Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Contrariando as expectativas sempre otimistas dos economistas financistas que no início do governo Bolsonaro projetavam um crescimento de 2,5% do PIB em 2019, os dados divulgados pelo IBGE revelam que este não passou de 1,1%, menos da metade do que se previa. É o menor crescimento desde 2017, quando, sob o comando de Michel Temer, a economia registrou uma expansão de 1,3%, nível que se repetiu em 2018, de acordo com a revisão das contas nacionais feita pelo IBGE em novembro e dezembro do ano passado.
O maior problema para o país não é bem o fato de o PIB ter sido fraco em 2019, mas o de ter apresentado um pior desempenho no último trimestre do ano, um período em que sazonalmente tende a ocorrer um aquecimento da atividade produtiva, principalmente devido às festas que ocorrem nessa época, indicando maiores dificuldades para o mesmo se manter numa trajetória progressiva de recuperação em 2020.
Sob a ótica da oferta, a indústria, que vinha colhendo resultados mais animadores a partir do segundo trimestre (crescimento de 0,8% em relação ao trimestre anterior, índice que se repetiu no terceiro trimestre) viu o crescimento recuar para 0,2% e fechar o ano com uma expansão de 0,5%. Contribuíram para este pior resultado, o recuo da indústria extrativa, que registrou um crescimento de 0,9% no último trimestre do ano, contra 11,5% no anterior, e a queda considerável de 2,5% da construção civil, que vinha apresentando recuperação nos trimestres anteriores (+2,4% no segundo trimestre e +1,6% no terceiro em relação aos trimestres anteriores), enquanto a indústria de transformação avançou apenas 0,3%.
No ano, a indústria extrativa terminou registrando queda de 1,1%, devido principalmente ao efeito-Brumadinho, a da transformação um crescimento de apenas 0,1% e a da construção civil de 1,6%, embora atingida pela forte queda do último trimestre (-2,5%). O setor serviços, que responde por cerca de 70% do PIB foi o que apresentou melhor resultado com avanço de 1,3% no ano e de 0,6% no último trimestre, o mesmo acontecendo com o setor agropecuário, mas que tem modesta participação de cerca de 5% no PIB.
Sob a ótica da demanda, os resultados mais importantes foram também decepcionantes. O consumo das famílias, que crescera 0,7% no terceiro trimestre, viu este se reduzir para 0,5% no último trimestre e, apesar de fechar o ano com uma expansão de 1,8%, revelar perda de fôlego para continuar como carro-chefe do crescimento econômico. O consumo do governo, asfixiado pelo processo de ajuste fiscal em curso, contraiu-se 0,4% no ano, mas o que chama mais a atenção nos resultados dessas contas foi o forte declínio de 3,3% dos investimentos no último trimestre, depois de duas altas sucessivas no ano (+2,6% no segundo trimestre e +1,3% no terceiro), indicando que a sua retomada esperada para o primeiro trimestre de 2020 dificilmente se concretizará.
Ora, com esses dados que confirmam o enfraquecimento do consumo das famílias devido ao ainda elevado nível de desemprego (11,2% de acordo com os últimos dados do IBGE), à estagnação dos rendimentos do trabalho nos últimos anos e aos níveis crescentes de endividamento da população; a anemia dos gastos do governo e a retração dos investimentos, que nada têm a ver com os efeitos esperados do coronavírus, que apareceu em data posterior, as previsões mais otimistas do mercado começaram a desabar, aprofundando as perspectivas mais sombrias que passaram a ser desenhadas por instituições internacionais sobre os impactos que podem ser causadas pelo novo vírus sobre a economia global.
Na revisão feita pela OCDE sobre os efeitos do coronavírus na economia global, a expectativa de crescimento econômico do mundo foi reduzida de 2,9% para 2,4% em 2020, um nível extremamente baixo, com o da China, o país mais afetado, caindo de 6,1%, em 2019, para 4,9% no ano. A recuperação só viria a partir de 2021, ano para o qual a instituição projeta um crescimento de 3,3%, com o PIB chinês avançando 6,4%. Não sem razão, o banco central dos Estados Unidos, o FED, decidiu, em reunião extraordinária, no dia 03 de março, reduzir os juros do país em 0,5 ponto percentual para a faixa de 1% a 1,25% para reduzir os riscos do coronavírus para a atividade econômica.
No caso do Brasil, a previsão da OCDE foi mantida em 1,7%, mas dados os efeitos esperados para o resto do mundo, tal previsão pode ser considerada otimista, já que muito provavelmente suas exportações serão afetadas negativamente, porque muito dependentes da economia chinesa. Somando essa nova situação com os resultados frustrantes do PIB brasileiro do último trimestre de 2019, vários economistas e instituições financeiras deram início à revisão das projeções do crescimento, com as mesmas caindo de 2,5% para um intervalo que oscila entre 1,3% e 1,9%, ainda assim com a expectativa de que algumas reformas importantes sejam realizadas se o país pretende sair do atoleiro do processo de estagnação no qual se encontra desde 2017.
A questão das reformas deixa muitas dúvidas no ar sobre o papel que desempenharão neste processo. Em primeiro lugar, por existirem dificuldades para sua aprovação por se tratarem de temas delicados, casos da reforma tributária, administrativa e do pacto federativo, que mexem com interesses de setores poderosos, como governadores, prefeitos, funcionários públicos e contribuintes em geral. Em segundo, porque os desenhos defendidos pelo governo retiram força do crescimento, já que moldadas exclusivamente para o objetivo de reduzir o desequilíbrio das contas públicas e reduzir a ação do Estado. Em terceiro, por serem limitadas, especialmente no caso da reforma tributária para, efetivamente, destravar os caminhos do crescimento por estar focada especificamente na tributação indireta.
Paulo Guedes, o ministro da Economia, não deve ter lido os resultados do PIB divulgados pelo IBGE e ignorado os efeitos que o novo vírus pode acarretar para a economia brasileira. Ou, se leu, não deu muita importância a este quadro, mantendo o otimismo na sua política econômica exclusivamente voltada para o ajuste fiscal. Em entrevista concedida nessa semana, afirmou que “a economia está acelerando lentamente (sic), esperando as reformas. À medida que as reformas vão acontecendo, e elas serão implementadas, o Brasil vai reacelerando”. Nada mais distante da realidade.
Mas, para ele, que acredita que o ajuste fiscal seja capaz, por si, de destravar o crescimento por influenciar positivamente as expectativas dos agentes econômicos, como se isso fosse possível em um cenário sombrio como o atual, este continua sendo o caminho a ser percorrido, dispensando-se outras medidas defensivas. Enquanto isso, o Brasil poderá estar ingressando no sétimo ano consecutivo do processo de recessão/estagnação com uma expressiva legião de desempregados, sob o comando da ortodoxia. O preço que se paga por se acreditar e dar força para os que comandam a política econômica apoiados em lendas teóricas e em teses equivocadas.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e d estagnação (2003-2008)”.
Foto ilustrativa: da internet jornal dos bancários/Jundiaí
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