Por Fabrício Augusto de Oliveira*
O presidente Bolsonaro parece ter ingressado, estrategicamente, na fase chamada de “paz e amor”. Mas, ao contrário do que tem sido alardeado por alguns jornalistas, autoridades da República, políticos e até mesmo por alguns de seus aliados sectários, isso não significa que tenha se reconciliado com a nação, dispondo-se com ela a marchar por caminhos democráticos e mais civilizados. Trata-se, na verdade, apenas de um recuo estratégico, motivado por algumas démarches não bem-sucedidas em seu projeto autoritário e pelo enfraquecimento das forças que o apoiam, por não ser possível acreditar que tenha, em tão pouco tempo, deixado para trás as bandeiras antissociais e antidemocráticas que esposa e defendeu ao longo de toda a sua vida.
Entre os elementos que justificam o seu recuo, alguns merecem ser destacados: a falta de apoio dos comandantes das Forças Armadas às ameaças e intimidações que vinha fazendo, juntamente com seus assessores militares da reserva, às instituições democráticas, visando criar o caos para justificar um golpe militar; o avanço das investigações do inquérito sobre as fake news do Supremo Tribunal Federal (STF), que começou a colocar vários de seus aliados na prisão e que promete seguir em frente, colocando riscos para seu projeto; a prisão de seu antigo amigo e companheiro de armas, Fabrício Queiróz, de quem se teme a decisão de fazer delação premiada para salvar-se e abrir o livro da vida de seus familiares; a pressão internacional de empresas, de instituições financeiras e de governos, no campo da economia, condenando o descaso de seu governo com o meio-ambiente e ameaçando, caso essa política não seja revertida, desinvestirem no Brasil; no campo da política, com seu desprezo por vidas humanas que não sejam as de sua família e de seus amigos. Não é pouco, mas não é tudo.
Glauco Carvalho, coronel da reserva da Política Militar de São Paulo, em carta do dia 08 de julho, em que apresenta sua renúncia ao cargo de vice-presidente da Associação de Oficiais da PM, por considerá-la um reduto bolsonarista, apresenta um retrato que considera o mais fiel do presidente: “Como todo espertalhão, prega a ordem, mas descumpriu a ordem estabelecida em normas legais no final dos anos 80. Como todo falastrão, defende o militarismo, mas foi um indisciplinado por excelência. Como todo estelionatário, prega moralismos, mas é useiro e vezeiro em transgredir preceitos éticos públicos. Como todo incauto, despreza e desdenha da doença e a dor alheias. Como todo insensato, cria confusões e disputas em torno de problemas que na realidade não existem. Como todo imaturo, não pode ser contrariado. Como todo estulto, quer valer-se das armas para depor os mecanismos pelos quais ele foi alçado ao poder. Como todo arrivista, quer o poder pelo poder”. Não poderia ser mais preciso.
Se alguém acredita, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que Bolsonaro abdicou de sua maneira de ser, de sua natureza, tornando-se mais sensato e começado a “fazer política”, pode ir retirando o cavalinho da chuva. Contaminado pela Covid-19, uma doença que menosprezou, chamando-a de “gripezinha”, continuou nessa mesma lenga-lenga, considerando-se imbatível para a mesma ao declarar que, apesar de tê-la contraído, se sentia “perfeitamente bem”, colocando em risco os jornalistas convocados para sua entrevista. Com bom cavaleiro do apocalipse, o da morte, mesmo sentindo os primeiros sintomas da doença, não hesitou em continuar realizando reuniões, expondo seus participantes à infecção e nem autorizou a quarentena dos servidores públicos que com ele tiveram contato. Assim como não se esqueceu de propagandear os benefícios da cloroquina/hidroxicloroquina como panaceia para seu tratamento, sugerindo que a estava tomando para combatê-la, influenciando negativamente a população sobre o seu uso. Como inimigo de governadores e prefeitos por terem adotado medidas de isolamento social, finalmente parece ter reconhecido a importância das mesmas para conter o avanço da disseminação do vírus, mas de forma nada convincente. Nada diferente da visão que o coronel Glauco tem dele sobre sua índole.
É possível que enquanto Bolsonaro estiver acuado continue a se comportar como nas duas últimas semanas em que evitou tanto contatos com a turma de seu “cercadinho” como a lançar impropérios, a torto e à direita, aos seus adversários e às instituições democráticas, em especial ao STF. O que não se pode é baixar a guarda, como ocorreu até recentemente, quando suas diatribes e insultos eram respondidos apenas com “notas de repúdio”, acreditando que tenha renunciado ao seu acalentado sonho de substituir a democracia no Brasil por um regime autoritário. Porque, se isso acontecer, o fim do campeonato não será benéfico nem para a democracia, nem para o país, como adverte o coronel Glauco.
* Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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