Por Erlon José Paschoal *
Em 1966, o sociólogo e filósofo alemão Theodor Adorno leu em um programa de rádio um texto abordando os genocídios e as condições de surgimento do fascismo, com a intenção de contribuir para que tais atrocidades jamais viessem a se repetir na História humana. Trata-se do texto depois publicado com o título de “Erziehung nach Auschwitz” (Educação após Auschwitz). Como todos sabem, Auschwitz é o nome de um lugarejo na Polônia, onde os nazistas instalaram o maior campo de extermínio de seres humanos, dotado de um processo industrial de assassinato em massa, durante a segunda Guerra Mundial.
Vale lembrar que Theodor Adorno em seu livro “Dialética do Esclarecimento”, escrito em parceria com Max Horkheimer, criou o conceito de indústria cultural, uma referência sempre atual para o entendimento da sociedade contemporânea e da cultura de massa. Nesta obra, escrita duas décadas antes, os autores intentaram descobrir, sobretudo, por que a “humanidade, ao invés de entrar em um estado verdadeiramente humano, de civilidade, estaria se afundando em uma espécie de barbárie”. Ambos são os principais representantes da Teoria Crítica, uma teoria social que analisa criticamente a sociedade capitalista-burguesa, com o intuito de revelar os seus mecanismos de opressão e de repressão, e sua respectiva ideologia, e partir daí criar uma sociedade mais racional e mais justa, composta de seres humanos emancipados.
Pois bem, depois daqueles horrores cometidos por “pessoas de bem”, por pessoas comuns, Adorno constatou a necessidade de se investir na educação com foco nas crianças e difundir esclarecimentos amplos e constantes para produzir na sociedade um clima intelectual, cultural e social que não admitisse mais a repetição de tais bestialidades, fazendo com que os seus motivos, as suas causas, de algum modo se tornassem conscientes. E isto de uma forma inovadora, uma vez que pregar o amor e apelar para os ensinamentos cristãos tradicionais, tais como a fraternidade e os dez mandamentos, por exemplo, não surtiriam mais efeito algum. E por uma razão clara: eles não problematizam a ordem social que produz e reproduz a frieza, a indiferença pelo Outro, a escolha de um objeto de ódio, a rejeição do que é diferente e a barbárie.
Infelizmente constatamos neste início do século XXI que esta Educação não foi colocada em prática e o passado retorna em nova embalagem com seu culto às armas, ao nacionalismo fanático, às obsessões religiosas, à violência gratuita, às intimidações e perseguições e à espetacularização das guerras e crimes hediondos. Uma condição, nestes nossos tempos de mídias hegemônicas e de novas tecnologias, piorada pela rapidez com que tais anomalias se propagam e contaminam indivíduos com traços sádicos reprimidos, ódio represado, racistas, homofóbicos e machistas de toda espécie. O Brasil, por exemplo, está sendo dominado novamente por milícias fascistoides agressivas que idolatram torturadores e assassinos, pretendem aniquilar a democracia, o Estado de Direito e instaurar o terror, e assumem publicamente seus ideais fascistas e sua sanha destrutiva.
E tal como na época de Auschwitz, o inimigo pode ser qualquer um: o muçulmano, o iraniano, o petista, o chinês, o norte-coreano, o venezuelano, o comunista, o palestino, o esquerdopata, o russo, e quem mais as elites dominantes escolherem. O impulso provocado pelo medo e pelo ódio é liquidar o Outro, eliminar o diferente, mesmo sem qualquer razão real, objetiva e lógica. Uma espécie de psicose coletiva, de demência compartilhada e amplificada hoje, sobretudo, através das redes sociais e dos oligopólios midiáticos.
Para Adorno, a realidade, que possibilita a existência de tais embrutecimentos e degenerações sociais, precisa ser debatida e compreendida, seja quais forem as suas características específicas; o nazismo, o bolsonarismo, o fascismo, as ditaduras militares, a tortura, as guerras, a escravidão e o desejo hediondo de exterminar o Outro, aquele que pensa e vive de outra maneira e acredita em outras formas de convivência social e política.
Trata-se de algo com o qual a humanidade vai ter de se ocupar se quiser prosseguir existindo como uma espécie de seres racionais na face terrestre. Para Adorno, o caminho para este enfrentamento é a autonomia, a liberdade de reflexão crítica, a autodeterminação, a compreensão dos mecanismos de funcionamento da sociedade capitalista e o discernimento. Uma longa jornada vida adentro!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.