Por Guilherme Henrique Pereira*
Já se encontram em circulação muitos artigos sobre avaliações de como será o mundo, bem como proposições em vários campos sobre atitudes, políticas de governos, impulsos para negócios digitais e inovadores para serem praticados no pós pandemia. Nas avaliações há um consenso que esta é maior crise da história do capitalismo mundial.
Na atividade econômica, prevalecem as previsões de tombos expressivos no PIB, com taxas negativas variando, segundo o FMI, de 4% a 12%, em razão da vulnerabilidade de cada economia versus os graus de contaminação e letalidade alcançados pela COVID-19. Poucos serão os países que, China como exemplo, escaparão das taxas negativas, embora na rota de crescimento muito abaixo daqueles verificados nas respectivas histórias recentes.
Para os brasileiros que já vivenciavam taxas negativas ou muito baixas desde 2012, o tombo estimado da ordem de 10% representará um retorno a patamares de muitas décadas anteriores. Mas, para alguns poucos ramos de negócios que já se automatizaram o prognóstico é que poderão experimentar crescimento, porém insuficientes para compensar as perdas, principalmente no emprego que ocorrerá nas demais atividades.
Estas previsões podem ser revistas, mas parece inevitável o crescimento da pobreza, das tensões sociais que serão motivadas pelo elevado desemprego, pelo desalento da falta de oportunidade, pelo corte nos direitos sociais/trabalhistas, já em curso, e pelo aumento da violência em suas diversas manifestações. Tudo isso sinaliza dias cinzentos no horizonte. Governos e organizações da sociedade civil têm pela frente desafios jamais imaginados.
No que se refere a atividade econômica, ainda encontramos economistas que acham que o mercado reagirá com rapidez e retomará logo a trajetória de crescimento. No caso brasileiro, essa expectativa foi anualmente frustrada desde 2012, pelo menos. Mesmo diante das evidências de fraqueza de fontes de crescimento, vários economistas, principalmente os ocupantes de cargos nos governos, repetem à exaustão falas sobre “placebos” (reforma da previdência, reforma trabalhista) na expectativa de gerar efeitos psicológicos estimulantes dos investimentos.
O mais preocupante é pensar em como caminharemos quando a pandemia acabar. Será difícil em todos os países. Mas no Brasil temos o agravante dela não ter interrompido uma trajetória de crescimento que poderia ser sem delongas retomada. Aqui ela só aprofundará a crise que já nos encontrávamos. Mais de uma década terá passado em que o Brasil, ao contrário de avanço, retrocedeu em todas as dimensões: renda per capita, fontes de dinamismo de crescimento, cultura, cidadania, sustentabilidade, etc.
Recordemos que até alguns anos atrás, as indústrias com capacidade ociosa podiam aumentar a produção estimuladas pelo aumento do consumo e em outros anos pelo aumento das exportações de commodities. Estas fontes estão fora de qualquer possibilidade real nos próximos anos. O alto desemprego que temos pela frente e a queda de renda de autônomos, prestadores de serviços, microempresários, redução de salários, etc, tornam mais plausível a previsão de queda de consumo. O crescimento negativo ou muito baixo no resto do mundo não permite prever aumento de exportações. Ainda mais que estão sob ameaças por conta do desmonte da política ambiental. A outra possibilidade de fonte de crescimento é o aumento dos investimentos, privados ou públicos. Quanto ao privado, somente alguns poucos falam que o crescimento retornará estimulado pelo investimento privado. Com capacidade ociosa, níveis elevados de incertezas e sem perspectivas de mercado, beira a insanidade a crença nesta expectativa. Hoje se fala em reforma tributária como o “placebo” da vez, colocando vendas nos olhos para o tamanho do desastre que deveremos enfrentar. O que resta então? A única possibilidade restante para dinamizar a economia será o investimento público.
A pergunta que está colocada é o quanto os governos estão dispostos e preparados para uma nova geração de políticas governamentais ousadas ao ponto de bancar volumes significativos de investimentos públicos em situação de já elevado déficit orçamentário? Esta avaliação é de importância decisiva para começar a refletir sobre o que vem por aí. A formulação das políticas governamentais depende de muitas condicionalidades, valendo destacar os interesses dos grupos que em determinado momento comandam o governo; e do perfil dos gestores públicos que, de certa forma, decorre ou espelha a própria hegemonia dos interesses no comando. É dos gestores que se espera o trabalho intelectual de formular as propostas de políticas; e da correlação dos interesses dominantes os recursos e a autorização para sua implementação.
Fugindo dos clichês postos pelas preferências de modelos políticos à esquerda ou à direita, ou ainda partidários, e buscando interpretar os princípios abraçados pelos gestores a partir de suas propostas, é possível identificar dois perfis principais: o financista e progressista.
Para o progressista o Governo existe para além da prestação dos serviços essenciais – saúde, educação e segurança – e tem uma funcionalidade decisiva no controle e na promoção do investimento que é a varável chave do sistema capitalista. Cabe a ele gerar as condições necessárias a manutenção dos investimentos privados em níveis elevados, bem como os investimentos públicos. E ainda compensar o fluxo de investimentos sempre que em condições desfavoráveis o investimento privado se retrair. Entende que os fluxos financeiros se ajustarão no médio prazo sem nenhuma consequência desastrosa para os níveis de preço, incluindo taxa de juros, ou para a retração da atividade privada. Ao contrário, entende que o fluxo de investimento bancado com déficit/endividamento, manterá o nível de emprego, consequentemente, renda e consumo em níveis suficientes para atrair o investimento privado, consolidando a demanda agregada em nível adequado para uma taxa de crescimento positiva e ascendente. Nenhuma preocupação com o fluxo de caixa, pois o foco é maximizar o atendimento das necessidades da população, da renda e do emprego.
Já o financista entende que o mercado tem mecanismos de auto-regulação e basta que o governo não atrapalhe com suas políticas. Deve manter o custeio e o investimento públicos bem contidos e, se possível, abaixo da receita arrecadada. Superávit e aplicações financeiras elevadas para garantir qualquer eventualidade tem efeitos positivos sobre ânimo do empresariado para implementar novos projetos e manter o nível elevado do investimento. Nenhuma preocupação com as necessidades da população, com o nível da renda pessoal e com o nível de emprego. O foco é maximizar os saldos positivos do fluxo de caixa, no limite, o financista gostaria que o Governo minimizasse até os serviços essenciais para que a robustez das aplicações financeiras do governo deem, por um lado tranquilidade e garantia de cumprimento das pequenas despesas de governo e, por outro, demonstrasse para o mercado o afastamento de qualquer possibilidade de aumento de impostos e garantia de pagamentos de compras sempre em dia. Apreciam a defesa de fundos previdenciários com elevadas reservas, criação dos chamados “fundos soberanos” e outras preciosidades semelhantes. O ajuste fiscal, restrito ao corte de custeio e investimentos, mas, nunca o atraso de pagamentos de compromissos com o mercado financeiro, é o viés de políticas governamentais mais desejado.
Lamentavelmente é muito evidente a predominância do perfil financista nos governos federal e estaduais. Deste modo, não é possível esperar que sejam formuladas políticas ativas de recuperação da atividade econômica no pós pandemia.
*Professor, Doutor em Ciências Econômicas.
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