Fabrício Augusto de Oliveira*
O ministro da Economia, Paulo Guedes, doutor pela Universidade de Chicago, centro de excelência do pensamento neoliberal, que andou planando nos primeiros anos da década de 1980 em terras e universidades chilenas e namorando a ditadura do general Augusto Pinochet, cujas reformas realizadas pelos Chicago-boys são sua principal referência, volta e meia se deixa trair por arroubos autoritários ou por sua aversão aos pobres, os quais, de acordo com o pensamento de sua escola apenas prejudicam a eficiência da política econômica e o bom funcionamento da economia. Não deveriam, por isso, nem existir.
Assim como o presidente Bolsonaro abusa da defesa do regime militar e dos ataques aos direitos humanos, manifestando-se contrário à diversidade cultural, religiosa e de gênero, não foram poucas as vezes em que o ministro abriu sua metralhadora giratória para ofender as classes sociais menos favorecidas que, para ele, atrapalham ou impedem a realização das reformas de seu sonho de desmonte completo do Estado. Para ficar com apenas algumas de suas pérolas, taxou os “desempregados de vagabundos”, responsabilizou os pobres pelas queimadas na Amazônia para “matar a fome”, igualou os funcionários públicos a “parasitas”, ameaçou com o retorno do AI-5 caso suas propostas de reforma não prosperem e, agora, nem mesmo sem enrubescer, condenou as “empregadas domésticas” por não saírem da Disneylândia como se, ganhando o pouco que ganham, tivessem condições para isso e, pior, não tivessem o direito de viajar para o exterior para não prejudicar as contas externas do país. Beira o ridículo, mas é isso que pensa o ministro.
O fato é que, para Paulo Guedes, os pobres e o Estado são sempre os responsáveis pelas desgraças e infortúnios do país. Os primeiros não passam de “vagabundos” que drenam as riquezas do setor privado, por meio de programas de assistência social, e o segundo porque, além de destinar recursos para essa “malta”, abriga uma legião de “parasitas” que esteriliza receitas públicas que poderiam ser destinadas para outra finalidade. A reforma de seus sonhos, seguindo os exemplos de Friedman, Reagan e Thatcher seria a de acabar de vez com essa “farra” para pôr a economia nos trilhos, mesmo tendo, para isso, de sacrificar a democracia e introduzir os métodos autoritários que admira do regime de Pinochet do Chile. Os ricos, nessa visão, são os principais prejudicados por terem de destinar parcela de suas rendas arduamente obtidas para atender as necessidades dos pobres, retirando recursos também dos investimentos, essenciais para o crescimento.
Como ministro da Economia, Paulo Guedes não ignora que o Estado renuncia a mais de R$ 300 bilhões da arrecadação federal em incentivos destinados para setores econômicos poderosos; que paga atualmente R$ 400 bilhões de juros anuais para os credores de sua dívida; que os níveis de sonegação de impostos, incluindo os da previdência social, são incalculáveis; e que os ricos praticamente não pagam impostos, sejam sobre a renda ou o patrimônio. E até ameaça, vez ou outra, desmontar essa extensa rede de benefícios reservada para o capital e para os ricos. Mas, essas ameaças, não passam, na verdade, de encenação para a plateia em geral e parecem ter objetivos não confessados.
Na verdade, os ricos, para Guedes e sua escola, devem ser preservados de todo o processo de ajuste fiscal e, se possível, devem receber ainda mais incentivos, por serem os que dispõem de capital para realizar os investimentos necessários para a retomada do crescimento. Engana-se, assim, quem pensa que Guedes quando ameaça criar um imposto sobre os lucros e dividendos ou aumentar a alíquota do imposto de renda para as rendas mais altas, está falando sério. Suas falas, neste sentido, não passam de ameaças para convencer os setores que têm influência sobre o Congresso e os parlamentares que aprovam as leis de que se não forem criados os impostos sobre o “pecado” ou uma espécie de CPMF, impostos que oneram mais os pobres, não haverá como os ricos escaparem destes custos.
Tido pelo Deus mercado como dotado de uma mente prodigiosa para identificar o comportamento futuro das principais variáveis macroeconômicas, Paulo Guedes aproveitou e usou essa capacidade para ganhar dinheiro nas instituições financeiras das quais era sócio – Pactual e Bozano Investimentos, por exemplo -, especulando contra os principais planos de estabilização implementados no Brasil a partir da década de 1980 – Cruzado, Collor e Real – pouco se importando com os prejuízos que tal ação provocava para o país. Agora, à frente do ministério da Economia, quer impedir a ação dos boicotadores ao seu plano de desmonte do Estado, de ruína dos trabalhadores e de alijamento dos pobres, a quem, antecipadamente atribui, com suas falas, a responsabilidade por um eventual fracasso de sua política econômica voltada, até o momento, exclusivamente para este objetivo.
Como expert do mercado, sabe muito bem que autoridades do governo não devem ficar emitindo opiniões sobre o comportamento futuro das principais variáveis macroeconômicas para evitar a especulação nos mercados financeiros e o pânico que neles provocam com essas declarações. Apesar disso, pouco se incomoda em, volta e meia, prever que doravante “os juros serão baixos e o câmbio alto”, aumentando a instabilidade da economia e incentivando os movimentos especulativos. Nem parece o “papa” do mercado como este o trata com admiração.
Antes de um presidente com legitimidade, Bolsonaro é filho direto da frustração de parcela significativa da população com a política econômica dos governos do PT que conduziram o país a uma brutal recessão. Paulo Guedes é filho legítimo da Escola de Chicago, de Milton Friedman, de Ronald Reagan e de Margareth Thatcher, para quem não existe sociedade – uma mera abstração -, mas apenas indivíduos, como se estes existissem fora dela. E ainda de que, entre os mesmos, não existe espaço para os pobres e os incompetentes, a justificativa que usa de que, para salvar a economia, nada melhor que a reforma de seus sonhos capaz de alijá-los do cenário. Embora não seja essa sua intenção, em suas mãos e com sua política de exclusão social, o capitalismo corre, na verdade, sérios riscos de continuar se reproduzindo como sistema no Brasil.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.