Fabrício Augusto de Oliveira*
Em seu relatório semestral, do mês de abril, o FMI projetou uma contração de 3% para a economia mundial neste ano devido aos efeitos da pandemia sobre a atividade econômica. Mas, otimista, previu uma rápida retomada da economia tão logo normalizada a situação, apostando num crescimento de 5,8% para o mundo já em 2021. Na linguagem dos economistas, a recuperação se daria, de acordo com essas projeções, na forma de V, significando que à queda abrupta e profunda do PIB mundial, em 2020, seguir-se-ia uma retomada também rápida e robusta do crescimento no ano seguinte.
A projeção feita em abril pelo FMI ignorou a natureza dessa crise, a de uma crise sanitária associada a uma crise econômica, bem como os estragos que ele vem provocando sobre as empresas, o emprego, as finanças dos governos, tomando-a apenas como um contratempo, um ponto fora da curva, apenas como uma crise cíclica para a qual os remédios são conhecidos. Por isso, concluiu, com essas projeções que, superados seus efeitos, a situação logo se normalizaria com a economia retornando à trajetória anterior de crescimento, ainda que este já estivesse em declínio devido a problemas endógenos do sistema que estavam limitando seu potencial de expansão. Nada mais equivocado.
A Comissão Europeia, por sua vez, seguiu o mesmo caminho do FMI e desenhou um quadro ainda mais espetacular para a Zona do Euro no período pós-pandemia. Para essa instituição, o bloco deverá registrar um crescimento robusto de 6,3% em 2021, com o PIB da Itália expandindo 6,5%, o da França 7,4%, o da Espanha 7% e o da Alemanha 5,9%, com o suposto de gradual desconfinamento da população e de reabertura da economia a partir de maio – processo já em andamento – e de que não ocorra uma segunda onda do vírus.
Agora, no dia 18 de maio, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, em entrevista concedida a Reuters, disse que o Fundo deve rever, em junho, sua previsão de uma expansão inicialmente projetada da 5,8% para o mundo para apenas uma recuperação parcial, mais modesta, para o próximo ano, porque, segundo ela, “os dados de todo o mundo vieram piores do que o esperado”. Kristalina não dá pistas sobre o quanto as projeções devem piorar, mas o importante é que o Fundo começa a deixar de lado as projeções mais otimistas de uma recuperação em V defendida por alguns economistas que não entenderam bem a crise e a se aproximar mais da nova realidade com ela colocada.
O fato é que, a essa altura, qualquer prognóstico sobre o horizonte e a intensidade da recuperação econômica pode se mostrar falho. Não apenas porque essa crise, diferentemente das crises clássicas, deve provocar uma carnificina de micros, pequenas e médias empresas e a abalar seriamente mesmo o capital das maiores, assim como está nocauteando uma demanda que já se encontrava desfalecida, em virtude da crescente desigualdade da renda, mas também por nada se saber nada sobre a sua duração e nem quando poderão ser retomadas, em sua totalidade, as atividades econômicas.
É mais provável, pelo andar da carruagem e da crise, que a recuperação se dê na forma de L, uma situação em que o baixo crescimento e mesmo a recessão em vários países permaneça por um bom tempo para, só então, ter início a retomada que, no entanto, deverá ser lenta tanto em termos da atividade econômica como da geração de emprego, à medida que se terá de avançar na reconstrução do capital.
Tal situação poderá ser amenizada e a recuperação se dar na forma de U se ao Estado continuar sendo concedida a licença para prosseguir atuando para reerguer a economia e atender o inevitável aumento das demandas sociais decorrentes da falta de emprego e do aumento da pobreza, mesmo aumentando seus níveis de endividamento. Uma situação que para o pensamento econômico dominante ou, de forma mais clara, a teoria econômica ortodoxa, constitui um sacrilégio contra o mercado.
Alternativamente, o que não exclui a proposta anterior, para permitir ao Estado continuar desempenhando este papel, essencial para o mundo sair mais rápido dessa situação, a cobrança de impostos extraordinários sobre os mais ricos, como foi feito na Grande Depressão da década de 1930 e na Segunda Guerra Mundial, para financiar a ampliação de seus gastos, reponta como o meio mais eficaz e mais justo para enfrentar este problema. Se tal proposta sair vencedora, a saída da recessão pode até ser mais rápida pois contará com um Estado com contas mais ajustadas.
Não são, no entanto, propostas que têm sido colocadas à mesa para discussão por representarem um pecado contra o capital e os detentores da riqueza, Na falta de bom senso sobre a forma como encarar e resolver essa situação, o mundo corre o risco de permanecer por um bom tempo num quadro de baixo crescimento e/ou de recessão, com elevados níveis de desemprego e de pobreza e com a ampliação dos conflitos sociais, pondo em xeque a própria capacidade de reprodução do sistema.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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