Por Fabrício Augusto de Oliveira*
A agência de rating Fitch divulgou um relatório ainda mais pessimista que o FMI sobre o desempenho da economia mundial em 2020. Para essa agência, o PIB mundial deverá conhecer uma contração de 3,9% no ano, dobrando a previsão que havia feito no início do mês de abril, o que representaria um tombo bem mais severo do que o registrado em 2009, quando a contração provocada pela crise do subprime, apesar de ter nocauteado principalmente as economias desenvolvidas, foi atenuada pelo crescimento excepcional da China e da Índia, de 9,4% e 8,5%, respectivamente, produzindo-se uma modesta contração global de 0,07%.
A diferença, agora, é que em relação à recessão de 2009, o tombo previsto para muitos países centrais é bem maior do que o registrado naquele ano, como confirmam também as estimativas do FMI. De acordo com as projeções dessa instituição, a queda do PIB dos Estados Unidos, que foi de 2,9%, em 2009, deve ser, neste ano, de 5,9%; o da França, também de 2,9%, no primeiro ano, deve atingir 7,2%; o da Itália, de 5,3% para 9,1%; o da Alemanha, de 5,7% para 7%; o do Reino Unido, de 4,3% para 6,5%; e o do Brasil, de 0,2% para uma queda, em 2020, de 5,3%.
Não são projeções que se distanciam muito das que foram realizadas pela Fitch, mas a previsão por essa feita de que o PIB da China e da Índia crescerá menos de 1% em relação à do FMI, que projeta para estes países uma expansão de 1,2% e 1,9%, respectivamente, é que explica essa expressiva piora na perspectiva do comportamento da economia mundial. Os primeiros números que começam a surgir sobre o desempenho da economia de alguns países neste trimestre indicam que, embora altamente pessimistas, essas projeções poderão facilmente se confirmar neste ano, podendo, até mesmo, mostrarem-se ainda mais desfavoráveis.
O Departamento de Comércio dos Estados Unidos informou na quarta-feira, dia 29, que o PIB do país caiu 4,8% no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano passado, como reflexo da paralisação de muitas atividades econômicas nas duas últimas semanas de março. Tal tombo indica que o segundo trimestre deverá ser ainda pior porque, apesar dos ensaios que têm sido feitos por alguns estados do país para flexibilizar a política de isolamento social, certo é que a recessão se aprofundará, com muitas falências de pequenas e médias empresas, apesar dos substanciais pacotes de ajuda do governo para estes segmentos, com a taxa de desemprego podendo atingir mais de 20%. Não há exagero nestes números.
Em cinco semanas encerradas no dia 18 de abril, os pedidos de seguro-desemprego foram, em média de 5 milhões de trabalhadores por semana, totalizando mais de 26 milhões de pedidos, representando 16% da força de trabalho no país, um número superior aos 22 milhões de empregos criados após a crise do subprime até fevereiro de 2020. Ou seja, em apenas dois meses foram destruídos mais postos de trabalho do que os que haviam sido criados em mais de dez anos.
Nos primeiros dois meses deste ano, a produção industrial da China, de onde o vírus alçou voo para o resto do mundo, registrou uma contração de 13,5%, a primeira desde janeiro de 1991, acompanhada de queda de 20,5% nas vendas de varejo e de 17,2% nas exportações, com aumento na taxa de desemprego para 6,2%. Embora o país tenha se colocado numa posição bem mais favorável que o resto do mundo para retornar à trajetória de expansão, à medida que parece ter conseguido controlar razoavelmente bem o problema da disseminação do vírus e já estar recolocando a atividade econômica numa situação de maior normalidade, o espectro de uma profunda recessão no resto do mundo, do qual depende para suas exportações, não autoriza maior otimismo sobre o seu desempenho neste ano.
