Fabrício Augusto de Oliveira*
O tombo de 8,3% previsto para o PIB da União Europeia em 2020, devido à pandemia da Covid-19, levou os países do bloco a aprovarem, em julho, um inédito pacote de 750 bilhões de euros de ajuda aos por ela mais afetados. O caráter inédito do pacote deve-se ao fato de nem todos os recursos tratarem-se de empréstimos, mas também de subsídios concedidos a fundo perdido, algo até então impensável num bloco econômico que prima pela disciplina fiscal e teme incentivar, com uma política dessa natureza, gastos descontrolados. Não foi, por isso, um pacote aprovado sem despertar polêmicas e resistências por parte de alguns países.
O que torna este pacote um exemplo de solidariedade é o fato de que enquanto a sua conta é debitada para o conjunto dos países que compõem a União Europeia, que se tornam responsáveis pelo seu pagamento, seus principais beneficiários são os que foram mais atingidos pela crise, como a Itália, a Espanha e a Grécia, por exemplo, seja na forma de subsídios ou de empréstimos. Só a Itália e a Espanha devem receber cerca de 50% de seu total (349 bilhões de euros), dos quais em torno de 150 bilhões (40%) a fundo perdido. Apenas a existência de um espírito de solidariedade entre os países que compõem o bloco para enfrentar as dificuldades atuais, enquanto se distribuem custos e benefícios diferenciados, permite entender sua aprovação.
Apresentado pela Comissão Europeia no final de maio, o pacote, denominado Fundo Europeu de Recuperação, despertou, no entanto, muitas resistências ao seu formato. Sua proposta inicial era a de destinar 500 bilhões de euros na forma de subsídios, a fundo perdido, e 250 bilhões na forma de empréstimos, como defendia inicialmente a Alemanha e a França. Países do Norte e do Leste da União Europeia, como a Holanda, Suécia, Dinamarca, Áustria e Finlândia, por exemplo, conhecidos como “frugais” ou “sovinas”, embora não tenham a ele se oposto, defendiam que os repasses a serem feitos fossem restritos à forma de empréstimos e não contemplassem recursos não reembolsáveis. Somente em julho, em reunião prevista para o dia 17 e 18, mas que se estendeu até o dia 21, o Conselho Europeu procurou encontrar alternativas para conciliar as posições divergentes entre os estados-membros do bloco e chegar a um acordo para a sua aprovação. Para isso, teve, no entanto, de fazer algumas mudanças no projeto original.
A mudança mais importante feita para agradar os países mais “frugais” foi a redução dos recursos não reembolsáveis de 500 bilhões de euros para 390 bilhões e o aumento da parcela destinada a empréstimos de 250 para 360 bilhões. Além disso, foram aumentados os descontos (rebates) dados aos países que consideram sua contribuição para o orçamento do bloco, aprovado com dotação de 1,074 trilhão para o período de 2021-2027, desproporcional ao que recebem, casos da Alemanha, Dinamarca, Holanda Áustria e Suécia.
Dos 750 bilhões do programa emergencial, 70% devem ser liberados nos anos de 2021 e 2022, e 30% em 2023, e serem financiados com a emissão de títulos da dívida pela Comissão Europeia, com o seu pagamento previsto para cerca de 30 anos, entre 2028 e 2058. Para ajudar no seu financiamento, aprovou-se, também, a criação de impostos e taxas comunitárias, incidentes sobre produtos plásticos não reciclados, poluentes grandes conglomerados da internet, entre outros, uma novidade na história fiscal da União Europeia.
O Plano condiciona, ainda, a aplicação de parte dos recursos recebidos na forma de subsídios à vários programas europeus, entre os quais, os de pesquisa tecnológica, desenvolvimento rural e ao fundo de Transição Justa constituído para ajudar as regiões que se encontram mais atrasadas na transição energética. Restaram, portanto, 312,5 bilhões dos subsídios para serem aplicados no financiamento de programas de reforma e de investimentos, que devem ser definidos, por cada país, em um Plano Nacional de Recuperação, o qual será monitorado por uma maioria qualificada dos vinte e sete governos da União Europeia, podendo a Comissão Europeia suspender os desembolsos de recursos, caso se confirme que o país beneficiário não esteja cumprindo as metas, as reformas e os compromissos estabelecidos neste Plano.
Aos 750 bilhões de euros somam-se 1,074 trilhão de euros do orçamento comunitário para o período 2021-2027, dos quais a maior parte será destinada para as Políticas de Coesão do bloco, voltada para encurtar as distâncias econômicas inter-regionais, e a Política Agrícola Comum. Ou seja, para fazer uma travessia mais suave da crise atual, o orçamento da comunidade europeia conta com recursos totais de 1,824 trilhões de euros, dos quais 390 bilhões serão distribuídos a fundo perdido.
Parta Pedro Sanchez, primeiro-ministro da Espanha, um dos países mais castigados pela crise do novo coronavírus, o acordo aprovado representa uma espécie de Plano Marshall para a Europa e, também importante, sem ter deixado de vincular a obtenção de seus recursos a princípios claros do bloco, como os que dizem respeito à defesa do meio-ambiente e ao avanço da tecnologia digital, assim como o respeito, por parte dos países que os receberem, ao compromisso com os valores da democracia e dos direitos humanos, colocando dificuldades para a Hungria e Polônia, cujos governos vêm sendo investigados nesse campo. Uma solidariedade que deve levar a União Europeia a sair ainda mais fortalecida da crise.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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