Por Erlon José Paschoal *
Um dos maiores prazeres e desafios que tive como gestor da Cultura no Espírito Santo foi coordenar um programa de amplas atividades voltado aos jovens. Em razão de benefícios fiscais concedidos ao setor atacadista no final de 2008, o governo do ES estabeleceu em conjunto com ele a criação de um Instituto, cujos recursos de acordo com seu estatuto deveriam ser aplicados na área da Cultura, a partir de diretrizes estabelecidas pela SECULT em parceria com outras duas secretarias. A primeira proposta da equipe da SECULT foi então formatar um programa voltado ao público jovem, que carecia até então de políticas específicas que pudessem estimular o seu desenvolvimento. Fui incumbido da coordenação deste programa. Elaboramos inicialmente a proposta tendo como tripé: 1) Conceito, ações, público alvo e alcance; 2) Governança, gerenciamento e parcerias estatais e do terceiro setor e 3) Financiamento: recursos oriundos do Instituto Sincades, da SECULT e de outros possíveis parceiros.
O programa foi se configurando a partir de levantamentos feitos na área cultural e da constatação da ausência de políticas destinadas ao público alvo, que pensassem a cultura como expressão e forma de inserção social da juventude. Seu objetivo maior era dar visibilidade aos produtos culturais gerados pelos variados grupos e agentes que dela iriam fazer parte e oferecer capacitações diversas e canais de expressão, fazendo uso das novas tecnologias. A equipe da SECULT, sob a orientação da secretária Dayse Lemos, iniciou a implementação do programa, visando oferecer à juventude do Estado do ES opções para aprimorarem habilidades já existentes, estimular a aprendizagem e a produção cultural, e criar uma rede em todo o Estado de jovens conectados com o desenvolvimento e o fazer cultural, a partir do lema “ideias em conexão”.
O primeiro passo foi organizar a governança e montar uma equipe composta de nove pessoas para gerenciar e executar ações do programa. Estabelecido o perfil dos candidatos, executamos inúmeras entrevistas e selecionamos os responsáveis pelas equipes da plataforma de projetos e da plataforma digital, compostas de três pessoas cada uma, e por seus respectivos gerentes, e o gerente geral. E assim iniciamos os trabalhos sempre em sintonia com a produção cultural já existente no Estado. Para isso contratamos uma instituição para executar um “Mapeamento de Experiências Sociais com Artes e Cultura no Estado do ES”, como um espelho daquele momento nesta área, realizado pelo Centro de Estudos de Políticas Públicas (CEPP) e o “Programa Juventude Transformando com Arte”. Em seguida organizamos o seminário “O Espírito de Um Tempo”, no Centro de Convenções de Vitória, com a presença de jovens de todo o Estado e de convidados de várias regiões do Brasil, tais como Negra Li, Michel Melamed, Clara Averbuck e Lala Deheinzelin, entre outros. Tivemos também vários colaboradores na formatação do programa, entre eles, a consultora Marta Porto do Rio de Janeiro. Para executar os repasses financeiros do Instituto Sincades, foi feita uma parceria com a OSCIP “Universidade para Todos”, uma vez que não seria possível juridicamente repassar os recursos diretamente para a SECULT.
Tais ações iniciais foram de suma importância para identificar o público alvo do programa: jovens de 15 a 24 anos, embora sem um rigor excessivo, pois outros fatores eram levados em consideração, como por exemplo, um jovem de 28 que coordenava algum grupo cultural em sua região etc. Mas era preciso saber: quem eram eles? O que pensavam? O que queriam? Como imaginavam o presente e o futuro? Para o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, presente em nosso seminário, o “futuro foi feito para ser inventado e construído”. E de maneira coletiva.
As diretrizes eram claras: investir no futuro do Estado e do país, contribuindo assim para – segundo nosso mote na época - “o espírito de seu tempo” e fortalecer as manifestações e os interesses culturais de nossos jovens, através de incentivos à capacitação, da premiação das atividades bem sucedidas, de editais para financiamento de ações culturais, da realização de encontros temáticos, de mostras artísticas periódicas, e de investimentos na formação de novos grupos que se utilizassem de uma linguagem artística para comunicar as suas ideias e os seus sonhos. O PRCJ pretendia desenvolver ações de conexões virtuais e presenciais para potencializar as manifestações artístico-culturais das juventudes do Espírito Santo. De forma gradativa, almejamos constituir uma rede de agentes culturais que mobilizasse e potencializasse as criações e produções juvenis. O PRCJ foi orientado pela lógica colaborativa, comprometida com o respeito às diversidades, dando relevo às soluções locais para as questões culturais e estimulando as expressões juvenis por meio das diferentes linguagens artísticas e das novas mídias.
