Fabrício Augusto de Oliveira*
Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é um político em conflito. Volta e meia desentende-se azedamente com o presidente Jair Bolsonaro e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, contrapondo-se a medidas que, na sua visão, são desfavoráveis para a sociedade. Mas, logo em seguida, ao menor aceno que estes lhe fazem, afagando seu ego, recua e passa a defender, racionalizando-as, suas propostas. Nesses desencontros, as posições de Maia tornaram-se um enigma, pouco se sabendo o que ele está, de fato, defendendo ou de que lado está: se do governo ou da população.
A última de Rodrigo Maia foi a de defender o congelamento dos valores das aposentadorias e pensões do INSS, justificando a medida como necessária para “abrir o espaço fiscal nos próximos dois anos”, argumentando que, na pandemia, já havia proposto medida semelhante, a redução da jornada de trabalho e dos salários para todos servidores públicos, a qual, no entanto, foi rechaçada pelo STF. Mas não se diga que Maia não tem sensibilidade social: para ele, a medida só valeria para quem recebe mais de um salário mínimo, o que protegeria a maior parte dos aposentados e pensionistas. Os demais que se virem para complementar suas necessidades de renda, sabendo-se que não vão reverter as perdas que sofrerem.
A entrada em cena da proposta de desvinculação da correção dos benefícios previdenciários pelo salário mínimo e de seu congelamento por dois anos, capaz de produzir, estimativamente uma economia de recursos de R$ 58 bilhões, foi fruto do laboratório das brilhantes ideias da equipe econômica do ministro Paulo Guedes, instada a encontrar fontes de recursos para o programa de assistência social de Bolsonaro, chamado de Renda Brasil, com o qual pretende viabilizar sua reeleição em 2022.
Depois de ver frustradas suas propostas iniciais de tirar recursos de outras áreas sociais para essa finalidade – seguro-desemprego, farmácia popular, educação, saúde etc. – e vê-las criticadas pelo próprio Bolsonaro que quer apenas somar votos, o laboratório de Guedes continuou operando a plena velocidade, visando encontrar resposta para essa questão. Mas, coerente com sua visão de ser pecado capital onerar as camadas ricas da sociedade, de onde poderiam vir recursos em abundância para “abrir o espaço fiscal”, procurando apenas identificar os setores mais vulneráveis da população que poderiam arcar com essa conta sem provocar grandes prejuízos políticos para o governo. Seus membros acreditaram tê-los encontrados entre os aposentados, pensionistas, idosos e deficientes, confirmando sua insensibilidade social. Mas, novamente se enganaram.
Rodrigo Maia confirmou, em entrevista ao Estadão/Broadcast, sua adesão à proposta antes mesmo que Bolsonaro sobre ela opinasse e, dada sua precipitação, dessa vez se deu mal. Isso porque, ante a repercussão negativa da mesma na imprensa e na opinião pública, Bolsonaro, de olho no voto deste segmento numericamente expressivo, simplesmente não só a repeliu, mas foi além: ameaçou dar cartão vermelho para quem a formulou e desistiu, de vez, do Renda Brasil, reforçando sua posição de que “não tiraria recursos dos pobres para melhorar a vida dos paupérrimos”.
O maior problema da equipe econômica de Guedes para administrar a crise fiscal é o de que a mesma foi treinada para evitar a taxação sobre as grandes rendas e riquezas, por acreditar que, sem elas, não há salvação para o crescimento econômico, mesmo contrariando a teoria econômica e a experiência histórica. Com a visão bloqueada para a realidade dos fatos e da ciência, o que é típico da ortodoxia econômica, não era de se esperar que, de fato, a equipe econômica conseguisse chegar a uma equação que atendesse os objetivos de Bolsonaro.
Rodrigo Maia, por sua vez, dispõe em mãos, como presidente da Câmara, de uma proposta de reforma tributária apresentada pelos partidos de esquerda – chamada de “reforma justa e solidária” – que, se aprovada, poderia perfeitamente “abrir o espaço fiscal” como ele pretende, e reforçar as escoras do crescimento, contribuindo, também, para a redução das desigualdades. Em vez disso, continua insistindo numa reforma apenas da tributação indireta que, se resolve ou atenua algumas mazelas do sistema, mantém praticamente intocadas suas principais distorções. Não surpreende, assim, que apenas consiga enxergar no sacrifício dos aposentados, idosos e deficientes, a solução para o problema fiscal no Brasil na atualidade.
Mesmo que por estritos objetivos eleitorais, Bolsonaro, ao bater de frente com a equipe de Guedes para não sacrificar os pobres e, indiretamente, com Maia, nessa questão, segue construindo, com sucesso, a imagem de seu defensor. Enquanto Guedes e Maia vão se tornando, aos seus olhos, seus principais algozes para salvar a economia e o ajuste fiscal.
* Doutor em economia pela Unicamp, articulista do Debates em Rede, membro da Plataforma de Política Social, do Grupo de Conjuntura Econômica da UFES, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2008)”.
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