticadas pelos estados federados não produzem mais efeitos positivos? Grosso modo, pode-se separar o período que vai até final da década de oitenta como de desaceleração estrutural dado o esgotamento de um padrão tecnológico. Em seguida uma reanimada que vai até os anos 2000 e sugere a especulação de que se deve a transição para o mundo novo das tecnologias de informação e comunicação. As velhas políticas não atingem o novo mundo, tampouco estimulam mais o mundo das manufaturas. Nem a especulação financeira, por óbvio, produz crescimento. O pouco que resta em vigor de crescimento vem da dinâmica da inovação, incluídas aí as startups americanas.
Quanto ao Brasil, um crescimento muito significativo até os anos oitenta, coincidente com a conclusão do processo de industrialização. Neste mundo, as velhas políticas ainda faziam sentido incentivando os investimentos em plantas físicas, atualizando a estrutura produtiva para ficar em linha com os países mais desenvolvidos. De fato, no início dos anos oitenta o Brasil tinha um parque manufatureiro com abrangência similar às principais economias do mundo. Certamente a política econômica da época contribuiu para esta estruturação rápida, resultando ainda nas elevadas taxas de crescimento verificadas no período. Daí em diante fica evidente que o Brasil não consegue mais incluir-se na dinâmica mundial de crescimento (3). A hipótese que pode ser colocada em debate é de que isto se impôs por conta da falta de desenvolvimento de estruturas produtoras do conhecimento que viabilizariam a entrada do Brasil na nova economia; E ainda de que as velhas políticas tornaram-se inócuas porque, por um lado não conseguem incentivar as atividades tradicionais que estão estruturalmente em decadência; Na outra frente, tampouco dialogam com o mundo contemporâneo que é o das empresas “ponto.com”, ou mais recentemente, do mundo das startups.
*Professor, Doutor em Ciências Econômicas.
Foto: baixada da internet
1) OLIVEIRA, Fabrício Augusto, Governos Dilma, Lula e Temer – Do Espetáculo do Crescimento ao Inferno da Recessão e Estagnação (2003 – 2018).
2) Fontes: para o Brasil: IBGE. Informações disponíveis no SGS - Sistema Gerenciador de Séries Temporais, no site do Banco Central. Para os EUA: https://pt.countryeconomy.com/governo/pib/estados-unidos
3) Importante mencionar que a taxa apresentada para o periodo de 2000 a 2010 fora da tendência estrutural observada tem sido explicada por conta da excepcional demanda de commodities, principalmente da China, e pelo crescimento da demanda interna de bens salários em função da política nacional de distribuição de rendas. Portanto, um crescimento eventual puxado por uma conjuntura casualmente favorável.