Fabrício Augusto de Oliveira*
Bolsonaro é mais esperto do que muitos imaginam. Depois de emplacar nomes de sua confiança para defender seus interesses, nas principais instâncias do judiciário do país e acenar-lhes com a possibilidade de sua indicação para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), visando assegurar sua lealdade mesmo em casos controversos, agora indicou Kassio Marques para o mesmo, frustrando as expectativas alimentadas por André Mendonça, Augusto Aras e Otávio Noronha, entre outros, que esperavam ser o escolhido.
A indicação de Kássio Marques surpreendeu por seu nome não figurar entre as cartas do baralho de Bolsonaro e nem ser “terrivelmente evangélico” como se esperava diante da promessa por ele feita. Mas, se não era pelo menos até onde se sabe uma carta do presidente, ela estava presente no baralho do Centrão, um grupo de políticos fisiológicos de direita e extrema direita com quem Bolsonaro vem estreitando relações tanto para aprovar os projetos do governo no Congresso como para se defender de quaisquer processos que coloquem em risco seu mandato.
Mas não parece ter sido apenas para agradar ao Centrão que Bolsonaro indicou o novo ministro. A lealdade com que Aras e Mendonça tem defendido seus interesses, mesmo enfrentando fortes críticas de seus pares do campo jurídico em matérias controversas, deve tê-lo convencido de que não se pode mexer em time que está ganhando e de que ele próprio veria seu mandato enfraquecido, bem como a defesa de suas estripulias, se não pudesse continuar com a colaboração dos dois. Noronha, embora tenha se mostrado à altura de ser indicado ao livrar Fabrício Queiroz da prisão preventiva, parece, à essa altura, carta fora do baralho por não mais presidir o STJ e, portanto, não mais dispor do poder que detinha.
Embora ministro da Justiça, Mendonça se transformou, na prática, em advogado particular de Bolsonaro e desempenhado como poucos essa tarefa, mesmo indo contra as boas normas jurídicas como não cansam de apontar seus críticos. Aras, um nome fisgado com cuidado fora da lista tríplice do Ministério Público, tem mais do que correspondido às expectativas de Bolsonaro e ido até mais longe do que se esperava na defesa de seus interesses, de sua família e de seus aliados, ao mesmo tempo que tem usado de todo o seu poder, com a ajuda da equipe que montou na Procuradoria Geral da República (PGR), para desmontar as estruturas de combate à corrupção no país, usando o argumento de estar combatendo “excessos” das investigações.
Bolsonaro sabe muito bem que enquanto dispuser da possibilidade de indicação de mais um ministro para o Supremo, o que deve acontecer em 2021, com a aposentadoria compulsória de Marco Aurélio Mello, continuará contando com este trunfo para manter perfilados ao seu lado e ao seu dispor tanto Mendonça como Aras, sequiosos por ocupar uma cadeira no Supremo, mesmo que, para isso, vendendo “gatos por lebres” para a população como se estivessem lutando em nome da boa justiça e das boas causas jurídicas para sua proteção. No fundo, e na realidade, uma embromação.
Mesmo que a indicação de Kassio Marques tenha, assim, surpreendido aos que já contavam com a escolha de nomes que figuravam no baralho de Bolsonaro, a mesma já deveria fazer parte de seus cálculos políticos para reforçar sua aliança com o Centrão, da “velha” política. Ainda mais contando com o apoio de ministros do Supremo que geralmente caminham, em suas decisões, na contramão dos interesses da sociedade e que endossaram seu nome, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli, cada vez mais próximos e amigos das causas de Bolsonaro, sabendo que disporia ainda de mais um trunfo para manter Mendonça e Aras leais à sua defesa.
Aos que aplaudiram a indicação de Kássio Marques como uma mudança de comportamento de sua atuação política recomenda-se rever tal posição. Ela nada mais representa, na verdade, a continuação da mesma política de desmonte das estruturas de fiscalização e de investigação dos setores mais poderosos do país, reforçando o grupo do STF que se mantém firme e unido na defesa deste objetivo. Uma política com a qual o Brasil só tem a perder.
* Doutor em Economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social e do Grupo de Conjuntura do Departamento de Economia da UFES, articulista do Debates em Rede, e autor, entre outros do livro “Governos Lula, Dilma e Temer: do espetáculo do crescimento ao inferno da recessão e da estagnação (2003-2028)”.
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