Por José Arrabal
Não há nada mais alegre do que festa de São João na cidade de Paineiras onde estive certa vez, sendo tradição local desde os anos cinqüenta, há mais sessenta anos, foi o que me contaram.
Consta que a festança nasceu devido à paixão entre moça do lugar e jovem de outra cidade, no ano após terminada a II Grande Guerra. Amor à primeira vista noutra festa de São João em lugarejo vizinho não distante de Paineiras.
História de certa Chica, mais tarde Dona Francisca, que, presente no evento, encantou-se por rapaz de nome Francisco Aurélio, estudante de Direito, animado carioca.
Viu, gostou, se apaixonou, a noite inteira dançou com esse moço do Rio. Em namoro encaminhado, trouxe o jovem a Paineiras para apresentar aos pais. Antes pediu a São João que abençoasse a paixão. Fez, em segredo, promessa.
São João, que é bom, concedeu, aceitando o prometido. Cinco anos depois, num 24 de junho, Francisco Aurélio e Francisca se acertaram casados. Foi daí que a jovem Chica, devido a sua promessa, ano após ano passou a comemorar São João, o que acontece até hoje, é tradição em Paineiras, com presença de visitas até de outros lugares.
Um mundão de pessoas atraídas pelos doces, variação de salgados, quentão, muito foguetório, agora já sem balão, por causa de triste incêndio que aconteceu em 2000, quando balãozão perdido caiu sobre a serraria na entrada da cidade, o que dividiu o povo, parte ficou na festança, parte apagou o fogo.
Devido ao acontecido não se usou mais balão nessa festa de São João. Mas tem bombinha de estalo, tem cabeça de nego, rojão, muito busca-pé, chuva de ouro no céu e gigantesca fogueira toda em maçaranduba, a madeira apropriada, boa para queimar sem gerar muita faísca.
Ao redor da fogueira lá está quem sempre está. As moças namoradeiras em vestidos de chita, muita tinta no rosto e flor branca nos cabelos, cabelos sempre com tranças.
Mais moços fantasiados com calças de brim marcadas por mil remendos forjados, as calças arregaçadas pelo meio das canelas, todos de chapéu de palha, lenços de cor no pescoço, as camisas semi-soltas para fora da cintura. Uns com sapatos trocados, esquerdo no pé direito, direito no pé esquerdo, outros de pé no chão e alguns com chinelão.
No comando dessa festa governam Dona Francisca e Dr. Francisco Aurélio. Vivos, alegres, saudáveis, juntos dos oitenta anos. Sempre recebem todos em grande congraçamento.
Tem de tudo na festança. Só não tem confusão, briga que nunca teve, pois Deus decerto vigia. Tem bem mais de um sanfoneiro. Tocador de cavaquinho, tocador de violão, igualmente estão presentes.
Tem dança para quem gosta, atendendo a todo gosto. Muito forró e muito samba, mambo, tango e baião. Tem vez que nem falta rock. E claro que tem quadrilha, casamento caipira, bênção com água benta, pois o padre de Paineiras colabora, nunca falta ao São João do lugarejo.
Doce é sempre o que tem mais. Tem tijelão de canjica com e sem amendoim, rapadura com sabor de gengibre e de mamão, mais castanha de caju.
Pé de moleque e de moça. Queijadinha, olho de sogra, cajuzinho à vontade. Goiabada, bananada, doce de batata doce, cuscuz e broa de milho, milho cozido e assado, milho também na brasa. Cocada, fruta em compota. Cana picada e garapa. Bolos, pudim de leite. Refrescos sempre gelados.
Tudo para quem quiser, com quentão de vinho quente, de cachaça com canela, licor de laranja lima, de limão, maracujá, pêssego e jenipapo, além de outros sabores.
Salgado? Claro que tem. Carne de porco frita, linguiça de todo tipo, churrasquinho de boi, de galinha, de carneiro. De gato, este não tem, nem tem o de passarinho.
Inhame bem cozidinho desmanchando na boca. Mandioca em pedaços quentes. Um bandejão de torresmo. Tapioca, queijo e pão. Feijão preto, feijão branco, paio gordo no feijão, mais arroz em três receitas.
Tem até mesmo comida herdada do estrangeiro pro cardápio brasileiro. Doces árabes, esfirras, quibe frito e de bandeja, amêndoas adocicadas, frutas cristalizadas, receitas de espanhol, muita massa italiana, tudo oferta de amigos.
Tem duas mesas de sorte, com arruda, ferradura, figa, baralho comum, mais baralho tarô; espelho d’água em bacia para quem quiser se olhar. (Ai daquele que vai ver e não enxerga seu rosto refletido nesse espelho. Fica mal afamado, com fama de lobisomem ou de mula-sem-cabeça. No correr de toda a noite corre muita boateira por conta dessa bacia).
Nessas mesas também tem a bacia das agulhas com água, óleo por cima. (Moço e moça enamorados jogam nessa bacia duas agulhas pequenas. Se as agulhas se juntam, chegarão ao casamento. Se afundam sem juntar, o namoro, certamente, condenado a acabar, não passa de brincadeira).
Não custa muito essa festa, pois desde os anos oitenta, um vereador local, Luiz Antônio Carvalho, fez aprovar projeto de ajuda financeira da prefeitura ao evento. Graças ao que propôs e conseguiu incluir no orçamento da cidade, houve quem sugerisse que fosse o novo prefeito tão logo houvesse eleição. Não quis se candidatar, mas, se candidato fosse, sem erro se elegeria.
E quando a grande fogueira, na madrugada da festa, vira vasto braseiro, torna-se desafio para moços corajosos que, descalços, pés no chão, andam por cima das brasas encantando as namoradas.
No amanhecer do dia, os que então se despedem querem mais ano que vem. Vão embora com fé, certos de que assim será. São João gosta e sempre ajuda.
É santo alegre, feliz.
[Receita para São João
crônica publicada no livro
A Chave e Além da Chave,
José Arrabal
Editora Paulinas]
Foto: reprodução;