Por Ester Abreu Vieira de Oliveira*
A palavra “coroa”, do latim corona, radicado no grego korone tem várias implicações. Em sua origem designa um círculo, roda, uma grinalda de flores. Mas passou a indicar a coroa dos reis e também o coro de dança e canto no teatro, por sua disposição circular ou em semicírculo.
Quanto ao significado simbólico, por ser a coroa, colocada na parte superior da cabeça, remete à ideia de elevação e de iluminação, que se relaciona tanto com a clareza do saber quanto com o brilho proveniente das pedras preciosas que muitas delas ostenta(va)m. Daí ocorre que em Arquitetura um ornato no alto de um edifício, se chame coroa. Também por seu uso sempre em uma posição elevada, a coroa simboliza superioridade, glória, distinção, vitórias, valorizando, assim, quem a usa. Mas, paradoxalmente, a coroa pode simbolizar humildade, pois quando o corpo se curva a cabeça se abaixa.
A forma circular característica da coroa indica perfeição e uma ligação com o divino, simbolizando uma espécie de conexão entre o terreno e o celestial, o humano e o divino. Daí serem muitos reis considerados filhos de Deus. Também, numa justificativa de legitimidade de autoridade monárquica, seu direito de governar é derivado da vontade divina, e não de qualquer autoridade temporal, nem da vontade de seus súditos. Seu poder é supremo.
A coroa, ainda, representa a imortalidade e a preservação da memória de alguém que praticou um ato heróico, como recompensa de seu feito. Costume registrado na antiga Grécia e Roma, onde, durante um sacrifício, se coroava tanto o sacrificado quanto o sacrificador para aproximá-los dos deuses.
A coroa pode ser também um procedimento dentário, que em sua estrutura imitará o dente natural ou, ainda, uma gíria para designar pessoa de certa idade, isto é, um cinquentão ou cinquentona “um Coroa ou uma Coroa”, ou para nomear de forma carinhosa os próprios pais. Em Astrologia a coroa é um círculo em torno de um astro; na Botânica, é o conjunto de apêndices na corola ou base de algumas flores. Na Medicina, a palavra serve para designar o vírus de RNA, propenso a sofrer mutação genética, que lembra a forma de uma coroa e é causa comum de infecções respiratórias leves ou moderadas. Pode chegar, no entanto, a provocar pneumonias graves, com síndrome respiratória extremamente aguda. Nesse caso, como ocorre nas indicações de nomes científicos, o vírus receberá o seu nome latino “corona”.
Os coronavírus são conhecidos desde meados dos anos 1960. Mas aquele que gerou a pandemia em janeiro deste ano e se expande pelos diversos países do globo, o coronavirus 2019-20 (Covid-19), reina no mundo, afirmando o significado latino de corona (coroa): domínio, superioridade e vitórias, como um oximoro do poder. Universal, na simbologia circular de um oroboro, entra na família, durante as medidas de “quarentena” tomadas pelo governo, exercendo nela um processo de afastamento e aproximação: estamos juntos em casa, mas sem abraços e proximidades.
Se por um lado as pessoas procuram estar há dois metros de distância do outro, a presença dos familiares na residência aproximou-os e levou-os a preocuparem-se com as medidas preventivas recomendadas de higiene (lavar as mãos com sabão, cobrir a boca ao tossir, manter distância de outras pessoas) e a obedecerem normas de autoridades de restrições de viagem, de quarentenas, de toques de recolher, de controles de risco no local de trabalho e de fechamentos de instalações, por outro lado, esta pandemia levou a uma grave ruptura socioeconômica global e a um número grande de totalidades de falecidos e infestados que nos lembram outras calamidades sociais e econômicas, que a História nos transmite. Entre elas a “peste antonina” que atingiu o mundo romano de 165 a 180 provocando febre, erupção cutânea e diarréia, matando duas mil pessoas por dia. A “peste bubônica” que assolou a Europa e se espalhou por outros continentes: no século VI, com mais de vinte e cinco milhões de mortos e, no XIV, com cinquenta milhões, na Europa e Ásia. No século XIX, a epidemia da cólera, por contaminação da água ou alimentos contaminados, levou a um milhão de mortos e, no final do XIX e princípio do XX, a tuberculose, doença pulmonar, levou a óbito um bilhão de mortos. A gripe espanhola, que recebeu este nome em virtude da grande visibilidade que lhe foi dada pela imprensa da Espanha, parece ter sua origem nos Estados Unidos, levou à morte mais de cinquenta milhões de pessoas de 1918 a 1920. E agora com o covid-19 outra epidemia assombra o mundo que sonhamos resistente e belo.
Borges na conclusão de “Avatares da tartaruga”, em Discussão (1932), pode nos ajudar a entender o momento que o universo vive agora: “Nós sonhamos (a indivisa divindade que opera em nós) sonhamos o mundo. Nós o sonhamos resistente, misterioso, visível, onipresente no espaço e firme no tempo; mas permitimos em sua arquitetura tênues e eternos interstícios de ilogicidade para saber que é falso.” (Tradução noss)
*Presidente da Academia Espírito-santense de Letras, Doutora, Professora Emérita-Ufes
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