Por Erlon José Paschoal *
A convivência pessoal e praticamente todas as relações sociais hoje durante a pandemia são intermediadas pelas redes online e pelo mundo virtual. Neste sentido seria fundamental tentar entender melhor como elas funcionam e a que propósitos servem. Uma boa sugestão seria a leitura de “Monopólios Digitais – Concentração e Diversidade na Internet”, publicado pela “Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social”, de São Paulo, escrito por Jonas Valente Marina Pita.
Apesar de seu pouco tempo de existência – as redes sociais desenvolveram para valer nos últimos vinte anos – não se concebe mais nossa vida em sociedade sem elas. A princípio, a internet e sua utilização pública instauraram a ideia de democratização do acesso à produção e à disponibilização de conhecimentos e de informações. Mas os estudos e as pesquisas presentes neste livro mostram que este ambiente digital vem sendo cada vez mais dominado por grandes monopólios que substituem ou se associam aos conglomerados econômicos tradicionais.
Prova disso é que quase tudo o que é disponibilizado nas redes está nas mão de poucas empresas, como Google, Facebook, Microsoft e Apple, os líderes globais em conteúdo como Netflix, Spotify, Deezer e Amazon, e redes de contatos pessoais como Snapchat e Twitter, todas norte-americanas, com exceção do Spotifay – sueca – e da Deezer – francesa. São plataformas e tecnologias hegemônicas e quase sem concorrência no mercado. E além disso adotam a tática de adquirir tudo de novo que aparece. Basta lembrar que o Facebook adquiriu o Instagram e o Whatsapp quando estes surgiram, e o Google comprou o Youtube e o sistema operacional Android, o que fortalece a concentração, aumenta exponencialmente o número de usuários e amplia a quantidade de dados que vão sendo armazenados sobre o público consumidor. Se isso é preocupante no sentido econômico, é mais ameaçador ainda no aspecto cultural e na disseminação de visões de mundo homogêneas, de narrativas únicas e de opiniões políticas conservadoras. E fica a questão: como deter, impedir ou minimizar a concentração e o domínio quase absoluto das tecnologias de informação e da produção de conteúdos e a consequente restrição de concorrência?
Afinal, as eleições de Trump e de Bozonazi foram em larga medida uma vitória das fakenews e dos tais anúncios personalizados, elaborados a partir das informações coletadas sobre os usuários. Estes dados pessoais passaram a ser, aliás, uma das maiores fontes de riqueza destes conglomerados e utilizados como mercadoria a ser vendida como qualquer outro produto, sem que o usuário tenha qualquer controle sobre isso. Como afirmam os autores: “A influência desta conformação da Internet sobre o direito humano à comunicação traz fenômenos preocupantes, como a potencialização da vigilância por governos e empresas; a mediação do debate público por poucas plataformas (como Google e Facebook), tendo como expressões o crescimento das chamadas “notícias falsas”, o controle editorial por tecnologias inteligentes (como algoritmos, aprendizagem por máquina e inteligência artificial), o reforço de “bolhas ideológicas” e do discurso de ódio; a possibilidade de manipulação de debates e eleições – com o uso de criação de perfis e de anúncios personalizados – e a privatização crescente do consumo de cultura, em detrimento da circulação livre e do conhecimento compartilhado.”
Desse modo, estas poucas redes controlam também, através de algoritmos misteriosos – uma verdadeira caixa-preta destas empresas – o que o usuário pode ver, o que ele curte e quais postagens dele os outros podem ver. Como consequência mais danosa a curto e, sobretudo, a longo prazo, é a anulação da diversidade e de um ambiente aberto que assegure a presença de expressões diferentes, até antagônicas, e de propostas progressistas e democráticas, de maneira mais equilibrada, uma vez que a centralização imposta pelos gigantes do mercado dissemina hábitos de consumo e de formação de consciências unificadas e pasteurizadas. O que na realidade não surpreende, pois estas corporações atuam a partir da lógica capitalista de acumulação de capital e da eliminação do senso crítico, tudo embrulhado para presente com uma roupagem fashion de liberdade e de modernidade.
Mas como fazer frente a tudo isso e manter assim a liberdade individual e a autoconsciência? Bem, somente através do discernimento e da compreensão de todos estes processos e de seus impactos na vida social e nas relações humanas. Então mãos à obra!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.