Fabrício Augusto de Oliveira*
O maior pessimismo das estatísticas do primeiro semestre sobre o desempenho da economia mundial em 2020 começa a perder alguma força, de acordo com as novas projeções de alguns organismos internacionais divulgadas na imprensa. No dia 16 de setembro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou uma revisão da previsão que havia feito, em junho, na qual estimava uma contração global de 6%, reduzindo-a para 4,5%, embora piorando ligeiramente a taxa anteriormente prevista para 2021 de 5,2% para 5%. De qualquer maneira, ainda que o nível da recessão prevista continue brutal, não se pode negar ter ocorrido uma melhoria nas expectativas dos resultados econômicos esperados para o ano em relação ao que predominava no primeiro semestre, quando a pandemia continuava avançando e eram incertas tanto a dimensão como a intensidade de suas consequências.
A melhoria das projeções deve-se, sobretudo, às melhores perspectivas que passaram a ser consideradas para as economias desenvolvidas e para a economia chinesa, em decorrência dos resultados que as mesmas têm registrado no combate e controle do novo coronavírus. A previsão mais pessimista de que o PIB dos Estados Unidos encolheria 7,3% foi substituída por uma queda de 3,6%, enquanto a da Zona do Euro caiu de 9,1% para 7,9%, e a da China, de uma contração anterior prevista de 2,6% para um crescimento positivo de 1,8%. Não chega a ser nada espetacular essa melhoria, mas, diante da tragédia que se anunciou, inclusive com as expressivas quedas do PIB do segundo trimestre de 32,9% nos Estados Unidos, 12,1% na Zona do Euro e de 10,1% no da Alemanha, representa inegavelmente um alívio.
Se houve melhoria nas projeções para as economias desenvolvidas e para a China, o mesmo, no entanto, não ocorreu para alguns países emergentes e mais pobres que têm visto o problema da pandemia se agravar e que devem sofrer mais as consequências econômicas do poder de destruição do novo vírus. Para a Índia, por exemplo, para a qual se previa uma contração de 3,7%, essa subiu para estonteantes 10,2%, o mesmo acontecendo com a estimativa do PIB da África do Sul, cuja queda foi elevada de 7% para 11,5%. De uma maneira geral, a previsão piorou para os países que, além de não terem adotado políticas consistentes de combate ao vírus não dispõem de recursos suficientes para proteger negócios, empresas e garantia de alguma renda para a população.
Para o Brasil, para o qual algumas projeções apontavam para uma queda superior a 10%, as novas estimativas da OCDE indicam, também, que a mesma poderá ser inferior à antes prevista pela instituição de 7,4%. Pelos novos cálculos da entidade a retração do produto doméstico pode ficar em 6,5%, um nível ainda superior ao que vendo sendo esperado pelo mercado brasileiro, de 5,1%, e também pelo governo, que tem mantido a projeção de queda em 4,7%.
Depois da retração de 2,5% do PIB registrada no primeiro trimestre e de 9,7% no segundo, acumulando uma queda de 5,9% no primeiro semestre do ano, a economia brasileira começou a reagir com a reabertura das atividades econômicas, mas, o que foi mais essencial para garantir este desempenho menos sofrível foi, de um lado, o fato de nem toda a economia ter sido desligada, mantendo-se em funcionamento os setores essenciais, juntamente com o agronegócio e, de outro, o auxílio governamental concedido, a contragosto, aos trabalhadores informais, aos pobres e desempregados, que deu alguma força para o consumo das famílias, mesmo com este sofrendo um baque de 12,5% ante o trimestre anterior. A reabertura desorganizada das atividades econômicas e fora do tempo correto no país, antes que a contaminação do vírus entrasse em declínio, deu um impulso adicional para o início da recuperação.
Não se pode, no entanto, apostar que o mundo e o Brasil estejam retornando à uma trajetória de normalidade econômica, porque o vírus continua bastante vivo, sugerindo que uma segunda onda de sua disseminação pode estar em curso com a reabertura econômica realizada. Alguns países desenvolvidos começam a adotar novas medidas restritivas com um novo desligamento de atividades econômicas, devido ao ressurgimento de novos focos da infecção, indicando que novas previsões, para pior da atividade econômica, podem vir a ser realizadas. Enquanto não se dispuser de uma vacina para efetivamente imunizar a população, certo é que o mundo econômico continuará oscilando de acordo com o humor e a força do vírus.
Até o momento, de acordo com o Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV, o governo federal despendeu 11,5% do PIB com as políticas destinadas a salvar a economia e a população mais vulnerável no país – 8,27% em ações com gastos fiscais e 3,21% em medidas de crédito destinado para a concessão de empréstimos, especialmente para empresas. Com isso, a dívida pública deve caminhar para algo em torno de 100% do PIB. Por isso, mesmo que as medidas emergenciais que vêm sendo adotadas contribuam para injetar algum oxigênio na atividade econômica, o cenário que se desenha à frente para o país não é nada animador, caso continuem a predominar as regras atuais de avaliação da situação fiscal dos governos pelo capital financeiro e pelas agências de rating e o Brasil tenha de fazer drásticos ajustamento de seus desequilíbrios fiscais. Neste caso, dependendo da natureza do ajuste que venha a ser implementado pela equipe econômica, uma nova década de recessão e de baixo crescimento pode novamente estar a caminho.
*Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura da UFES, articulista do Rede em Debates, e autor, entre outros, do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2018)”.
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