Por Ricardo Coelho dos Santos*
Durante o período de pandemia, preferi nada falar de filmes! É triste ficar isolado das novidades, condenado a assistir somente o pouco que há de novo e o muito de que há de velho e revisto num aparelho de televisão. Vamos e venhamos que os televisores estão cada vez mais avançados, maiores e com imagens e sons cada vez mais deslumbrantes, alguns até nos oferecendo imagens em 3D. Isso é ótimo para se assistir algumas obras lançadas em DVD com direção de fotografia que faz valer a pena tal investimento.
Mas, ainda, não inventaram diversão que substitua o cinema. Se a televisão avançou, o cinema também avançou, e com imagens cada vez mais nítidas, obrigando às produtoras usarem efeitos computacionais com maiores resoluções para não serem percebidos pelo público. A evolução nesse ramo de entretenimento foi, e é ainda, gigantesca. Isso, sem tirar que, numa sala de cinema, nenhuma operadora de telefonia ou empresa de cartão de crédito vai interromper seu lazer com uma ligação com ofertas maravilhosas e nem sua sogra vai ligar para uma conversinha de cinco minutos… E, também, não tenho muita autoridade para afirmar, mas, talvez seja psicológico, a pipoca do cinema é mais gostosa que a feita em casa!
Voltemos às salas de cinema! Muita coisa boa foi guardada, esperando os adoradores dessa arte que encanta gerações anos a fio! Ainda vale gastar o dinheiro do ingresso, um custo baixo para a rica experiência que se passa diante da tela entre duas e três horas, desligado do mundo!
Porém, há algo a se chamar a atenção. Uma coisa que não podemos dizer do cinema é que ele passe uma mensagem aceitável aos padrões de bom gosto, cidadania, ética e comportamento. Na verdade, há uma mostra preconceituosa, racista e até constrangedora. Trata-se dos estereótipos em que o cinema rotula os personagens.
Quem me chamou a atenção sobre isso foi o enólogo, editor de livros e psicólogo Roberto Paes, me mostrando a forma ridícula em que Eddie Murphy trata os gordos. Ora, logo esse ator, afrodescendente, vítima de preconceitos raciais! Ele deveria ter consideração sobre outras condições que as pessoas passam. Nem todo obeso é assim por opção, de modo que um respeito mínimo deve ser observado. A condição da obesidade, principalmente nos Estados Unidos é tal, que uma roupa que coube numa senhora brasileira, essa considerada obesa para os nossos padrões, era originalmente feita para meninas de doze anos!
E, nos filmes, todo gordo é desastrado ou malicioso. Muitos são apresentados comendo constantemente algo engordurado, como se não fizessem outra coisa na vida, e ainda são burros e desastrados. Podemos ver exemplos em “Norbit – Uma Comédia de Peso” de Brian Robbins, com Eddie Murphy, impecável como sempre, a bela Thandie Newton e o talentoso Cuba Gooding Jr.. Também podemos contemplar essa situação em “Jurassic Park”, de Steven Spielberg, com Sam Neill, Laura Dern, Jeff Goldblum, Richard Attemborough, Samuel L. Jackson e o genial Wayne Knight, como o gordo egocêntrico e ganancioso, que, mesmo genial, se torna o grande vilão do filme. Numa hora dessas, penso por que não se revive no cinema o fantástico detetive Nero Wolfe, criação literária de Rex Stout, que, com o peso de um sétimo de tonelada, resolve tudo sem sair de casa. Dois filmes e duas séries de televisão decididamente não lhe fazem justiça.
Os afrodescendentes também foram vítimas de preconceito. Sempre apresentados como inferiores, raramente faziam o papel principal de um filme e eram as vítimas nunca justiçadas. Mesmo agora, muitos filmes os apresentam como vilões cruéis, se não estiverem como policiais. Dois exemplos podem mostrar isso. Um é “Tarzan, o Filho das Selvas”, de W. S. Van Dyke, estreando Johnny Weissmuller, com Maureen O’Sullivan, em que os pobres africanos, obrigados a seguirem a caravana dos brancos, foram dizimados pelo personagem principal, sob o pavor daquele grito que lhes anunciava a morte e a garotada vibrava e tentava imitar. Outro exemplo foi no belíssimo filme “O Sol é Para Todos”, de Robert Mulligan, com Gregory Peck no papel do advogado Atticus Finch, o personagem considerado mais “gente boa” da história do cinema, mais Robert Duvall, na sua estreia, e Brock Peters, no papel do afrodescendente Tom Robinson, que foi condenado mais pela cor da pele do que pela duvidosa culpa. Felizmente, a maior parte desse tipo de preconceito é coisa de um passado que não pode ser esquecido para que jamais se repita.
Porém, ainda há outro preconceito bem atual. É o que se estereotipa os usuários de óculos. Ao contrário das propagandas nas óticas, que mostram moças com rostos entediados, pouco satisfeitos com a vida, no cinema o uso dos óculos revela pessoas excêntricas, muitas vezes idiotas, algumas maléficas. Raramente o personagem principal de um filme usa óculos. Quando vimos “O Professor Aloprado”, dirigido e atuado pelo genial Jerry Lewis, com ainda a belíssima Stella Stevens, mais Kathleen Freeman, que se tornou famosa como a freira de “Os Irmãos Cara de Pau” e Richard Kiel, que também se tornou famoso como o vilão dos filmes de 007 com a boca de aço, vemos que o personagem atrapalhado é o que usa óculos e o bonitão forte, representado pelo mesmo ator, não os usa. Essa imagem é ainda reforçada quando o tímido Clark Kent tira os óculos e se transforma no Superman. Podemos também verificar no excelente seriado “Designated Survivor”, de David Guggenheim, com Kiefer Sutherland, Natascha McElhone e Maggie Q, que o personagem principal, o poderoso Presidente dos Estados Unidos da América, é recomendado a ser fotografado sem os óculos para transmitir uma imagem positiva. Quem sabe, seja por isso que, no meu emprego, eu raramente era promovido…
Chamada essa atenção, tenho por opinião pessoal que o cinema tem a obrigação moral, formadora de opiniões que essa arte é, de quebrar todos esses estereótipos. Verdade que se está indo a favor da opinião de um grande público, alguns que nem reparam tais padrões errôneos. Porém, alguns já estão reparando… E, creiam, o cinema foi quem deu o maior passo a favor de se terminar com os estereótipos contra os afrodescendentes.
Finalizando, foi com muita tristeza que escrevi essas linhas, sabedor do falecimento do grande ator escocês Sean Connery.
*Escritor e Engenheiro.