Por Erlon José Paschoal *
Com a vitória dos nazistas nas eleições em 1933, na Alemanha, inúmeros cientistas, intelectuais, pensadores, filósofos, educadores e artistas tiveram de emigrar para outros países. Um deles foi o teatrólogo, dramaturgo, poeta e encenador Bertolt Brecht (1898-1956).
Mesmo no exílio, ele escreveu um ensaio - quase um panfleto-, que circulou clandestinamente na Alemanha e também entre os escritores exilados, com o título de “Cinco Dificuldades para Escrever a Verdade” (Fünf Schwierigkeiten beim Schreiben der Wahrheit) dirigido, sobretudo, a todos aqueles que utilizam a linguagem escrita como trabalho e como criação artística.
Seu objetivo é propor caminhos e estimular a reação contra governos fascistas que perseguem, ameaçam, agridem, achincalham e impedem a existência digna de grande parte da população e instauram o ódio, a violência e a barbárie como práticas cotidianas. Brecht afirma então que quem quiser lutar contra a mentira, a opressão, a ignorância e a imbecilização coletiva deve:
1º) “Ter a coragem de escrever a verdade”, por mais perigoso e arriscado que isso seja, pois denunciar os desmandos dos poderosos e enfrentar os seus mecanismos de pressão e de manipulação requer esforços adicionais e muita determinação;
2º) “Ter a inteligência de reconhecer a verdade”, afinal há muitas verdades, diz Brecht, como por exemplo “as cadeiras têm assento ou a chuva cai de cima para baixo”. Neste caso é preciso reconhecer as verdades que possam levar à compreensão e a transformação da sociedade em benefício de todos;
3º) “A arte de tornar a verdade manejável como uma arma”, ou seja, agregar a ela objetivos práticos e que sejam coerentes com suas próprias ações, pois – sublinha o autor – não basta ser contra, por exemplo, à matança e ao sacrifício de animais e comer vitela e churrasco toda semana;
4º) “Ter a capacidade de escolher aqueles, em cujas mãos a verdade se torna eficiente”, pois muitos a desprezam e até mesmo se orgulham de ignorá-la, mas há aqueles que sabem utilizá-la e fazer dela um instrumento de combate eficaz e permanente. E mais ainda, ela deve levar a uma ação combativa não somente contra as mentiras, mas também contra aqueles que as espalham. E por fim:
5º) “Ter a astúcia de divulgar a verdade entre muitos”, afinal é preciso burlar a censura e a repressão através da inteligência e da ironia. Como exemplo, Brecht cita o ensaio sarcástico do escritor irlandês Jonathan Swift, do início do século XVIII com o título de “Uma Modesta Proposta” (The Modest Proposal”), no qual o autor de “Viagens de Gulliver” sugere em um tom aparentemente sério que uma forma de minimizar a miséria na Irlanda seria utilizar as crianças pobres como alimento para os ricos proprietários de terras na Inglaterra, senhores do reino. Desse modo satírico e grotesco, Swift desnuda então a hipocrisia dos ricos, a tirania dos ingleses e a vida miserável de milhares de pessoas na Irlanda.
Nascido no interior na Alemanha, Brecht tornou-se adulto em meio à guerra, e transformou-se depois numa das personalidades teatrais que maior influência exerceram neste nosso século tão contraditório. Sua arma era estimular a reflexão, proporcionar diversão e apelar ao bom senso. Criador de uma nova pedagogia calcada na experiência, Brecht dá relevo em seus textos aos conflitos tão comuns em nosso dia a dia, deixando vir à tona as verdades históricas subjacentes à História oficial. Vale frisar também que para Brecht, indagar, reconstruir, reinventar caminhos é próprio do homem, e essa certeza, além de sua vasta obra, é seu grande legado. Certa vez, em um poema, ele propôs que inscrevessem em sua lápide: “Ele deu sugestões, nós as aceitamos”.
Nada mais atual neste momento histórico em que as chamadas fakenews ganharam uma dimensão social avassaladora e terrivelmente destrutiva. Enfim, em momentos de opressão e de barbárie é sempre difícil dizer e divulgar a verdade, mas é preciso fazê-lo, pelo bem de todos e pelo futuro das novas gerações!
* Gestor cultural, Diretor de Teatro, Escritor e Tradutor de alemão.