Já o governo alemão considera que o país viverá, neste segundo trimestre, a pior recessão de sua história, com o PIB podendo cair 10%, embora essa queda possa ser parcialmente compensada no segundo semestre como resultado da política de desconfinamento gradual implementada a partir do início de maio. Isso não será suficiente, no entanto, segundo cálculos dos principais institutos econômicos do país, para impedir que o PIB conheça um retrocesso de, pelo menos, 6,3% no ano, depois de dez anos de crescimento.
No Brasil, país onde o FMI projeta uma contração de 5,3% do PIB, assim como o Banco Mundial, há apostas que vão mais longe do que esses números: para Mônica Bolle, do Institute Petterson, que apostava numa queda entre 6% e 9%, a segunda previsão teria se tornada mais concreta com a demissão de Sérgio Moro, do Ministério de Justiça, devido às maiores turbulências que foram criadas com este fato e às presepadas diárias feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que contribuem para manter fortes as incertezas e aumentar a desconfiança dos agentes econômicos sobre o futuro do país; já a UBS, uma agência de serviços financeiros, desenhou três cenários para o Brasil diante desse aumento das turbulências: um otimista, onde a queda no PIB será de 5,5%; outro intermediário, com recuo de 7,2%; e um terceiro, mais pessimista, caso se mantenha a postura diversionista do presidente, mantendo fragilizadas as expectativas dos agentes econômicos, situação na qual o PIB pode despencar 10,1%.
Na Grande Recessão da década de 1930, o PIB dos Estados Unidos caiu cerca de 30% entre 1929-1933, enquanto a taxa de desemprego bateu na casa de 25% e produziu estragos ainda mais drásticos em vários países do mundo capitalista. Mas, nessa época, nem a teoria econômica, nem os governantes estavam aptos para lidar com essa situação e, ao invés de receitarem remédios para reverter a tragédia que se anunciou em 1929/1930, optaram por um tratamento de choque ortodoxo restritivo que levou ao seu aprofundamento.
Sua superação com as políticas do New Deal e com os ensinamentos da teoria keynesiana deixou, contudo, importantes lições. A primeira, a de que só o Estado, nessa situação, dispõe de condições para salvar a economia e a população, por meio do aumento de seus gastos, experiência que passou a balizar as políticas econômicas a partir dessa época e a impedir a instalação de grandes recessões que se anunciaram em vários momentos, como bem analisa Hyman Minsky em seu clássico trabalho de 1963, intitulado “Can “it” happen again?”. A segunda, de que os ricos devem contribuir com o aumento dos impostos cobrados sobre sua riqueza e sua renda para o financiamento dos gastos ampliados do Estado, como Roosevelt fez ao aumentar consideravelmente o imposto de renda à época.
Muitas dessas lições foram esquecidas com as mudanças ocorridas no pensamento econômico a partir da década de 1970, quando o pensamento neoliberal recuperou a hegemonia na teoria econômica, mas vários países as retomaram na atual crise do coronavírus, em especial a que diz respeito ao papel do Estado para combatê-la. O Brasil, no entanto, rumou uma direção contrária.
Na saúde, apesar do esforço inicial dos estados e municípios em adotar o isolamento social como defesa para evitar a disseminação do vírus, o mesmo foi neutralizado pela ação irracional do presidente da República, seguindo os passos de seu ídolo, Donald Trump, e insistindo com propostas para a população desafiá-lo, ocupando as ruas. Na economia, com a equipe econômica, liderada pelo ministro Paulo Guedes, sentada no caixa do governo, resistindo a abrir os cofres do Estado para não aumentar o déficit público e manter a dívida sob controle para não desagradar o mercado financeiro. Com isso, está perdendo a batalha na luta contra a crise, devendo-se juntar, como indica a evolução das estatísticas sobre o número de contaminados e de mortes no país, aos Estados Unidos como os principais líderes mundiais dessa tragédia: na economia e na perda de vidas. Ambos governados por dois bufões.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
Foto ilustração: Diário do Comércio, baixada da internet
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