Por Fabrício Augusto de Oliveira*
Depois de projetar, em abril, um recuo de 3% do PIB mundial e de 5,3% para o Brasil, o FMI divulgou, no dia 24 de junho, novas projeções que indicam um tombo bem maior em todas as economias neste ano. Se havia alguma expectativa de que as previsões mais pessimistas feitas por outras instituições de pesquisa começassem a ser revertidas com o início da reabertura de algumas economias, essa praticamente se desfez com os novos números divulgados pelo Fundo.
Para o mundo, a nova previsão da contração feita por essa instituição aumentou para 4,9%, com queda prevista de 8% nas economias desenvolvidas, contra projeção anterior de 6,1%; de 10,2% para a Zona do Euro, bem superior aos 7,5% da previsão de abril; e recuo de 3% nas economias emergentes, também mais alta que a projeção anterior de 1%.
Ao nível de países, as novas projeções são, principalmente para as economias mais afetadas pelo novo coronavírus, de terra arrasada. Para os Estados Unidos prevê-se, agora, uma queda de 8% do PIB, mais grave que os 5,9% anteriores. Para os países da Zona do Euro, como França, Espanha e Itália, a estimativa passou a ser de queda superior a 12% e, na Alemanha, de 7,8%. Para o Reino Unido, estima-se que a mesma pode chegar a 10,2%, para o Japão a 5,8% e, para o Canadá, a 4,8%.
Entre as economias emergentes, a previsão é de que apenas a China pode se salvar neste ano deste cataclisma, mas com um crescimento mais modesto de 1% em relação à previsão de abril. Mesmo para Índia projeta-se uma contração de 4,5% e, para a Rússia, de 6,5%. Na América Latina, para a qual se prevê um recuo de 9,4%, Brasil e México devem conhecer um tombo histórico: o primeiro, cuja queda prevista em abril foi de 5,3%, viu essa aumentar para atemorizantes 9,1%, enquanto a do México subiu para 10,5%.
Para 2021, as novas previsões do FMI diminuíram também o otimismo do relatório anterior. A aposta numa taxa de crescimento de 5,8% para a economia mundial caiu para 5,4%. Nas economias avançadas, a expectativa de crescimento até aumentou ligeiramente, saindo de 4,5% para 4,8%, o mesmo acontecendo com as economias da Zona do Euro, onde a taxa prevista foi de 4,7% para 6%.
No entanto, nas economias emergentes, a previsão caiu de 6,6% para 5,9%, principalmente com a baixa registrada na previsão de crescimento da China, que caiu de 9,2% para 8,2%. Já, para o Brasil, passou-se a projetar uma expansão de 3,6%, contra 2,9% da previsão feita em abril. A principal razão da menor expectativa de crescimento das economias emergentes deve-se ao fato de se considerar que as mesmas serão bastante atingidas nessa crise, com a queda do comércio internacional, a redução do nível de investimentos do mundo e a redução da demanda e dos preços das commodities.
As novas estimativas do FMI se alinham, em boa medida, às que recentemente foram divulgadas pelo Banco Mundial e pela OCDE. Para o Banco Mundial, o recuo do PIB mundial em 2020 deverá ser de 5,2% e o do Brasil de 8%. Para a OCDE, com a hipótese de que não ocorra uma segunda onda de contaminação nos países que iniciaram a flexibilização do isolamento social e a reabertura da economia, de 6% e de 7,4%, respectivamente, com a economia mundial e o Brasil voltando a crescer 5,2% em 2021. Mas, no caso de ocorrer um novo surto, o mundo sofreria uma contração de 7,6%, com a queda no Brasil chegando a 9,1%. Neste caso, a expansão em 2021 não iria além de 2,8% do PIB mundial e, no Brasil, de 2,4%.
O que chama mais nessas projeções é que, à medida que pioram as expectativas sobre o desempenho da economia neste ano de 2020, diminui também o otimismo dessas instituições sobre a força da recuperação em 2021, confirmando que o mundo deverá continuar enfrentando grandes dificuldades, porque mais empobrecido, ainda por um bom tempo, mesmo depois de vencida a pandemia.
