Fabrício Augusto de Oliveira*
Até mesmo o grande ídolo do presidente Bolsonaro e de seus filhos, Donald Trump, o bufão por eles visto como Deus, começou a criticar a sua política de combate à Covid-19. Numa surpreendente entrevista em que procurou, malandra, mas enganosamente, se colocar como mentor da política de isolamento social adotada em seu país, afirmou que se os Estados Unidos tivessem seguido o mau exemplo do Brasil – e da Suécia - nessa política, muito provavelmente o número de mortos ali já teria chegado à casa de 2 a 2,5 milhões de pessoas e não apenas às poucas mais de 100 mil como na atualidade. Partindo de Trump, a quem Bolsonaro se submete como verdadeiro servo, essa crítica deve ter batido fundo em sua alma.
Trump pode até se regozijar pelo fato de os Estados Unidos, apesar de contar com quase 2 milhões de casos confirmados de contaminação e de pouco mais de 100 mil mortes até os primeiros dias do mês de junho, ter visto a curva do coronavírus se infletir nos últimos dias, diminuindo a velocidade de sua propagação. Não pode, contudo, atribuir-se a responsabilidade pela política de isolamento adotada por ter a ela se oposto desde o início, tendo sido obrigado, pelo contrário, a se render às decisões sobre essa questão tomadas pelos governadores de estados. Procura, assim, apenas colher, oportunisticamente, os frutos de uma política que sempre condenou.
Bolsonaro, assim como Trump, sempre se posicionou contrário ao isolamento e nem mesmo recuou de sua posição quando o STF garantiu a autonomia de estados e municípios para decidir sobre essa questão. Se Trump continuou esperneando sem sucesso contra as decisões tomadas pelos governadores sobre o isolamento, Bolsonaro foi mais longe, desafiando a Suprema Corte pela decisão, denegrindo os governos e prefeitos pelas medidas adotadas, desrespeitando todos os protocolos elaborados pelos órgãos – nacionais e internacionais – da saúde e estimulando a população a seguir seu exemplo. Se em nenhum momento se dispôs, por motivos estritamente eleitorais, a apoiar essa política de combate à disseminação do vírus, não mediu esforços para atrapalhá-la. Agora, colhe seus resultados, depois de ser considerado o pior líder mundial no combate à Covid-19 pelo Washington Post.
Diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil se encontra em franca escalada da contaminação de sua população e do número de mortes, já ocupando o segundo lugar no mundo no primeiro caso e o terceiro no segundo, depois de partir nessa corrida na lanterninha no mês de março, graças ao empenho de Bolsonaro e de seus generais da reserva em condenar e atrapalhar as políticas de isolamento. No ritmo de progressão dos novos casos de infeção que aparecem diariamente, não será nenhuma surpresa se o Brasil até mesmo ultrapassar o próprio Estados Unidos e assumir a liderança absoluta em mais uma desgraça, considerando, inclusive, que o país quase sempre consegue ser imbatível em tudo de ruim no mundo.
Como político perspicaz que pelo menos sabe avaliar o que pode ou não render votos e que sabe também muito bem que a deterioração deste quadro vai acabar prejudicando suas pretensões eleitorais para 2022, Bolsonaro, apesar de continuar insistindo na defesa da reabertura plena das atividades econômicas, começou a mexer os pauzinhos para mascarar os números da evolução da pandemia e continuar mantendo o apoio de seus fiéis, fanáticos e cegos seguidores e também de seus assessores generais que têm, infelizmente, feito vistas grossas para suas diatribes, apoiando irrestritamente suas propostas antidemocráticas e de desprezo pelas vidas humanas.
Tendo demitido dois ministros da Saúde que não seguiam suas determinações sobre o isolamento e sobre a defesa da cloroquina/hidroxicloroquina como panaceia para essa doença, colocou no seu comando um ordenança, o general Eduardo Pazuello, que, tão logo assumiu o cargo, mandou liberar, sem conhecimento médico e científico, também defendido por Trump, o protocolo de uso desses remédios para casos menos graves, ao qual se opunham seus antecessores, mas foi mais longe.
Procurou também travar a divulgação das informações sobre a evolução do número de novos casos surgidos e das mortes provocadas pela doença e, não satisfeito, ainda propôs a recontagem das mortes contabilizadas, sugerindo que os governos estaduais e municipais estariam superestimando-as para abocanharem maiores recursos do governo federal para a saúde. Hoje sabe-se, pela imprensa, que a ordem teria partido de Bolsonaro que exigiu a divulgação pelo órgão de menos de mil mortes por dia. Tudo para lançar uma cortina de fumaça sobre a gravidade do quadro e, artificialmente, melhorar a desgastada imagem do Brasil no mundo. Medida que recebeu, inclusive, crítica do ministro do STF, Gilmar Mendes, ao afirmar, em postagem na rede social, que “a manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários.”
A farsa montada por Bolsonaro e seus assessores de embaçamento do real para esconder a política genocida de combate ao coronavírus no Brasil poderá, em um ambiente democrático, ser enquadrada como crime por colocar em risco a vida da população, por motivos estritamente eleitorais, mandando-a para o corredor da morte.
Só se espera que, se este for o caso, os que venham a ser responsabilizados pelo genocídio cometido não se apeguem aos conhecidos argumentos nazistas de que estavam apenas “cumprindo ordens” com bons soldados do governo, quando se sabe que a regra dentro da caserna ou em qualquer ambiente de respeito à democracia e à vida humana é a de que “ordens absurdas não se cumprem”. Pelo menos é o que tem propalado o próprio Bolsonaro para se opor às decisões do STF, mas, neste caso, numa tendenciosa e equivocada leitura sobre a “independência dos poderes” no regime democrático.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
Foto: Reprodução da Internet; Ponte.
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