Desde o princípio, o PRCJ estabeleceu uma estrutura organizacional e uma forma de approach dos grupos jovens em todas as áreas, o menos burocratizada possível, o que foi muito difícil dada a estrutura engessada do poder público e de suas leis comumente muitos rígidas, tal como a Lei 8666 relativa a editais, licitações e contratos. Por isso foi necessária a intermediação da “Universidade para Todos”, uma OSCIP para facilitar estes trâmites. Por vezes era bastante estressante tentar convencer os setores administrativos do governo de que repassar recursos para um jovem de 18 anos fazia sentido. Mas apesar de todas as dificuldades conseguimos avançar muito, seja na identificação dos grupos e coletivos, seja no financiamento e nas relações burocráticas, e desenvolver um programa pioneiro com uma capilaridade bastante ampla em todo o Estado.
Os coletivos existentes na época foram parceiros imprescindíveis e fundamentais para a divulgação e consolidação do PRCJ, tendo à frente o “Instituto Tamojunto”, coordenado pelo McPopay. Ao longo da curta existência do PRCJ outros coletivos foram sendo agregados e se transformaram em novos parceiros, e novos coletivos foram formados, estimulados pelas ações implementadas pelo PRCJ e por suas repercussões. Os coletivos são uma nova forma de se organizar artística e culturalmente, e se tornam ainda mais importantes e significativos neste momento em que vivemos no país o desmanche de políticas inclusivas, de ataques fascistas aos fazedores de cultura e, sobretudo, para os jovens de periferia, cada vez mais estigmatizados como incapazes e delinquentes. Trata-se também de uma forma alternativa de intercâmbio de serviços, experiências e práticas artísticas e culturais.
Inúmeras ações e projetos diversos foram implementados empoderando jovens de todo o Estado: das MCAs temáticas (Mostra Capixaba de Audiovisual) envolvendo jovens de 60 municípios, produzindo, editando e exibindo seus filmes a editais de várias características; de uma revista a um portal para viabilizar a rede digital; de um programa de TV a núcleos de criação; de bolsas para artistas, técnicos e pesquisadores aos chamados Agentes Cultura Jovem; de Encontrões coletivos para interação e debates a Mostras periódicas de atividades culturais diversas. Foram ações e projetos contínuos que mobilizaram milhares de jovens em todo o Estado.
Com suas inúmeras ações em todo o Estado, o PRCJ firmou parcerias institucionais sólidas no setor público – SEDU, IASES, SEJUS, FAMES, SECTII, Subsecretaria de Movimentos Sociais, SESPORT, TV-E e gestores de mais de 60 municípios, entre outras – e na sociedade civil – Parceiros do Bem, Instituto Marlin Azul, CUFA, Centro de Referência da Juventude, GRAV, Coletivo Expurgação e inúmeras outras organizações e coletivos das juventudes -, que fizeram do programa a maior rede colaborativa de promoção e fomento das práticas culturais e artísticas dos jovens capixabas.
Ao longo de 2012, este equilíbrio começou a se deteriorar tornando impossível a continuidade da parceria de financiamento, fosse em função da crítica da sociedade civil à política de incentivos e de benefícios fiscais do governo, fosse em função da tentativa do Instituto Sincades de atuar de maneira independente das políticas estabelecidas pela SECULT, o que causou indignação e revolta nos artistas e produtores culturais de todo o Estado, pois contrariava frontalmente o seu estatuto e o acordo feito anos atrás entre o Governo e o setor atacadista no Contrato de Competitividade (Compete-ES). Isto levou ao fim inevitável desta relação de parceria e de investimentos de recursos oriundos de benefícios fiscais no desenvolvimento cultural do Estado. Tais atitudes reprováveis, desrespeitando um acordo entre o Governo e um setor da economia do Estado, fizeram com que o PRCJ durasse muito pouco – três anos e meio apenas -, e que, apesar do sucesso e das conquistas democráticas na área da juventude, fosse desmontado precocemente, levando a retrocessos difíceis de serem superados a curto e a médio prazo nas políticas culturais para a juventude no ES.
A Rede Cultura Jovem criou identificação e comprometimento entre pessoas, grupos e comunidades e se configurou como uma construção contínua de relações interpessoais e uma forma acessível de disseminação de expressões culturais e de conhecimentos. Novos tempos pedem novas formas de abordagem e de preparação do jovem para o futuro. Hoje, mais do nunca, é fundamental investir nas novas gerações. Eis aí um grande desafio para todos que imaginam e querem um futuro melhor.
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.