Nas economias emergentes, essa situação é ainda mais crítica, como revelam essas projeções. Isso porque se tratam, de uma maneira geral, de economias que, além de apresentarem vários problemas estruturais, são altamente dependentes do comércio internacional, para o qual se projeta uma contração de 12% neste ano; da demanda e dos preços de commodities, enfraquecidos pela anemia da atividade econômica mundial; de investimentos estrangeiros que se encontram em compasso de espera pelas incertezas reinantes sobre o que vem pela frente; e onde os níveis de desemprego, de pobreza e da extrema pobreza são bem mais acentuados do que nos países desenvolvidos, retirando da demanda interna forças para dar impulso à reativação da economia.
Nessas condições, apenas a mão salvadora do Estado aparece como capaz de reativar a economia, consenso que vai se formando entre os economistas de diversas correntes, mas, especificamente no caso do Brasil, preocupados com o tamanho da dívida pública que deve resultar de todo este processo e que, de acordo com as novas projeções feitas pelo FMI deve atingir algo em torno de 102% do PIB, os gestores da política econômica, filiados à mais pura ortodoxia, têm resistido a continuar aumentando seus gastos e procurado fórmulas alternativas para enfrentar essa situação. Essas podem, no entanto, pelo que tudo indica, agravar ainda mais a situação.
Na crença de que a retomada deve se dar pela geração de empregos e não pelo aumento dos investimentos públicos, a equipe econômica do governo Bolsonaro começa a ensaiar alguns passos nessa direção, procurando ressuscitar duas medidas para reduzir os custos do trabalho: a criação de um imposto sobre as transações financeiras (ITF) para substituir os encargos trabalhistas sobre a folha de pagamentos, e a reedição da medida provisória da carteira de trabalho verde-amarela, que abre caminho para o primeiro emprego e cria uma nova previdência pelo regime de capitalização, objeto de desejo do ministro Paulo Guedes.
Independentemente de se tratarem de medidas polêmicas, com efeitos colaterais danosos para a economia, para o mercado de trabalho e para os trabalhadores, tendo sido, inclusive, já rejeitadas pelo Congresso, a crença de que a redução dos custos do trabalho seja suficiente para a retomada dos investimentos e para o relançamento da economia não encontra suporte em nenhum arcabouço teórico que não restrinja, na análise da dinâmica econômica, as restrições da oferta e dos investimentos aos custos salariais. Essa é uma visão muito empobrecida da teoria econômica que insiste em continuar insepulta nas mãos e lentes da ortodoxia.
O fato é que os estragos causados por essa crise, que provocou uma pane completa nas cadeias produtivas, queimando muito capital das empresas, especialmente as do segmentos das micro, pequenas e médias empresas e forte aumento de seu endividamento, assim como o das famílias, devido à elevação considerável do desemprego e à redução de sua renda, enfraquecendo ainda mais o consumo já combalido pela forte desigualdade existente, não podem ser enfrentados e superados apenas com a redução dos custos salariais, como parece acreditar a equipe econômica do governo. Ou seja, trata-se de problemas complexos com variáveis integradas da teoria econômica que não serão resolvidos pelo setor privado e, menos ainda, apenas com a redução dos custos do trabalho.
Se continuar insistindo neste caminho e negligenciar a importância do papel do Estado para retirar o país da crise e para injetar novas forças para o sistema se reerguer, por meio do aumento principalmente dos investimentos públicos, como tem sido recomendado até mesmo por representantes mais esclarecidos da ortodoxia e por instituições importantes como o Banco Mundial e a OCDE, o Brasil pode se preparar para continuar por um tempo ainda mais longo prisioneiro dessa grande recessão. Pela teimosia irracional da ortodoxia apegada à profissão de fé do equilíbrio fiscal como chave-mestra para abrir as portas do paraíso.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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