Por Erlon José Paschoal*
O que será do teatro depois da quarentena, do confinamento e do isolamento social em larga escala? Afinal, o teatro – e as artes cênicas em geral, a dança, por exemplo – são atividades essencialmente coletivas. Elas precisam de grupos, por vezes de um grande número de pessoas juntas, tanto no palco, quanto na plateia. O teatro é uma arte presencial, por natureza, que pressupõe a proximidade artística e humana de muita gente desempenhando por vezes várias funções.
Isto tudo é muito óbvio! Mas temos de nos preparar para as mudanças que inevitavelmente virão! Como trazer novamente o público ao teatro, aos espaços cênicos? E mais ainda, sobre o que falar? Que temas interessariam as pessoas após uma pandemia que escancarou as fragilidades de uma forma de vida, de um sistema econômico e social, que privilegia apenas a produção intermitente, o lucro indiscriminado, em detrimento da vida? E como fazer do teatro uma atividade econômica sustentável em uma nova realidade, em um mundo ainda mais empobrecido pelo aprofundamento da desigualdade econômica e pela decadência política reinante atualmente no Brasil? Ou, quem sabe, a necessidade de maior empatia, de valorizar o essencial e de buscar novas formas de aproximação vai fazer o teatro se reinventar? Temos de pensar e debater tais questões em conjunto e tentar encontrar caminhos possíveis para a superação de ameaças tão graves.
Para refletir sobre novas possibilidades de inserção social do teatro, poderíamos começar então por relembrar as suas origens na Grécia antiga. Para os historiadores, o teatro surgir dos cortejos dedicados ao culto do Deus Dionísio, considerado pelos gregos o Deus da metamorfose e da transformação. Tudo a ver com a essência do teatro. Estes cortejos consistiam de um “komos”, ou seja, uma multidão ruidosa que cantava e dançava de maneira desregrada carregando um enorme Fálus, simbolizando a fecundidade, uma vez que Dionísio estava ligado também à vegetação, à agricultura e aos ciclos da natureza.
Vale lembrar que Dionísio foi o criador do vinho, o que justifica o fato da multidão consumir esta bebida em grandes quantidades até atingir o êxtase e o entusiasmo – dois conceitos-chaves nestes cultos – levando-as a superarem a sua condição humana limitada se lançando assim para mais além das regras, das inibições, das repressões e dos recalques impostos pela sociedade.
Aquele que veio a assumir no meio da multidão o papel de um herói, de um Deus – o “hipócrates”** – tornou, pode-se afirmar, o primeiro ator da História do teatro ocidental. É aquele que a partir de então vai conduzir este ritual sagrado em busca da emancipação e da liberdade. Até que em um determinado momento estes cortejos orgiásticos se organizaram em espetáculos populares e ocuparam o recém-criado na época Teatro de Dionísio em Atenas, no qual dois archotes se mantinham acesos: um consagrado ao êxtase e o outro ao entusiasmo (que significa “em Deus”, “ter Deus dentro de si”).
Grandes espaços arquitetônicos – alguns até para mais de 15 mil pessoas – foram construídos então para abrigar esta atividade artística que, levando consigo a poesia, a música, a dança e a beleza do gesto e das palavras, seria ao longo dos séculos uma das artes mais significativas da cultura humana.
Pois bem, como resgatar hoje em meio à comunicação virtual e após uma pandemia amedrontadora, toda esta capacidade de mobilização, todo este vigor, toda esta importância para o aprimoramento humano e social, que o teatro ainda guarda dentro de si?
Vamos ampliar e amplificar este debate, pois se existe alguma saída, ela só pode ser coletiva. Como apoio criamos a página “A Arte Teatral” https://www.facebook.com/groups/1073600889384029/ Participe!!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.
** Palavra grega para designar "ator" (aquele que finge ser quem não é). O dicionário Houaiss registra também a acepção grega de "intérprete de um sonho, de uma visão, adivinho, profeta." Hoje ela mantém apenas o sentido negativo de "hipócrita" ( falso, fingidor).